URSULA K. LeGUIN
O Mundo de Rocannon
Trad. Eurico da Fonseca
Como se pode diferenciar a lenda do facto nesses mundos que estão a tantos anos de distância ? – planetas sem nome, a que a sua gente chama apenas O Mundo, planetas sem história, onde o passado é feito de mito e onde um explorador ao voltar descobre que as suas ações de alguns anos atrás se tornaram nos atos de um deus. O irracional obscurece esse abismo do tempo atravessado pelas nossas naves que se deslocam à velocidade da luz, e nas trevas a incerteza e desproporção crescem como ervas daninhas.
Ao termos de contar a história de um homem, um vulgar cientista da Liga, que foi a um desses mundos mal conhecidos e sem nome não muitos anos atrás, sentimo-nos como um arqueólogo entre ruínas milenárias, procurando abrir caminho entre maciços de folhas asfixiadas, flores, ramos e trepadeiras para alcançar a súbita e brilhante geometria de uma roda ou de um cunhal polido, entrando agora numa porta vulgar e ensolarada para encontrar no interior as trevas, o tremular impossível de uma chama, o refulgir de uma joia, movimento meio deslumbrante de um braço de mulher.
Como se poderá distinguir o facto da lenda, a verdade da verdade?
Através da história de Rocannon, a joia, o refulgir azulado por um momento, regressa."
In URSULA K. LeGUIN
O Mundo de Rocannon
(Pág. 5)
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