11.05.2009






Ranking das escolas: ensino ou instrução?

Num país em que a educação nunca foi solução mas problema, vejam-se as cunhas que são metidas e os meios usados por determinadas pessoas com o fito de obter um diploma, nunca com o sentido de evoluir numa melhor educação, neste país em cada qual faz gala de exibir na testa o seu grau académico, a questão dos “rankings” escolares teria forçosamente de ser distorcida.
Neste país, a maioria dos pais, seja por fraca escolaridade, seja pelo tempo gasto a trabalhar, só se deslocam às escolas quando são chamados a resolver algum problema relacionado com o seu filho ou para resolver algum problema burocrático, matrículas, receber os boletins de avaliação, etc.
Quando o povo desconhece melhor enganado é.
Vamos então ao meu peixe.
Os “rankings” agora apresentados e que o senhor director do jornal “Público” tanto pugnou para publicar, representam e são o quê?
Nada mais representam que a média matemática obtida pelos alunos de uma dada escola na execução de um exame em comparação com os alunos de outra escola, de condições físicas, sociais, culturais e económicas absolutamente diversas.
Representa esse dado só por si a qualidade ou não de um estabelecimento de ensino por comparação com outro que ocupe um lugar mais baixo?
A minha resposta é clara: não!
Os resultados obtidos pelos seus alunos nos exames é um indicador que as escolas deverão ter em linha de conta para elaborarem os seus projectos educativos mas apenas isso e só, um indicador entre muitos mais que fazem com que eu considere uma escola boa para ensinar a minha filha ou não, e esses factores são independentes do facto de ela obter boas, assim-assim ou maus notas mas que lhe permita um crescimento equilibrado, saudável e sem complexos.
O sistema de ensino português começa por estar falsificado quando são impostas quotas de acesso aos cursos do ensino superior, isto leva a que muitos jovens sejam afastados do curso que gostavam para outro do qual gostam assim-assim porque não obtiveram nota suficiente para isso. Por outro lado, outros jovens empurrados pela família, devido ao prestígio e à nota alta exigida, também vão escolher cursos para os quais não se sentem vocacionados mas porque são esses os cursos dos “mais inteligentes”, os cursos em Sr. Dr. ou Sr. Eng.º quer dizer isso mesmo e dão prestígio social.
O problema não é fácil de resolver, para mais num país que apesar de pequeno, produziu até hoje legislação educativa inversamente proporcional ao seu tamanho. Nem o douto Dr. João Pedroso, conhecido jurista, se entendeu com as mais de sete mil leis, despachos, normativos, etc. que a um só tempo, e quantas vezes contradizendo-se entre si, regulam o sistema de ensino português.
Nem Kafka, nos seus melhores dias, sonharia com tal burocracia.
Em frente...
Ora esta pressão da nota motivada pelo “numerus clausus” vai implicar nas famílias e nos jovens uma inusitada pressão na nota do ensino secundário a ser obtida.
É claro que no meio de tal confusão todos, talvez com excepção dos professores, se estejam a marimbar para a qualidade do ensino pois o que querem é notas altas e para obter esse desiderato vale tudo, até facilitar, imbecilizar ao máximo os enunciados das provas de exame.
Antigamente oferecia-se uma galinha ou um porco ao professor, como isso hoje é difícil, arranja quem pode, uma escola privada que garanta a nota necessária ao rebento.
E aqui estamos a falar de instrução, não de educação, isto é, treina-se massivamente o aluno a resolver uma série de questões e problemas de uma forma cada vez mais automática, como se da condução de um carro se tratasse e não é por acaso que a aprendizagem da condução, bem como os preceitos da tropa se chamam precisamente instrução.
E é esta a prática nas vinte primeiras escolas do “ranking” português, curiosamente todas privadas.
Estas escolas não têm ou “produzem” alunos inteligentes? É claro que sim, até porque fazem à partida uma selecção de conhecimentos, alunos que não passem na prova de acesso não entram. Mas o objectivo é a nota, juntem agora alunos escolhidos quase a dedo e que já por si são dotados a serem instruídos para os exames...
Depois temos as pobres das escolas públicas, vagueando de ano para ano, pelos lugares mais fundos do “ranking”.
Aliás não é por acaso que a divulgação dos “rankings”, fazendo a vontade a alguns pseudo-ingénuos e pseudo-defensores da qualidade do ensino, encarnados pelo director do “Público”, José Manuel Fernandes, coincide com a maior ofensiva desde sempre à Escola Pública quer por privados (o que é normal) mas sobretudo da parte do governo da nação.
O que está por detrás da nuvem de fumo que são os “rankings” esconde-se a tempestade da destruição de toda e qualquer credibilidade do ensino público, com o intuito de entregar também a educação à esfera privada, limitando-se a escola pública a dar guarida aos filhos dos pobrezinhos que não têm dinheiro para pagar a escola privada, aquela que garante não só a nota de acesso ao curso desejado, mas também e curiosamente, a entrar nas universidades públicas porque essas sim são reconhecidamente melhores que as privadas e também muito mais baratas.
E assim, na Democracia portuguesa o ensino continua a ser feudo de uma estrita e rica e burra elite (salvo excepções).
Entra pois aqui a questão das escolas públicas e o pomo fundamental desta minha arengada: a Educação.
Educação pressupõe a aquisição por um indivíduo, normalmente com a ajuda de um professor ou tutor, de um conjunto de instrumentos, capacidades ou competências que lhe vão permitir no futuro e de forma autónoma ou em equipa, dar resposta a novos desafios e a encontrar diferentes soluções para os problemas mais ou menos complexos que lhe são colocados.
Resumindo: enquanto a instrução formata e limita o indivíduo a responder de forma condicionada e automática; a educação liberta-o para encontrar soluções criativas e inovadoras.
Terminarei apresentando um exemplo que talvez vos esclareça melhor que todo o meu “parlapiê” antecedente.
Há cerca de quatro anos, numa escola do concelho de Sintra, saúdo a coragem camarária que num concelho desta dimensão fornece gratuitamente os manuais escolares a todos os alunos do 1º ciclo, esta escola contava na altura com oitocentos alunos, do jardim-de-infância ao 4º ano do 1º ciclo. Edifícios envelhecidos, computadores do tempo da outra senhora, casas de banho nem sempre a emitir os melhores cheiros, árvores, barreiras, muros, perigos... Mas nos intervalos, recreios cheios da alegria das 800 crianças.
Ora, há quatro anos foi esta escola objecto de uma avaliação externa promovida pelo Ministério da Educação. Da equipa avaliadora, composta por três pessoas, duas delas nomeadas pelo Ministério apresentavam trabalhos de investigação em Educação e estavam ligadas ao ensino universitário, a outra pessoa era inspector do ME.
Entre os 800 alunos desta escola foram registadas 22 nacionalidades diferentes, alguns não conhecendo uma palavra de português quando entravam na escola, havia cerca de uma dezena de alunos de etnia cigana, uma panóplia de religiões e culturas, vários alunos com síndroma de Down, com diferentes graus de autismo, com paralisia cerebral e outras afecções físicas e psicológicas, abreviando para não maçar. Além destas crianças ainda havia que contar com alunos portadores de défice cognitivo acentuado e todos aqueles que ninguém sabe bem porquê têm dificuldades de aprendizagem.
Mas apesar dos parcos recursos disponibilizados pelo ME, das condições dos edifícios e salas de aula, os alunos em cadeira de rodas iam à casa de banho ao colo dos respectivos professores, quando a saúde ou idade das funcionárias não permitia fazer essa espécie de serviços. Apesar de tudo contra, nenhum destes alunos ficou para trás, nenhum destes alunos ficou sem ter a atenção devida, nenhum foi deixado ao abandono, nenhum foi segregado. A alegria da escola era vê-los brincarem todos juntos nas horas do recreio.
À equipa de avaliação foram-lhes disponibilizados todos os documentos que aprouveram por bem consultar, contactaram com alunos, professores, funcionários, representantes dos pais, representantes da comunidade e de comunidades estrangeiras (Casa da Guiné, por exemplo), representantes das autarquias (Junta de Freguesia e Câmara Municipal), conselho de docentes, conselho pedagógico, conselho executivo e assembleia de escola.
É claro que também tiveram acesso aos resultados que os alunos obtinham nos exames nacionais do 4º ano de escolaridade, os quais nem sequer eram muito famosos.
Esta Escola foi avaliada em todos os itens entre Bom e Excelente.
Compreenderam a diferença entre educar e instruir?
Então perceberão agora melhor a verdadeira importância e o lugar devido aos “rankings” dos exames.
E o lugar, que todos devemos exigir nos estabelecimentos de ensino público, porque pago pelos nossos impostos, à Educação.
Nas escolas privadas farão como muito bem lhes aprouver, desde que o dinheiro para a brincadeira não saia do meu bolso.


Jaime Crespo

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