9.17.2021

É TARDE DEMAIS, de DEOLINDA MILHANO

 

É TARDE DEMAIS

Deolinda Milhano

(155 páginas)

Edições Colibri, 2012


Teresa migrou do campo para a cidade. Contudo, tinha um sonho. E ele, que é coisa que não pode ser coisificada, mas pela qual as principais coisas nascem, se desenvolvem e proliferam, sugere-lhe que deve regressar às origens campesinas para o realizar. Então retorna à casa dos progenitores – uma casa portuguesa, com certeza – falecidos já, para assim, não só recuperar as vivências de infância, mas também esse roteiro e ideário recheado de linguajares, amizades, peripécias, costumes e tradições, que forjaram o sal do espaço-quando em que eclodiu para a vida, para o romance, para a proficuidade criadora, onde as simples e raras intrigas germinam para se irem, pouco a pouco, do obscuro olvido libertando.

E quis fazê-lo em carne viva, isto é, na incomodidade de outrora, e apenas com os recursos domésticos de antanho, evitando recorrer às novidades da tecnologia que a modernidade disponibilizou, das avançadas TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) aos menos sofisticados eletrodomésticos. Sem telemóvel nem computador, sem TV nem máquina de escrever, que lhe facilitasse a tarefa de erigir da brancura do nada de uma resma de papel A4, uma montanha mágica de significados e significantes, mais ou menos enfileirados, coordenados, e de sentires alerta para a exata função de contar. De narrar. De expor, expondo-se, a fim que as suas amigas e amigos dessa narrativa pudessem desfrutar, ou melhor se pudessem aperceber de quem ela é e a faz mover, mostrando-lhes também quem foi e de onde veio.

E nessa viagem, feita em arredondado cursivo de professora primária, não só porque feminina mas também de costureira e bordadora, deixar transparecer os termos, os ditos, as modinhas, as modas, as aventuras no ribeiro, as paisagens, os saber-fazer, os sabores, as fauna e flora, a que assistiu enquanto usanças comuns à família, como das demais gentes que estiveram presentes durante o período da sua formação, não somente de personagem que amadurece paras as letras, como igualmente de pessoa, visto que entre Teresa e Deolinda Milhano há um paralelismo evidente, uma nítida convergência de identidades, transferindo-se a segunda para a primeira através da palavra escrita, numa transfusão de conteúdos, recordações, emoções, pensamentos, sentires e reações, anexas à preocupação literária, no discurso lírico, bucólico, bem como na postura social, e que assim proporcionam aquela plausibilidade tão imprescindível quanto necessária a todas as narrativas, sejam elas contos, novelas, romances, sagas ou simples memórias de viagem, mais ou menos ficcionadas. O que nos legitima para concluir, considerando que a autora, não obstante tenha publicado anteriormente diversos títulos (Cartas Amordaçadas, 2006 – Edições Colibri; Dicionário de Ditados (Provérbios) e Frases Feitas, 2008 – Edições Colibri; Portalegre em Momentos de Poesia, 2011 – Edições Colibri; Sentires da Alma, 2012 – Gráfica Guedelha e Alentejo em Poesia, 2012), é uma estreante nas lides romanescas, inicia com êxito a sua carreira de escritora e ficcionista, porquanto É TARDE DEMAIS nos indicia que nunca é demasiado tarde para realizar um sonho, uma vez que, à semelhança de Teresa, a narradora, também ela realizou o seu sonho – e ainda bem que o fez, possibilitando consequentemente a que todos e todas o observássemos de fio a pavio. Obrigado por isso!

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