9.28.2021

TODOS OS TEMPOS NUM SÓ

 

NUM SÓ, TODOS OS TEMPOS



Há gestos preciosos, lestos, precisos

Imediatos à voz, cuja doçura

Espelha a brancura dos narcisos;

Os sonhos das açucenas, dos jasmins

Cativados pela serena brandura

Com que os meios se transformam em fins.

Que nos agarram por dentro e por fora.

Que nos espanejam a alma alcantilada

Nos promontórios com que o ser se escora

Pra imaginar-te do outro lado da estrada.


E quando a sorte se aproxima

Quase um precipício prà sina,

Eis que estranho braço a empurra

A vertigem do grito a fustiga

E banindo-a a zurze e a surra

Até lhe extorquir toda a fadiga…


Então ante ti, meu olhar fica nu.

Tudo quanto ele omitiu, eu omiti.

E se alguém mais viu, eu também não vi

Que, de repente, no meu presente

Somente uma pessoa existiu… – Tu!


Joaquim Maria Castanho

9.24.2021

NA DEGUSTAÇÃO DAS SÍLABAS


 

NA DEGUSTAÇÃO DAS RIMAS



Pela crosta estaladiça dos dias

Em que pleno o palato se me dilui

Sôfrego colho eu duns olhos poesias

Onde, por serena, a beleza flui

Quase avelã madura, desmedida,

Inteira entrega de mim, total cerne,

Se nesse quase ponho toda a vida

Desde o mais íntimo à flor da derme.

Do miolo nuclear à textura pura

Aí, sólido imbricado o ser assenta,

Com que a tez empresta a sã frescura

Que atesta a formosura que aparenta…


E assim nascido dum quase perfeito

Mastigo rimas, degusto-as uma a uma,

Até que farta a alma m’enche o peito

Onde só as tuas cabem… Mais nenhuma!


Joaquim Maria Castanho

9.23.2021

O OUTONO VEM AÍ

 

O OUTONO VEM AÍ COM AS FOLHAS 

QUE INSISTEM EM MUDAR DE COR


Conta-se que outrora

Que contar

Era explicar...

                         … uma história.


Mas agora

Em que em nada há memória

Nem tem explicação,

É só mostrar o resultado

Numa foto de mel coado

De que se pode gostar... ou não!


Joaquim Maria Castanho


9.17.2021

É TARDE DEMAIS, de DEOLINDA MILHANO

 

É TARDE DEMAIS

Deolinda Milhano

(155 páginas)

Edições Colibri, 2012


Teresa migrou do campo para a cidade. Contudo, tinha um sonho. E ele, que é coisa que não pode ser coisificada, mas pela qual as principais coisas nascem, se desenvolvem e proliferam, sugere-lhe que deve regressar às origens campesinas para o realizar. Então retorna à casa dos progenitores – uma casa portuguesa, com certeza – falecidos já, para assim, não só recuperar as vivências de infância, mas também esse roteiro e ideário recheado de linguajares, amizades, peripécias, costumes e tradições, que forjaram o sal do espaço-quando em que eclodiu para a vida, para o romance, para a proficuidade criadora, onde as simples e raras intrigas germinam para se irem, pouco a pouco, do obscuro olvido libertando.

E quis fazê-lo em carne viva, isto é, na incomodidade de outrora, e apenas com os recursos domésticos de antanho, evitando recorrer às novidades da tecnologia que a modernidade disponibilizou, das avançadas TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) aos menos sofisticados eletrodomésticos. Sem telemóvel nem computador, sem TV nem máquina de escrever, que lhe facilitasse a tarefa de erigir da brancura do nada de uma resma de papel A4, uma montanha mágica de significados e significantes, mais ou menos enfileirados, coordenados, e de sentires alerta para a exata função de contar. De narrar. De expor, expondo-se, a fim que as suas amigas e amigos dessa narrativa pudessem desfrutar, ou melhor se pudessem aperceber de quem ela é e a faz mover, mostrando-lhes também quem foi e de onde veio.

E nessa viagem, feita em arredondado cursivo de professora primária, não só porque feminina mas também de costureira e bordadora, deixar transparecer os termos, os ditos, as modinhas, as modas, as aventuras no ribeiro, as paisagens, os saber-fazer, os sabores, as fauna e flora, a que assistiu enquanto usanças comuns à família, como das demais gentes que estiveram presentes durante o período da sua formação, não somente de personagem que amadurece paras as letras, como igualmente de pessoa, visto que entre Teresa e Deolinda Milhano há um paralelismo evidente, uma nítida convergência de identidades, transferindo-se a segunda para a primeira através da palavra escrita, numa transfusão de conteúdos, recordações, emoções, pensamentos, sentires e reações, anexas à preocupação literária, no discurso lírico, bucólico, bem como na postura social, e que assim proporcionam aquela plausibilidade tão imprescindível quanto necessária a todas as narrativas, sejam elas contos, novelas, romances, sagas ou simples memórias de viagem, mais ou menos ficcionadas. O que nos legitima para concluir, considerando que a autora, não obstante tenha publicado anteriormente diversos títulos (Cartas Amordaçadas, 2006 – Edições Colibri; Dicionário de Ditados (Provérbios) e Frases Feitas, 2008 – Edições Colibri; Portalegre em Momentos de Poesia, 2011 – Edições Colibri; Sentires da Alma, 2012 – Gráfica Guedelha e Alentejo em Poesia, 2012), é uma estreante nas lides romanescas, inicia com êxito a sua carreira de escritora e ficcionista, porquanto É TARDE DEMAIS nos indicia que nunca é demasiado tarde para realizar um sonho, uma vez que, à semelhança de Teresa, a narradora, também ela realizou o seu sonho – e ainda bem que o fez, possibilitando consequentemente a que todos e todas o observássemos de fio a pavio. Obrigado por isso!

La vida es un tango y el que no baila es un tonto

La vida es un tango y el que no baila es un tonto
Dos calhaus da memória ao empedernido dos tempos

Onde a liquidez da água livre

Onde a liquidez da água livre
Também pode alcançar o céu

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Escribalistas é órgão de comunicação oficial de Joaquim Maria Castanho, mentor do escribalismo português