12.15.2010


Alexandre, Marília, qual o rio,
Que, engrossando, no inverno tudo arrasa,
Na frente das coortes,
Cerca, vence, abrasa
As cidades mais fortes;
Foi na glória das armas o primeiro,
Morreu na flor dos anos (7) e já tinha
Vencido o mundo inteiro.


Mas este bom soldado, cujo nome
Não há poder algum que não abata,
Foi, Marília, somente
Um ditoso pirata,
Um salteador valente.
Se não tem uma fama baixa e escura,
Foi por se pôr ao lado da injustiça (8)
A insolente ventura.

O grande César, cujo nome voa,
À sua mesma pátria a fé quebranta;
Na mão a espada toma,
Oprime-lhe a garganta,
Dá senhores a Roma.
Consegue ser herói por um delito;
Se acaso não vencesse então seria
Um vil traidor proscrito.

O ser herói, Marília, não consiste
Em queimar os impérios: move a guerra,
Espalha o sangue humano
E despovoa a terra
Também o mau tirano.
Consiste o ser herói em viver justo:
E tanto pode ser herói o pobre,
Como o maior Augusto.


Eu é que sou herói, Marília bela,
Seguindo da virtude a honrosa estrada.
Ganhei, ganhei um trono,
Ah! Não manchei a espada,
Não o roubei ao dono!
Ergui-o no teu peito e nos teus braços;
E valem muito mais que o mundo inteiro
Uns tão ditosos laços.


Aos bárbaros, injustos vencedores
Atormentam remorsos e cuidados;
Nem descansam seguros
Nos palácios cercados
De tropa e de altos muros.
E a quantos nos não mostra a sábia História,
A quem mudou o fado em negro opróbrio
A mal ganhada glória!


Eu vivo, minha bela, sim, eu vivo
Nos braços do descanso e mais do gosto (9).
Quando estou acordado,
Contemplo o teu rosto (10),
De graças adornado;
Se durmo, logo sonho e ali te vejo.
Ah! Nem desperto nem dormindo sobe
A mais o meu desejo!

Tomás António Gonzaga (Porto, 1744 - Moçambique, 1810), in Marília de Dirceu

(7) Alexandre morreu aos 32 anos.
(8) Injustiça – conquistar pela força.
(9) O poeta que assim se exprimia estava à beira da desgraça, pois, pouco tempo após, seria metido numa escura masmorra da Ilha das Cobras, como implicado na Conspiração Mineira.
(10) Contemplo no teu rosto – no em vez de em teu rosto, populariza e torna menos expressiva a expressão.

La vida es un tango y el que no baila es un tonto

La vida es un tango y el que no baila es un tonto
Dos calhaus da memória ao empedernido dos tempos

Onde a liquidez da água livre

Onde a liquidez da água livre
Também pode alcançar o céu

Arquivo do blogue

Acerca de mim

A minha foto
Escribalistas é órgão de comunicação oficial de Joaquim Maria Castanho, mentor do escribalismo português