2.09.2012

LUZIA, pseudónimo literário da portalegrense Luísa Grande, foi uma marca de inegável talento e criatividade cujo rasto não se pode diluir no tempo

É grande loucura essa, a de alguns escritores terem a mania de quererem ser felizes, mesmo quando parece tudo e todos estarem realmente empenhados em não deixar que isso aconteça… Porventura será exatamente por isso que muitas pessoas os admiram tanto, por sentirem que estes anseiam, afinal, o mesmo que elas.

Conseguiu porém LUZIA, sem que sequer alguma vez lhe resvalasse a pena para o casticismo exótico ou para o porreirismo lamechas, gizar quadros de singela e pitoresca beleza acerca do dia-a-dia dos portugueses do princípio do século passado, quer deste quadradinho continental como das ilhas atlânticas, do universo lisboeta como das latitudes alentejanas, da cosmopolita Europa como das rústicas e montanhosas aragens dos Pirenéus, sob a acentuada influência estética do parnasianismo disseminado por Anatole France, por exemplo, bem como sob as matizes simbolistas e fantasiosas da francofonia veiculadas por Jane Cals ou Marguerite Burnat-Provins, entre outros e outras, que lhe timbraram o discurso com aquela peculiar melancolia sonhadora das almas que fizeram da solidão o seu porto-seguro. Se o mundanismo modernista a arrastou consigo esporádicas vezes pela sua condição de mulher de convívio com outras mulheres, nunca porém lhe foi acérrima aficionada, talvez em resultado de suas múltiplas orfandades que desde c
edo lhe torceram o destino (de mãe, de pai, de terra, de marido, de ideologia e de saúde), lavrando o choro e riso, num estilo de vincada oralidade fruto inequívoco dos serões familiares alentejanos, onde não lhe seria alheia a paulatina vagabundagem pelos universos imagéticos das Mil e Uma Noites, propícia ao conforto doméstico junto à lareira, ou as demandas shakespearianas adaptadas às circunstâncias pouco exigentes do Teatro Portalegrense, último grito da cultura e da moda numa cidade a braços com a acesa catolicidade que via com maus olhos que os sapateiros intentassem além da sovela, embora o amadorismo fosse o único recurso para lhe animar a plateia, legando-nos ainda assim uma profícua obra, cujos alicerces se implantam nos géneros dramático e bucólico, dispersando-se por epístolas, diários, contos, novelas, bilhetes-postais, crónicas de costumes, artigos de fundo e críticas, peças de teatro, sketches, impressões de viagem, caraterização de tipos, recolhidos da observação direta e da introspeção, com narrativa na primeira pessoa, confirmando quanto é necessário que alguém se insurja contra o olvido através da prevenção, pois “quem se esquece de si próprio é fatalmente esquecido pelos outros”, como muito a propósito faz notar em Flores de Inverno: IV – Margarida, do livro Almas e Terras Onde Eu Passei, Edições Europa, pág. 190.

Teve dissabores, é claro – e quem os não teria numa época em que a mulher era considerada o sexo fraco, falho de vontade e responsabilidade cívica, exceto para as atividades ligadas à procriação da espécie e cultivo da (honra da) família? –, mas contornou-os sob o principal refúgio da leitura e da escrita, instigada imaginação, quiçá inspirada no cavaleiro da fraca figura – como se observa em Almas e Terras Onde Eu Passei, na página 42 – que errou pelas terras da Ibéria comum, aspergindo a perspicaz acutilância observativa e orientação ética de um Cervantes sobre o dorso desse Rocinante apenas prestável para o romantismo das grandes batalhas, precisamente aquelas cujo campo é tão-só e exclusivamente a alma humana.

Pois agora, que ninguém lhe deve nada, nem qualquer ressentimento, pela sua formação e crescimento numa família com etiqueta regeneradora, coisa que à nova república não agradava sobremaneira, creio ter chegado o tempo, não só de lhe lermos a obra como também de recuperar o exemplo, a modernidade e a dignidade de uma mulher que leu os sinais para não perder o sentido da vida. A sua, é óbvio, e igualmente a nossa, enquanto conterrâneos e descendentes de língua e verbo.
O Serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian realizará de Fevereiro a Outubro de 2012 um ciclo de conferências subordinado ao tema MATEMÁTICA: A CIÊNCIA DA NATUREZA, no qual participarão reconhecidos cientistas portugueses, que terão lugar no


Auditório 2 pelas 18:00 horas
com
Transmissão directa nos espaços adjacentes
Videodifusão http://www.livestream.com/fcglive

E por esta ordem de agendamento:

15 Fevereiro 2012 18h00
Trazer o céu para a terra
Henrique Leitão
Universidade de Lisboa


28 Março 2012 18h00
Ter muitas ideias, e a coragem de deitar quase todas fora
Dinis Pestana
Universidade de Lisboa


18 Abril 2012 18h00
Geometria com dobras de papel: como o origami bate Euclides
Ana Rita Pires
Cornell University

A primeira conferência – Trazer o Céu para a Terra – prevista para o auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian, no dia 15 de Fevereiro p.f., às 18h00, será proferida pelo Prof. Doutor Henrique Leitão, da Universidade de Lisboa.

A contemplação do céu e dos astros sempre fascinou a humanidade.
Mas quando se quer fazer um estudo mais concreto das posições e dos movimentos das estrelas e dos planetas imediatamente se descobre que isso não é simples: os astros parecem deslocar-se numa superfície esférica, uma abóbada por cima das nossas cabeças.

Para se poder passar da simples contemplação ao estudo sério dos astros foi preciso que os matemáticos concebessem um modo de, na terra, se conseguir estudar rigorosamente o céu. Ou seja, um processo matemático de trazer o céu para a terra.


Henrique Leitão (n. Lisboa, 1964) é doutorado em Física Teórica pela Universidade de Lisboa (1998).

Depois de alguns anos trabalhando em física (no Centro de Física da Matéria Condensada da Universidade de Lisboa) orientou os seus interesses para a história da ciência. Foi um dos fundadores, em 2003, do Centro de História da Ciência da Universidade de Lisboa.

Atualmente é Investigador do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT-UL) da Faculdade de Ciências de Universidade de Lisboa, e docente no Mestrado em História e Filosofia da Ciência, na mesma Faculdade. Os seus interesses de investigação centram-se na história das ciências exatas, entre o século XV e o século XVII, sendo o coordenador da comissão científica encarregue da publicação das Obras de Pedro Nunes, pela Academia das Ciências de Lisboa e a Fundação Calouste Gulbenkian. Tem também investigado a atividade científica em colégios da Assistência Portuguesa da Companhia de Jesus. Colabora regularmente com a Biblioteca Nacional de Portugal, onde já foi Comissário Científico de quatro exposições e é o responsável pelo projeto de catalogação dos manuscritos científicos antigos.

É autor de uma vasta obra, com vários livros e algumas dezenas de artigos publicados em periódicos da especialidade. Publicou em 2010 a tradução, com estudo introdutório e notas, do livro de Galileu: Sidereus Nuncius. O Mensageiro das Estrelas (Fundação Calouste Gulbenkian). Participa, como coordenador ou membro, em vários projetos nacionais e internacionais e é membro de diversas sociedades científicas portuguesas e estrangeiras, entre as quais destaca a Academia das Ciências de Lisboa, a Académie Internationale d’Histoire des Sciences, a European Society for the History of Science (foi membro do «Scientific Board» no triénio 2008-2010) e a History of Science Society.




Não esquecendo como atrás foi referido, que se poderá igualmente assistir em direto, esteja onde se estiver, através do site: www.livestream.com.fcg/live.


MATEMÁTICA: A CIÊNCIA DA NATUREZA


Uma enorme transformação no conceito de Natureza ocorre durante os séculos do Renascimento e dos Descobrimentos. As grandes navegações oceânicas tornam esta transformação impossível de esconder. A utilização intensiva de instrumentos, de tabelas, de mapas, bem como a circulação de pessoas, plantas e animais à escala do globo, criam a necessidade de se entender a forma nova que o mundo assume aos olhos maravilhados dos europeus. O século XVII, em que nasce a ciência moderna, consagra esta transformação.

Galileu põe a terra em movimento; e o movimento está por toda a parte: não há estado de repouso no Universo. Mas, ao mesmo tempo, comete um “pecado” de consequências monumentais para o futuro – para legitimar o novo conceito de descoberta das leis naturais, Galileu identifica a Natureza com um livro tão sagrado como a Bíblia, porém escrito numa outra linguagem – a da matemática. Ora a matemática era desde os gregos indissociável da Natureza; era o próprio conhecimento rigoroso, não mitológico, da realidade, através da aritmética, da geometria, da música e da astronomia. Paradoxalmente, em poucas dezenas de anos, a matemática aparece apenas como um “instrumento” de compreensão da nova Natureza. A nova matemática (o cálculo) está separada da natureza, funcionando apenas como a sua linguagem. Um novo conhecimento das coisas naturais emerge, adotando inclusivamente o nome latino de “scientia” para não se confundir com o antigo. A nova física (que surge como mecânica: o estudo do movimento e das forças) triunfa, acolhendo rapidamente os outros fenómenos naturais. Privada inadvertidamente do seu objeto, a matemática escolhe um caminho de progressiva abstração como estratégia evolutiva, com grande sucesso, até aos dias de hoje.

Foi preciso o Cubismo e a Mecânica Quântica para que a Natureza se voltasse a cobrir com os seus véus. Um século depois, percebemos que um conhecimento matemático novo será determinante para que o mundo que nos rodeia ganhe uma nova inteligibilidade. Nós também somos Natureza e esta perceção de base é fundamental para se equacionar a complexidade do nosso tempo. Entendeu por isso o Serviço de Ciência dedicar o ano de 2012 a pensar, de forma motivadora, nos novos caminhos abertos ou antevistos pela Matemática ao reassumir em plenitude o seu papel central de discurso sobre a Natureza.


João Caraça
(Diretor do Serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian)

La vida es un tango y el que no baila es un tonto

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Dos calhaus da memória ao empedernido dos tempos

Onde a liquidez da água livre

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Também pode alcançar o céu

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