7.31.2011

Quando assim sai a manhã, serena e bela!
Como vem no horizonte o sol raiando!
Já se vão os outeiros divisando,
Já no céu se não vê nenhuma estrela.

Como se ouve na rústica janela
Do pátrio ninho o rouxinol cantando!
Já lá vai para o monte o gado andando,
Já começa o barqueiro a içar a vela.

A pastora acolá, por ver o amante,
Com o cântaro vai á noite fria;
Cá vem saindo alegre o caminhante;

Só eu vejo o rosto da alegria:
Que enquanto de outro sol morar distante,
Não há de para mim nascer o dia.

João Xavier de Matos (Sec. XVIII)
Quem sabe como nasceu o prazer? Vejamos o que nos diz a mitologia…

CUPIDO E PSIQUE,
Por Thomas Bulfinch (1796-1867)
Tradução de David Jardim Júnior


Certo rei e rainha tinham três filhas. A formosura das duas mais velhas era ímpar, mas a beleza da mais nova era tão extraordinária e maravilhosa que nenhumas palavras há para expressá-la como de fato merecia. A fama de tal beleza ultrapassou os limites do reino, de tão grandiosa, que os estrangeiros dos países vizinhos iam, em numerosos grupos, como que em peregrinação, admirá-la, que deslumbrados lhe rendiam homenagens que só se devem à própria Vénus. Na verdade, Vénus viu os seus altares desertos, enquanto os homens se voltavam em devoção à jovem virgem. Quando esta passava, as pessoas entoavam-lhe loas e atapetavam o seu caminho com coroas e flores.
Ora, o desvirtuamento da homenagem devida apenas aos poderes imortais, para exaltação de uma simples e comum mortal, ofendeu profundamente Vénus. Que exclamou, sacudindo com indignação a sua linda cabeleira:
– Terei então que ser eclipsada e subtraída das minhas honras por uma jovem mortal? Em vão aquele pastor real, cujo julgamento foi aprovado pelo próprio Jove, concedeu-me a palma da beleza sobre as minhas mais ilustres rivais, Palas e Juno. Ela não poderá, portanto, usurpar as minhas honras em tranquilidade. Dar-lhe-ei motivo para arrepender-se dessa beleza injustificada.
Chama, por conseguinte, seu filho alado, Cupido, sobejamente ardiloso por sua própria natureza e recreação, exaltando-o e provocando-o superiormente quanto a seus cumprimentos. Mostra-lhe Psique e diz:
– Castiga, meu filho, aquela audaciosa e impertinente beleza; assegura, à tua mãe, uma vingança tão doce quanto foram amargas as injúrias que recebi. Infunde no peito daquela altiva donzela uma paixão tamanha e avassaladora por algum ser baixo, indigno, ordinário, de sorte que ela possa colher uma tão grande mortificação quanto o júbilo e triunfo que agora sente.
Cupido preparou-se, então, para obedecer às ordens maternas.

Há duas fontes no jardim de Vénus, uma de água doce, outra de água amarga. Cupido encheu nelas dois vasos de âmbar, cada um com água de cada uma das fontes, e suspendendo-os do alto da sua aljava, encaminhou-se para o quarto de Psique, que encontrou dormindo. Derramou, então, algumas gotas de água da fonte amarga sobre os lábios da jovem, embora ao vê-la quase tivesse sido tomado pela piedade; depois, tocou-a de lado com a ponta da sua seta. Ao contato, Psique acordou e abriu os olhos diante de Cupido – ele mesmo invisível – que, perturbado, se feriu com a sua própria seta. Descuidando-se do ferimento, o único pensamento do deus consistia em desfazer o mal que fizera, e derramou as balsâmicas gotas de alegria sobre os sedosos cabelos da jovem recém-desperta.
Psique, daí em diante desdenhada por Vénus, não tirou vantagem de todos os seus encantos. É bem certo que todos os olhos a contemplavam, maravilhados, e com admiração, e todas as bocas a exaltavam, sobretudo as dos poetas e aedos; mas nenhum rei ou príncipe, plebeu ou estrangeiro se apresentou a pedi-la em casamento. Já suas duas irmãs mais velhas, e muito menos belas que ela, há muito se havia casado com dois príncipes herdeiros, enquanto a formosa Psique, nos seus aposentos de solteira, lamentava abatida a solidão, até irritada com tamanha beleza que, embora pródiga em louvores e odes, não conseguia despertar amor.
Seus pais, receosos de que inadvertidamente tivessem provocado a ira dos deuses, consultaram o oráculo d Apolo, que lhes respondeu:
– A virgem não se destina a ser esposa de um amante mortal. Seu futuro marido a espera no alto da montanha. É um monstro a quem nem os deuses nem os homens mortais podem resistir. Essa terrível predição encheu a todos de desânimo, e os pais da jovem sucumbiram ao desespero, todavia, Psique, adiantou-se e disse:
– Por que me lamentais, meus queridos pais? Devereis antes ter sofrido e pesarosos se manifestarem, em vez de congratulados se haverem sentido, e cumulado de honras (indevidas), quando todos à uma me chamavam de Vénus. Percebo agora que sou vítima daquele nome. Resigno-me. Levai-me àquele rochedo que me destinou meu desventurado destino.
E, assim, após nesse sentido terem preparado todas as coisas, a donzela tomou real tomou seu lugar no cortejo, que mais parecia um funeral do que um casamento e, com seus pais, entre as lamentações do povo, subiu à montanha, no alto da qual a deixaram só, voltando depois para casa com os corações afogados em dolorosa e vil tristeza.
Enquanto Psique estava de pé no cume da montanha, tremendo de medo e com os olhos rasos de lágrimas, o gentil Zéfiro a levantou acima do solo e a conduziu suavemente até um florido vale, para dormir e descansar dos receios. Ao despertar, refeita pelo sono reparador, olhou em torno e viu, bem perto, um lindo e frondoso bosque de árvores altas e majestosas. Entrou-lhe dentro e, no meio dele, encontrou uma fonte de águas puras e cristalinas, e mais adiante, um magnífico palácio, cuja augusta fachada dava a impressão de não tratar-se de obra de mortais, mas de venturosa morada de algum deus. Tomada de espanto e admiração, a moça aproximou-se do palácio e aventurou-se a introduzir-se nele. Cada objeto que viu a encheu de assombro. Colunas de ouro sustentavam o teto abobadado e as paredes eram ornadas a baixos-relevos e pinturas de animais selvagens ou cenas rurais, campesinas, bucólicas, representadas de modo a deleitar os olhos e sugestionar a imaginação do espetador. Continuando a avançar, Psique percebeu que, além dos aposentos majestosos, havia outros repletos de tesouros e todos os demais produtos da natureza e da arte.
– Soberana dama, tudo quanto aqui vês é teu. Nós, cujas vozes ouves, somos teus servos e obedeceremos às tuas ordens com a maior atenção, presteza e diligência. Retira-te, pois, para o teu quarto e repousa em teu leito, após o que, quando tiveres descansado, poderás refrescar-te com um banho. A ceia espera-te no aposento adjacente, quando ali te aprouver acomodares-te.
Psique atendeu às recomendações dos servos invisíveis, depois de repousar e banhar-se, sentando-se no aposento contíguo, onde de imediato surgiu uma mesa, sem qualquer servidor visível, com os pratos e vinhos mais deliciosos que imaginar se possa. Também seus ouvidos foram deleitados com música tocada por executantes invisíveis, um dos quais cantava, outro tocava alaúde, enquanto os restantes completavam a maravilhosa harmonia de um coro perfeito.
Psique não vira ainda o marido que lhe estava destinado. Ele vinha apenas nas horas de escuridão e partia antes do amanhecer, mas suas expansões eram repletas de amor e inspiraram nela uma paixão semelhante. Não raras vezes ela implorava ao amante que ficasse e a deixasse observá-lo, porém ele nunca lhe satisfazia o pedido. Pelo contrário, recomendou-lhe que jamais fizesse qualquer tentativa para vê-lo, porque ele tinha bons motivos para se esconder.
– Por que me queres ver? – Perguntava. – Duvidarás acaso do meu amor? Tens algum desejo por satisfazer? Se me visses, irieis depois talvez temer-me, talvez adorar-me, todavia a única coisa que te peço é que ames. Prefiro que me ames como um igual a que me adores e veneres como um deus.
Estes argumentos de certo modo aquietaram Psique, durante algum tempo, e, enquanto tudo foi novidade para ela, sentiu-se feliz. Finalmente, porém, a lembrança de seus pais, que desconheciam o seu destino, e de suas irmãs, impedidas de compartilhar com ela as delicias de sua situação, dominou-lhe o espírito, e ela começou a considerar somente como uma espécie de esplêndida e rica prisão. Então, quando o marido compareceu certa noite, desabafou com ele, contando-lhe os seus sofrimentos, e acabou, embora a custo, obtendo dele o consentimento para que suas irmãs pudessem ir visitá-la.
Assim, chamando Zéfiro, transmitiu-lhe as ordens do marido, ao que, obedecendo-lhe prontamente, trouxe as irmãs de Psique até si, através da montanha, para o vale onde habitava. Elas abraçaram-na e a jovem retribuiu-lhe as carícias.
– Vinde – disse Psique. – Entrai em minha casa e disponde de quanto vossa irmã tem para vos oferecer.
E nisso, tomando-as pelas mãos, levou-as a seu palácio de ouro e entregou-as aos cuidados dos criados invisíveis, a fim de que se banhassem, fossem servidas à mesa e admirassem os inúmeros tesouros disponíveis. A vista daqueles dons celestiais fez com que a inveja penetrasse no coração de ambas, vendo que sua irmã mais moça possuía tais riquezas e esplendores, deveras superiores aos seus.
Fizeram a Psique inúmeras perguntas, nomeadamente a de que espécie de pessoa era seu marido. Psique respondeu que era um belo jovem, que geralmente se perdia nas montanhas caçando todos os dias. Contudo, as irmãs, não satisfeitas com essa resposta, levaram-na a confessar que jamais o vira. Daí que ambas trataram de, então, de inculcar no coração dela acutilantes dúvidas e inquietações, desconfianças e tenebrosas sugestões.
– Lembra-te – disseram –, que o oráculo pitiano anunciou que tu te casarias com um monstro horrível e tremendo. Alguns habitantes deste vale alvitram que ele uma terrível e monstruosa serpente que te nutre, por enquanto, com alimentos suculentos e deliciosos a fim de devorar-te posteriormente. Ouve o nosso conselho. Mune-te de uma lanterna e de uma faca afiada, esconde-as onde teu marido não possa encontra-las, e quando ele estiver a dormir profundamente, sai do leito, acende a lanterna e vê, com teus próprios olhos, se o que dizem é verdade ou não. Se for, não hesites um momento em cortar-lhe a cabeça e recuperares a tua liberdade.
Psique resistiu aos apelos das duas tanto quanto pode. Todavia ficara impressionada e, depois que as suas se retiraram, o eco das suas palavras manteve-se durante longo tempo e de forma persistente, acirrando-lhe a curiosidade, de forma resoluta e pertinente, para que lhes continuasse a resistir. Assim, aprovisionou de uma faca e lamparina, escondendo-as onde só ela sabia estarem. Quando ele adormeceu, Psique levantou-se sem fazer qualquer ruído, recuperou lanterna e faca, e acendendo a primeira, para grande espanto seu, viu, não o monstro horrendo que temia ver, mas antes o mais belo e encantador dos deus, com madeixas louras sobre o pescoço cor de neve e róseas faces, um par de asas nos ombros, mais brancas ainda que a neve, de brilhantes e reluzentes penas como flores primaveris. Porém, ao baixar a lâmpada para observar de mais pero e melhor o rosto do formoso marido, inclinou a ligeiramente a lamparina, o que foi suficiente para que uma gota do óleo ardente caísse no ombro do deus, que assustado abriu os olhos e a encarou. Depois, sem dizer uma palavra sequer, abriu as níveas asas e voou através da janela. Psique, na tentativa vã de segui-lo, caiu da janela ao solo. E Cupido, vendo-a estendida no chão, parou o voo por um instante e disse:
– Tola Psique, foi assim que retribuíste o meu amor? Depois de ter desobedecido às ordens de minha mãe e te ter tomado minha esposa, tu me julgavas um monstro e estavas disposta a cortar-me a cabeça? Vai. Volta para junto de tuas irmãs, cujos conselhos parece preferires aos meus. Não te imponho outro castigo, além do deixar-te para sempre. O amor não pode conviver com a suspeita.
E isto dizendo, continuou o seu voo, deixando a infortunada Psique prostrada no chão a lamentar-se tristemente.
Quando se recompôs um pouco, observou em redor, mas o palácio e os Jardins tinham desaparecido, encontrando-se ela num descampado a pequena distância da cidade onde residiam as irmãs. Procurou-as e contou-lhes a história do seu infortúnio, com que as desprezíveis criaturas, fingindo pesar, na verdade se regozijavam.
– Agora, talvez ele escolha uma de nós – disseram, entre si.
Levadas por essa ideia, e sem dizer uma palavra sobre as suas intenções, cada uma delas se levantou cedo na manhã seguinte, dirigiu-se ao alto da montanha e convocou Zéfiro, para recebe-la e levá-la ao seu senhor. Depois atiraram-se no ar, todavia Zéfiro as sustentou, deixando-as cair no precipício, onde se despedaçaram.
Entretanto, Psique caminhava noite e dia, sem repouso nem alimentação, à procura do marido. Tendo avistado uma imponente montanha, em cujo cume havia um templo magnífico, disse consigo mesma, suspirando:
– Talvez meu amor, meu senhor, habite ali.
E, assim dizendo, dirigiu-se ao templo.
Mal entrara, viu montões de trigo, quer em espigas, quer em feixes, misturados com espigas de cevada. Espalhados em torno, havia foices e ancinhos, além de todos os demais instrumentos usados na ceifa, em desordem, como que atirados descuidadamente das mãos dos ceifeiros e ceifeiras cansados, nas horas escaldantes do dia.
A piedosa Psique pôs fim àquela confusão indizível, separando e colocando no seu devido lugar, convencida que estava em que não podia negligenciar o culto a nenhum deus, antes sim, ao contrário, procurar com sua diligência cultuá-los a todos. A divina Ceres, a quem era devotado aquele templo, vendo a jovem tão piedosamente ocupada, sensibilizou-se, falando-lhe assim:
– Ó Psique, és na verdade digna da nossa piedade, e embora eu não possa proteger-te contra a má vontade de Vénus, posso porém ensinar-te o melhor meio de evitar desagradá-la. Vai, e voluntariamente rende-te à tua deusa e soberana, e trata de rogar-lhe perdão com modéstia e submissão, e talvez, assim, ela te restitua o marido que perdeste.
Psique obedeceu prontamente à ordem de Ceres, dirigindo-se ao templo de Vénus, tentando fortalecer o espírito e repetindo, em voz baixa, o que iria dizer, e como tentaria apaziguar a divindade irritada, compreendendo como o caso era difícil e até fatal.
Vénus recebeu-a com a ira estampada no rosto.
– Tu, a mais ingrata e infiel das servas, lembraste-te, afinal que tens, realmente, uma senhora? – Exclamou, interpelando a outra. – Ou serás que vieste só para ver teu marido enfermo, ainda aguardando no leito, em consequência da ferida que lhe causou sua esposa? És tão pouco favorecida e tão desagradável, que o único meio pelo qual podes merecer o teu amante é a prova do engenho e diligência. Farei uma experiência da tua capacidade como dona da casa.
Ordenou, então, a Psique, que fosse para o celeiro do seu templo, onde havia grande quantidade de trigo, aveia, milho, ervilhas, feijões e lentilhas, preparados para alimentar os pombos, e disse-lhe:
– Separa todos estes cereais, colocando cada qual de acordo com a sua qualidade, e trata de o fazer antes de anoitecer.
Depois Vénus partiu, deixando a jovem.
Psique, porém, quedou-se consternada, diante da imensidade de trabalho que a esperava, estúpida e calada, sem mover um dedo.
Mas enquanto assim estava, desesperada, Cupido inspirou as formiguinhas, nativas dos campos, a terem pena dela. A chefe das formigas e a enorme multidão de suas súbditas de seis pernas aproximaram-se do montão de cereais e, com o maior entusiamo e expediente, tomando grão a grão, os separaram do montão, formando diversos montes de cada qualidade, desaparecendo imediatamente, logo que terminaram. Ao aproximar-se o crepúsculo, Vénus voltou do banquete dos deuses, rescendendo perfumes e coroada de rosas. E aio ver a tarefa executada, exclamou:
– Isto não é obra tua, desgraçada, mas daquele que conquista para seu infortúnio, e para o teu.
Assim dizendo, deu à jovem um pedaço de pão negro para a ceia, e partiu.
Na manhã seguinte, Vénus mandou chamar Psique, e disse-lhe:
– Olhe para aquele bosque que se estende na margem do rio. Ali encontrarás carneiros pastando sem pastor, coberto de lã brilhante como ouro. Vai buscar-me uma amostra daquela lã preciosa colhida de cada um dos velocinos.
Docilmente, Psique dirigiu-se à margem do rio, disposta a fazer o que estivesse ao seu alcance para executar a ordem. O rio deus, porém, inspirou os juncos harmoniosos murmúrios, que pareciam dizer:
– Oh donzela duramente experimentada, não desafies a corrente perigosa, nem te aventures entre os formidáveis carneiros da outra margem, pois enquanto eles estiverem sob a influência do sol nascente, estão dominados por uma força cruel de destruir os mortais, com seus chifres aguçados ou seus rudes dentes. Quando, todavia, o sol do meio-dia tiver levado o rebanho para a sombra, e o espírito sereno do rio o tiver acalentado para descansar, então podes atravessar entre ele sem perigo e encontrarás lã nas moitas dos arbustos e nos troncos das árvores.
Assim o bondoso rio deus ensinou a Psique o que deveria fazer para executar a tarefa e, seguindo as suas instruções, ela em breve voltou para junto de Vénus, com os braços cheios de lã de ouro, tal e qual como esta deusa lhe ordenara. Não foi contudo recebida com benevolência pela sua implacável senhora, que lhe disse:
– Sei muito bem que não foi por teu próprio esforço que foste bem-sucedida nessa tarefa e ainda não estou convencida de que tenhas capacidade para executares sozinha uma tarefa útil. Toma esta caixa, vai às sombras infernais e entrega-a a Prosérpina, dizendo: “Minha senhora Vénus que que lhe mandes um pouco da tua beleza, pois tratando de seu filho enfermo, ela perdeu alguma da sua própria.” Não demores a executar o encargo, porque preciso disso para aparecer na reunião dos deuses e deusas esta noite.
Psique ficou certa de que a sua perda era, agora, inevitável, obrigada a ir por seus próprios pés diretamente ao Érebo. Por conseguinte, para não adiar o inevitável, subiu ao alto de uma elevada torre, para de lá se precipitar, de maneira a tornar mais curta a descida para as sombras. Contudo, uma voz, vinda da torre, a inquiriu:
– Por que, desventurada jovem, pretendes pôr fim a teus dias de modo tão horrendo? E que covardia faz desanimar diante deste último perigo quem tão milagrosamente resolveu todos os outros?
Em seguida, a voz lhe disse como, através de determinada gruta, poderia alcançar o reino de Plutão e como evitar os perigos do caminho, passar por Cérbero, o cão de três cabeças, e convencer Caronte, o barqueiro, a transportá-la para a travessia do negro rio e trazê-la de volta.
– Quando Prosérpina te der a caixa com a sua beleza – acrescentou, porém em voz ciciada – tem cuidado, acima de todas as coisas, para que de modo algum a caixa se abra, e não permitas que a tua curiosidade olhe o tesouro da beleza das deusas.
Animada por estas palavras, Psique seguiu todos os conselhos e recomendações da voz, e chegou sã e salva ao reino de Plutão. Foi admitida no palácio de Prosérpina e, sem aceitar o delicioso banquete que esta lhe ofereceu, contentando-se apenas com pão seco para alimentar-se, transmitiu o recado de Vénus. A caixa foi-lhe entregue sem demora, fechada e repleta de coisas preciosas. Psique voltou, então, pelo mesmo caminho e bem feliz se sentiu quando viu novamente a luz do dia.
Depois, porém, depois de ter vencido tantos perigos, sentiu-se dominada por um intenso desejo de examinar o conteúdo da caixa.
– Como? – Exclamou. – Eu, transportando a beleza divina, não aproveitarei uma parte mínima dela para pôr em minhas faces e assim parecer mais bela aos olhos de meu marido?
E isto dizendo, abriu cuidadosamente a caixa, mas nada ali encontrou, porquanto o infernal e verdadeiro sono estígio, libertando-se da sua prisão, tomou posse dela e fê-la cair no meio do caminho, como um cadáver sem senso de movimento.
Cupido, todavia, restabelecido já do seu ferimento, e não suportando mais a ausência da sua amada Psique, passando pela greta da janela de seu quarto, que fora deixada aberta, voou até ao lugar onde estava a jovem e retirando o sono de seu corpo fechou-o de novo na caixa, e acordou Psique, com o ligeiro contato de suas setas.
– Mais uma vez – exclamou –, quase morreste, devido à mesma curiosidade. Mas agora executa a tarefa exatamente como te foi imposta por minha mãe, que eu cuidarei do resto.
Então Cupido, rápido como o relâmpago, penetrando através das alturas do céu, apresentou-se diante de Júpiter, com sua súplica. Júpiter ouvi-o com benevolência e advogou com tal empenho a causa dos amantes que conseguiu a concordância de Vénus. Daí que tenha mandado Mercúrio levar Psique à assembleia celestial e, quando esta chegou, entregou-lhe uma taça de ambrósia, dizendo:
– Bebe isto, Psique, e sê imortal. Cupido não romperá jamais os laços que atou, mas essas núpcias serão perpétuas.
Assim ficou Psique finalmente unida a Cupido, união de que resultou mais tarde terem uma filha, por cujo nome, Prazer, é bem conhecida de todos.

La vida es un tango y el que no baila es un tonto

La vida es un tango y el que no baila es un tonto
Dos calhaus da memória ao empedernido dos tempos

Onde a liquidez da água livre

Onde a liquidez da água livre
Também pode alcançar o céu

Arquivo do blogue

Acerca de mim

A minha foto
Escribalistas é órgão de comunicação oficial de Joaquim Maria Castanho, mentor do escribalismo português