Criminosa ou Inocente?
Margaret Atwood
Trad. Clarisse Tavares
448 Páginas
"Passar fome acalma os nervos"
(Página 36)
"Se uma pessoa tem uma necessidade e eles a descobrem, [então] servem-se dela contra nós. A melhor forma é deixar de precisar das coisas."
(Página 40)
"Disse-lhe que era uma maldade da parte dele dizer aquilo mas limitou-se a rir. Desde que as pessoas levem o que foram buscar, que importância tem isso?, perguntou. Eu dava-lhes tudo o que quisessem. Um pregador sem fé, com boas maneiras e uma boa voz, converte mais gente que um idiota de cara fechada e mãos caídas, por muito que acredite em Deus. Depois fez uma pose solene e entoou, Aqueles cuja fé é poderosa sabem que, nas mãos de Deus, até mesmo os fracos podem ser úteis."
(Páginas 244/245)
Baseado nas circunstâncias, aliás dissolventes, de um caso verídico, mas arredondado e polido por variadas influências ficcionais, este romance de índole psicologista, qual painel, ou estendal, de colchas bordadas interligadas pela cruz do ponto, onde a narrativa gira à volta da vítima de um erro judiciário, pretende elaborar uma trama conjectural sobre a delével e ténue fronteira da dicotomia culpa versus inocência, sobretudo matizada, escalpelizada e devolvida no eco do discurso, por outras não menos pertinentes, como normalidade/loucura, paraíso/inferno, verdade/mentira, ciência/charlatanismo, amor/ódio, castigo/perdão, realidade/sonho, pecado/virtude, etc., etc., desenvolvidas e abordadas, mais ou menos exaustivamente, e à vez.
Redundante aos tempos originários das psicoterapias, investe-se de direitos significativos sobre o método psicanalítico (introspecção por sugestão e associação livre), antecedendo-o na data, pois que grande parte do esmiuçar dos sentimentos culposos e do inconsciente é feita antes da eclosão freudiana, isto é, no terceiro quartel do século XIX. Época de arreigados idealismos e transformações sociais, de consolidação técnica, científica e cultural, prolífera em diversidades deontológicas e/ou moralistas, fundamentalizações e esoterismos, que propícia à autora, na sua utilização romanesca, um autêntico manancial de inquietações, que nos reposicionam face aos valores positivos e essenciais da nossa ocidentalização: o amor à verdade, o apreço pela justiça e a intenção de paz.
Policial de estrutura e condimentos, é todavia peculiar quanto aos meios: o detective é um psicólogo e o erro é redimido por interposta testemunha. Mas apenas policial na medida em que, como terá afirmado Jorge Luís Borges, todo o romance o é. Desde as histórias bíblicas à Odisseia, das Mil e Uma Noites ao Nome da Rosa, que nem de propósito se adivinham nas linhas e entrelinhas, e lhe pintalgam, ou polvilham, o pano de fundo intertextual com a insinuada paleta das discretas descrições.
E quem o perder, é que perde!
Convite para partilhar caminhos de leitura e uma abertura para os mundos virtuais e virtuososos da escrita sem rede nem receios de censura. Ah, e não esquecer que os e-mails de serviço são osverdes.ptg@gmail.com ou castanhoster@gmail.com FORÇA!!! Digam de vossa justiça!
5.31.2008
5.29.2008
Maigret e o Ladrão Preguiçoso
Georges Simenon
Trad. J. Lima da Costa
Maigret possui uma estratégia peculiar para ir desenrolando a meada caótica, o novelo da teia labiríntica do crime: mete-se na pele do criminoso, ou da vítima, conforme melhor lhe serve os intentos, assumindo-lhe o pensamento e personalidade, até ver suficiente claro através da situação criminosa quem detonou o crime. Pratica, numa palavra, empatia com motivação determinada, manobrando-a com precisão e rigor. Neste caso colocou-se sob o ângulo da vítima, também ela um veterano delinquente e com ficha arrolada nos arquivos (e bastidores) da polícia parisiense. E fá-lo com a meticulosidade e humanismo que já todos lhe conhecemos.
Ao agarrar a ponta do fio, não hesita em segui-lo até à extremidade oposta, apreendendo a cada passo os “comos” e os “porquês” duma existência a que, circunstancialmente, foi acrescentado um trágico ocaso. Indo muito além, ainda, dando uma mãozinha no destino e na justiça, que esporadicamente andam mal gizados, cegos e em contradição, ou se afastam da solidariedade que deviam contemplar, e os sustenta, propiciando ao leitor o êxito e satisfação que resulta de qualquer primorosa refeição – intelectual, entenda-se – de lógica qualidade e éticos princípios.
Georges Simenon
Trad. J. Lima da Costa
Maigret possui uma estratégia peculiar para ir desenrolando a meada caótica, o novelo da teia labiríntica do crime: mete-se na pele do criminoso, ou da vítima, conforme melhor lhe serve os intentos, assumindo-lhe o pensamento e personalidade, até ver suficiente claro através da situação criminosa quem detonou o crime. Pratica, numa palavra, empatia com motivação determinada, manobrando-a com precisão e rigor. Neste caso colocou-se sob o ângulo da vítima, também ela um veterano delinquente e com ficha arrolada nos arquivos (e bastidores) da polícia parisiense. E fá-lo com a meticulosidade e humanismo que já todos lhe conhecemos.
Ao agarrar a ponta do fio, não hesita em segui-lo até à extremidade oposta, apreendendo a cada passo os “comos” e os “porquês” duma existência a que, circunstancialmente, foi acrescentado um trágico ocaso. Indo muito além, ainda, dando uma mãozinha no destino e na justiça, que esporadicamente andam mal gizados, cegos e em contradição, ou se afastam da solidariedade que deviam contemplar, e os sustenta, propiciando ao leitor o êxito e satisfação que resulta de qualquer primorosa refeição – intelectual, entenda-se – de lógica qualidade e éticos princípios.
5.26.2008
Intriga na Expo'98
Bernard Testu
Trad. Clarisse Tavares
344 Páginas
Durante uma expedição ao submundo aquático, uma equipa de investigadores franceses descobre um oásis térmico, onde abunda o espécimen esponjoso raro e incomum, cuja sexualidade não é hetero nem hermafrodita, como as demais já conhecidas, mas que hesita entre os dois tipos, e que representa um extraordinário achado, visto que pode ser ele o elo que faltava (missing link) na evolução biológica e vem alvoroçar de expectativas as comunidades científicas das principais potências mundiais. O pavilhão francês da EXPO, ao ser contemplado com um extracto dessa esponja, transforma-se no alvo preferencial de todos os grupos interessados em possuir o designado coral. Daí que, ao ser assaltado por profissionais do crime ao serviço de americanos, se tenham cruzado estes com uma das voluntárias destacadas para o pavilhão, pelos vistos retardatária por questões libidinosas, numa primeira tentativa de se apossarem do exemplar, e como receosos da surpresa, a matam por asfixia, indo posteriormente depositá-la no aquário do Oceanário, onde é descoberta na manhã seguinte pela empregada e limpeza.
Ora, na sequência desse homicídio e em resultado de investigações policiais, ou denúncias, os franceses trocam a esponja, pondo em seu lugar outra parecida, e a Polícia Judiciária (PJ) planta-se de atalaia. Não obstante, à segunda tentativa os americanos apoderam-se do espongiário marinho, desconhecendo a troca, e escapam para Marrocos, via Espanha, semeando a morte na sua passagem, nomeadamente a de dois polícias de trânsito árabes.
Então, o ridículo que acompanha todos os crimes desabrocha pela vertente que lhe é mais peculiar: a da gratuidade. E os energúmenos ficam nas mãos com um espécimen falso e inútil, e morto, além de convencidos que a deixaram morrer por falta de cuidados no seu transporte. O que, convenhamos, não representa mais do que aquela peculiar dose de estupidez que condimenta a esperteza dos ignorantes e marginais.
Para o final vence o político, o autor, antigo chefe do gabinete ministerial e presidente-adjunto da Câmara de Saint-Quetin, comissário geral do pavilhão francês da EXPO'98, quer pela oportunidade, quer pela tentativa de escamotear ficcionalmente os parâmetros da espionagem actual, que se estendem muito para além dos universos bélicos, económicos e petrolíferos, mas também se investem de uma perspectiva científica e ambiental, cada vez mais actuante e funcional, se quisermos compreender a problemática da modernidade. Com responsabilidade e civismo, principalmente.
Bernard Testu
Trad. Clarisse Tavares
344 Páginas
Durante uma expedição ao submundo aquático, uma equipa de investigadores franceses descobre um oásis térmico, onde abunda o espécimen esponjoso raro e incomum, cuja sexualidade não é hetero nem hermafrodita, como as demais já conhecidas, mas que hesita entre os dois tipos, e que representa um extraordinário achado, visto que pode ser ele o elo que faltava (missing link) na evolução biológica e vem alvoroçar de expectativas as comunidades científicas das principais potências mundiais. O pavilhão francês da EXPO, ao ser contemplado com um extracto dessa esponja, transforma-se no alvo preferencial de todos os grupos interessados em possuir o designado coral. Daí que, ao ser assaltado por profissionais do crime ao serviço de americanos, se tenham cruzado estes com uma das voluntárias destacadas para o pavilhão, pelos vistos retardatária por questões libidinosas, numa primeira tentativa de se apossarem do exemplar, e como receosos da surpresa, a matam por asfixia, indo posteriormente depositá-la no aquário do Oceanário, onde é descoberta na manhã seguinte pela empregada e limpeza.
Ora, na sequência desse homicídio e em resultado de investigações policiais, ou denúncias, os franceses trocam a esponja, pondo em seu lugar outra parecida, e a Polícia Judiciária (PJ) planta-se de atalaia. Não obstante, à segunda tentativa os americanos apoderam-se do espongiário marinho, desconhecendo a troca, e escapam para Marrocos, via Espanha, semeando a morte na sua passagem, nomeadamente a de dois polícias de trânsito árabes.
Então, o ridículo que acompanha todos os crimes desabrocha pela vertente que lhe é mais peculiar: a da gratuidade. E os energúmenos ficam nas mãos com um espécimen falso e inútil, e morto, além de convencidos que a deixaram morrer por falta de cuidados no seu transporte. O que, convenhamos, não representa mais do que aquela peculiar dose de estupidez que condimenta a esperteza dos ignorantes e marginais.
Para o final vence o político, o autor, antigo chefe do gabinete ministerial e presidente-adjunto da Câmara de Saint-Quetin, comissário geral do pavilhão francês da EXPO'98, quer pela oportunidade, quer pela tentativa de escamotear ficcionalmente os parâmetros da espionagem actual, que se estendem muito para além dos universos bélicos, económicos e petrolíferos, mas também se investem de uma perspectiva científica e ambiental, cada vez mais actuante e funcional, se quisermos compreender a problemática da modernidade. Com responsabilidade e civismo, principalmente.
Prelúdio à Fundação
Isaac Asimov
Trad. J. Santos Tavares
432 Páginas
Isaac Asimov provou-nos, primeiro, que os robots são nossos amigos; mas, em seguida, que se o homem tem inimigos, eles são o próprio homem. Para tanto utilizou duas linhas ou "séries" literárias distintas: a série Robots e a série Império Galáctico. Na primeira, reduziu os monstros de metal barulhentos à condição de subalternos da humanidade, através das suas três leis da robótica; na segunda, introduziu o conceito de mutante na FC (Ficção Científica), e obrigou o homem a existir para além do corpo, intelectualizando-o, tornando-o peça fundamental da novel e imaginária ciência da psico-história. Aliás, Isaac, nascido na Rússia e licenciado em Química pela Universidade da Columbia, tendo trabalhado muito perto, durante o período da II Guerra Mundial, com Robert A Heinlein (outro fazedor de mundos novos, e autor daquele que veio a ser considerado a Bíblia dos Hippies e da geração Beat – os Beatnicks –, Um Estranho Numa Terra Estranha), ganhou-lhe o gosto e influência, em tal grau e tamanha, que nunca mais parou, somando já além de 60 anos de actividade criadora, dispersa por infindável número de títulos.
Não obstante ter sido o último livro a ser escrito (1988), Prelúdio à Fundação é o primeiro da série Império Galáctico, e versa precisamente sobre a sua génese, fundação, história, constituição e estrutura sócio-económica, fundamentação política e cultural. Nele, um jornalista, Humin (ou o governador Demerzel, ou o robot Daniel Olivaw), um matemático, Seldon, e uma historiadora, Dors, tentam salvar o Império da derrocada irremediável, consequência da crise que atravessa, e a que estás prestes a sucumbir, efeito directo da sua enorme vastidão, porquanto é constituído por mais de 25 milhões de mundos, ou planetas, distantes uns dos outros, dispersos e diferentes. E o instrumento primordial, estratégico, para o conseguirem, é a teoria da psico-história, ou uma matemática que lhes permite predizer o futuro. Pelo que, sabendo-se então qual ele virá ser, ou é, se pode alterá-lo, contrariá-lo ou reforçá-lo, agindo sobre o presente... O que, como todos sabemos, não é novidade nenhuma!
E o autor não perde oportunidade de voltar a deslumbrar-nos. Desta feita, propiciando-nos, além da visita guiada a alguns mundos do Império (Trantor, Micogénio, Dalpl, Ipsilon, Cinna, Helicon), num relato explícito e pormenorizado de costumes, personalidades e tradições, aplica-lhe também uma soberba dose de perseguição e fuga, características do formato policial, com homicídio em latência, invertendo o curso da série robot, realçando como, desta vez, é um humano a apaixonar-se por uma máquina, coisa que nem está assim tão "longínqua" dos nossos net tempos, nem virtuais ambientes. Enfim, Prelúdio à Fundação, é um livro de quando, no futuro, ainda se regressava ao passado para deslindar melhores presentes.
Isaac Asimov
Trad. J. Santos Tavares
432 Páginas
Isaac Asimov provou-nos, primeiro, que os robots são nossos amigos; mas, em seguida, que se o homem tem inimigos, eles são o próprio homem. Para tanto utilizou duas linhas ou "séries" literárias distintas: a série Robots e a série Império Galáctico. Na primeira, reduziu os monstros de metal barulhentos à condição de subalternos da humanidade, através das suas três leis da robótica; na segunda, introduziu o conceito de mutante na FC (Ficção Científica), e obrigou o homem a existir para além do corpo, intelectualizando-o, tornando-o peça fundamental da novel e imaginária ciência da psico-história. Aliás, Isaac, nascido na Rússia e licenciado em Química pela Universidade da Columbia, tendo trabalhado muito perto, durante o período da II Guerra Mundial, com Robert A Heinlein (outro fazedor de mundos novos, e autor daquele que veio a ser considerado a Bíblia dos Hippies e da geração Beat – os Beatnicks –, Um Estranho Numa Terra Estranha), ganhou-lhe o gosto e influência, em tal grau e tamanha, que nunca mais parou, somando já além de 60 anos de actividade criadora, dispersa por infindável número de títulos.
Não obstante ter sido o último livro a ser escrito (1988), Prelúdio à Fundação é o primeiro da série Império Galáctico, e versa precisamente sobre a sua génese, fundação, história, constituição e estrutura sócio-económica, fundamentação política e cultural. Nele, um jornalista, Humin (ou o governador Demerzel, ou o robot Daniel Olivaw), um matemático, Seldon, e uma historiadora, Dors, tentam salvar o Império da derrocada irremediável, consequência da crise que atravessa, e a que estás prestes a sucumbir, efeito directo da sua enorme vastidão, porquanto é constituído por mais de 25 milhões de mundos, ou planetas, distantes uns dos outros, dispersos e diferentes. E o instrumento primordial, estratégico, para o conseguirem, é a teoria da psico-história, ou uma matemática que lhes permite predizer o futuro. Pelo que, sabendo-se então qual ele virá ser, ou é, se pode alterá-lo, contrariá-lo ou reforçá-lo, agindo sobre o presente... O que, como todos sabemos, não é novidade nenhuma!
E o autor não perde oportunidade de voltar a deslumbrar-nos. Desta feita, propiciando-nos, além da visita guiada a alguns mundos do Império (Trantor, Micogénio, Dalpl, Ipsilon, Cinna, Helicon), num relato explícito e pormenorizado de costumes, personalidades e tradições, aplica-lhe também uma soberba dose de perseguição e fuga, características do formato policial, com homicídio em latência, invertendo o curso da série robot, realçando como, desta vez, é um humano a apaixonar-se por uma máquina, coisa que nem está assim tão "longínqua" dos nossos net tempos, nem virtuais ambientes. Enfim, Prelúdio à Fundação, é um livro de quando, no futuro, ainda se regressava ao passado para deslindar melhores presentes.
5.09.2008
O Ouro Nazi
Tom Bower
Trad. Eduardo Saló
384 Páginas
«É incrível!», proferiu, olhando ao longo da fila de testemunhas. «Alguém é uma vítima num campo de concentração, apresenta-se um herdeiro e os bancos dizem-lhe: «Então, mostre-nos a certidão de óbito comprovativa de que o seu ente querido, um dos seus pais, foi morto.»
Durante a última Guerra Mundial, os judeus, além de chacinados, foram também saqueados e espoliados. Principalmente, no ouro e depósitos bancários. Contudo, não foram somente os mentores e executivos do holocausto quem com isso mais beneficiou. Um enorme rol de países usufruíram, directa ou indirectamente, dos proventos derivados do histórico flagelo. Entre eles, na lista dos que receberam e aplicaram as receitas oriundas dos campos da morte estão, à cabeça, a Suíça, o Brasil, Argentina, Portugal, Estados Unidos da América, além de uma grande plêiade de financeiros e banqueiros internacionais bem sucedidos e melhor estabelecidos, não obstante "nazisticamente" comprometidos e intencionados. O que vem sublinhar uma – mais uma! – evidência dos nossos tempos: que da falta de compensação para alguns (raros) crimes avulso, dá o genocídio lucro por todos.
"(...) De Berna, ouro no valor de 138 milhões de dólares fora reexportado para Espanha e Portugal. Numa estimativa muito conservadora e, por conseguinte, "a mais favorável à Suíça", o Banco de Berna aceitara "um mínimo absoluto de 185 milhões de dólares de ouro pilhado e mais, provavelmente, 296 milhões".
Incluído no ouro pilhado vendido à Suíça, figuravam o belga, no valor de 223 milhões de dólares, e o holandês, avaliado em 100 milhões. Algum desse foi expedido pela Suíça para a Turquia, Espanha e Portugal. Dos 3859 lingotes que chegaram a Lisboa procedentes de Berna, entre os quais pelo menos 1180 holandeses e 673 belgas, 318 continuavam armazenados nos seus envoltórios de origem holandesa. Um investigador britânico revelou que os portugueses estavam "visivelmente preocupados", porque o ouro pilhado permanecia nos cofres "como se o banco tivesse em seu poder a Mona Lisa, sem sequer a retocar". O governo de Portugal mostrou-se inflexível na sua pretensão de que o ouro fora obtido na Suíça na sua boa fé e recusou aprovar a sua devolução. Em contraste, as autoridades espanholas entregaram do seu aos americanos, em Dezembro de 1945, para seguir imediatamente para Francoforte, e ficaram com as restantes setenta e três. O Banco Nacional suíço não admitiu nada." (Páginas 158/159)
E a indignação generaliza-se quando nos apercebemos que o principal beneficiado, ou quem melhor se aproveitou desse dinheiro sangrento, em plena consciência do que estava a fazer, foi um país que, nos últimos cinquenta anos, perante os seus vizinhos, como parceiros globais, se vangloriou da invejável opulência e qualidade de vida... E aquele que mais entraves pôs a que os herdeiros das vítimas e sobreviventes do holocausto viessem a (re)apossar-se do seu património: a Suíça. Impunidade, aliás, que só veio a findar quando, em 1997, é levada ao Tribunal da História para explicar a sua ostensiva faustosidade, como resultado dos esforços Aliados empreendidos na execução do Programa Porto Seguro, que pretendeu convencer os países neutrais a confiscar todos os bens germânicos à sua guarda depositados.
Reportagem exaustiva, consequência de telefonemas de dois amigos do autor (Mike Kinsella e Bob Royer), teve por principais fontes os arquivos nacionais americanos, suíços, britânicos e franceses, das Comissões Judaica Americana e de Distribuição Comum Americana, além das aproximadamente quarenta entrevistas efectuadas por Tom Bower a outras tantas pessoas envolvidas pela temática, é o documento que faltava, enquanto prova, de quanto o anti-semitismo europeu se prolongou para depois do fim da Grande Guerra, e continuou a matar "silenciosamente" inocentes, por mais 50 anos, punindo os seus nascimentos e premiando os executores dos seus familiares, bem como os simpatizantes do nazismo internacional. Um registo que devemos ter sempre presente, e em memória, se não quisermos ser seus históricos cúmplices...
Tom Bower
Trad. Eduardo Saló
384 Páginas
«É incrível!», proferiu, olhando ao longo da fila de testemunhas. «Alguém é uma vítima num campo de concentração, apresenta-se um herdeiro e os bancos dizem-lhe: «Então, mostre-nos a certidão de óbito comprovativa de que o seu ente querido, um dos seus pais, foi morto.»
Durante a última Guerra Mundial, os judeus, além de chacinados, foram também saqueados e espoliados. Principalmente, no ouro e depósitos bancários. Contudo, não foram somente os mentores e executivos do holocausto quem com isso mais beneficiou. Um enorme rol de países usufruíram, directa ou indirectamente, dos proventos derivados do histórico flagelo. Entre eles, na lista dos que receberam e aplicaram as receitas oriundas dos campos da morte estão, à cabeça, a Suíça, o Brasil, Argentina, Portugal, Estados Unidos da América, além de uma grande plêiade de financeiros e banqueiros internacionais bem sucedidos e melhor estabelecidos, não obstante "nazisticamente" comprometidos e intencionados. O que vem sublinhar uma – mais uma! – evidência dos nossos tempos: que da falta de compensação para alguns (raros) crimes avulso, dá o genocídio lucro por todos.
"(...) De Berna, ouro no valor de 138 milhões de dólares fora reexportado para Espanha e Portugal. Numa estimativa muito conservadora e, por conseguinte, "a mais favorável à Suíça", o Banco de Berna aceitara "um mínimo absoluto de 185 milhões de dólares de ouro pilhado e mais, provavelmente, 296 milhões".
Incluído no ouro pilhado vendido à Suíça, figuravam o belga, no valor de 223 milhões de dólares, e o holandês, avaliado em 100 milhões. Algum desse foi expedido pela Suíça para a Turquia, Espanha e Portugal. Dos 3859 lingotes que chegaram a Lisboa procedentes de Berna, entre os quais pelo menos 1180 holandeses e 673 belgas, 318 continuavam armazenados nos seus envoltórios de origem holandesa. Um investigador britânico revelou que os portugueses estavam "visivelmente preocupados", porque o ouro pilhado permanecia nos cofres "como se o banco tivesse em seu poder a Mona Lisa, sem sequer a retocar". O governo de Portugal mostrou-se inflexível na sua pretensão de que o ouro fora obtido na Suíça na sua boa fé e recusou aprovar a sua devolução. Em contraste, as autoridades espanholas entregaram do seu aos americanos, em Dezembro de 1945, para seguir imediatamente para Francoforte, e ficaram com as restantes setenta e três. O Banco Nacional suíço não admitiu nada." (Páginas 158/159)
E a indignação generaliza-se quando nos apercebemos que o principal beneficiado, ou quem melhor se aproveitou desse dinheiro sangrento, em plena consciência do que estava a fazer, foi um país que, nos últimos cinquenta anos, perante os seus vizinhos, como parceiros globais, se vangloriou da invejável opulência e qualidade de vida... E aquele que mais entraves pôs a que os herdeiros das vítimas e sobreviventes do holocausto viessem a (re)apossar-se do seu património: a Suíça. Impunidade, aliás, que só veio a findar quando, em 1997, é levada ao Tribunal da História para explicar a sua ostensiva faustosidade, como resultado dos esforços Aliados empreendidos na execução do Programa Porto Seguro, que pretendeu convencer os países neutrais a confiscar todos os bens germânicos à sua guarda depositados.
Reportagem exaustiva, consequência de telefonemas de dois amigos do autor (Mike Kinsella e Bob Royer), teve por principais fontes os arquivos nacionais americanos, suíços, britânicos e franceses, das Comissões Judaica Americana e de Distribuição Comum Americana, além das aproximadamente quarenta entrevistas efectuadas por Tom Bower a outras tantas pessoas envolvidas pela temática, é o documento que faltava, enquanto prova, de quanto o anti-semitismo europeu se prolongou para depois do fim da Grande Guerra, e continuou a matar "silenciosamente" inocentes, por mais 50 anos, punindo os seus nascimentos e premiando os executores dos seus familiares, bem como os simpatizantes do nazismo internacional. Um registo que devemos ter sempre presente, e em memória, se não quisermos ser seus históricos cúmplices...
5.05.2008
As Férias de Poirot
Agatha Christie
Trad. Fernanda Pinto Rodrigues
216 Páginas – Livros do Brasil
Uma coisa é desejar a morte de alguém e outra é matá-la.
Mas no caso desse desejo coincidir com a circunstância, assaz misteriosa, de um estrangulamento eficaz, então quem o teve substitui-o pelo sentimento de culpa, e passa a acreditar (quase) cegamente na força da magia. As influências do mal, a efabulação e a crise de identidade sobrevêm sorrateiramente a exigir o castigo para a sua (pseudo) falta, favorecendo ao criminoso a absolvição bem como às autoridades um (sucedâneo deveras credível) culpado. Se…
Se no enredo, na trama, não entrasse também a invulgar perspicácia de Hercule Poirot, esse personagem pequenino com sotaque belga e cabeça de ovo de Páscoa. É aí que a tramóia vai prò brejo, o motivo se revela e as verdadeiras mãos de tão cruel acto se pronunciam pela experiência e engenho, de um mister adquirido, aguçado pela prática contínua, e mostram a natureza do homem que o premeditou, repetindo-o pela terceira vez. Que é a última, pois dessa não escapará, que é de vez apanhado, dado que a mente pouco laxista duma escritora como Agatha Christie não permite tais veleidades, nem deixa à solta a malvadez, principalmente se dispõe de um detective tão apto à investigação como o detective das celulazinhas cinzentas.
Aposto como nenhum de vós é capaz de lá chegar primeiro que ele… Experimentem!
Agatha Christie
Trad. Fernanda Pinto Rodrigues
216 Páginas – Livros do Brasil
Uma coisa é desejar a morte de alguém e outra é matá-la.
Mas no caso desse desejo coincidir com a circunstância, assaz misteriosa, de um estrangulamento eficaz, então quem o teve substitui-o pelo sentimento de culpa, e passa a acreditar (quase) cegamente na força da magia. As influências do mal, a efabulação e a crise de identidade sobrevêm sorrateiramente a exigir o castigo para a sua (pseudo) falta, favorecendo ao criminoso a absolvição bem como às autoridades um (sucedâneo deveras credível) culpado. Se…
Se no enredo, na trama, não entrasse também a invulgar perspicácia de Hercule Poirot, esse personagem pequenino com sotaque belga e cabeça de ovo de Páscoa. É aí que a tramóia vai prò brejo, o motivo se revela e as verdadeiras mãos de tão cruel acto se pronunciam pela experiência e engenho, de um mister adquirido, aguçado pela prática contínua, e mostram a natureza do homem que o premeditou, repetindo-o pela terceira vez. Que é a última, pois dessa não escapará, que é de vez apanhado, dado que a mente pouco laxista duma escritora como Agatha Christie não permite tais veleidades, nem deixa à solta a malvadez, principalmente se dispõe de um detective tão apto à investigação como o detective das celulazinhas cinzentas.
Aposto como nenhum de vós é capaz de lá chegar primeiro que ele… Experimentem!
5.02.2008
Dois motes para uma décima
Tal como a generalidade das pessoas, os escritores podem dividir-se em dois grandes grupos: aqueles que, com o seu labor de escrita, servem a vida e aqueloutros que, ao contrário, se servem apenas dela para realizar (ou executar) a sua ficção. Entre os primeiros e os segundos poucas diferenças técnicas existem, podendo mesmo afiançar-se que não é pelo estilo, pelo género, pela corrente, pela doutrina literária que explanam, e muito menos pela religião, língua, ideologia, época ou leque temático que os podemos identificar. Como também não é pela maneira como que gerem a sua obra ou personalidade pública. Nem pela sua participação social e grau de cidadania. É pela completude humana, isto é, se são seres amputados, ou não, dos seus sexto e sétimo sentidos: a propriocepção e a empatia. Pois aquele que não se percepciona não se sabe, e quem se não sabe nunca sentirá o outro (tanto fora, como em si). E é essa a grande diferença entre um escritor de génio e um genial escritor. Porque há escritores geniais a quem o seu génio não os manieta apenas para o êxito e qualidades competitivas, mas sim anseiam melhorar as condições planetárias e humanas que sustentam (e eternizam) a vida.
Quando, a propósito do Acordo Ortográfico, vimos, na "coreografia" do programa televisivo, dois escritores – Lídia Jorge e Vasco Graça Moura –, e dois catedráticos de interpretação e análise textual – Carlos Reis e Maria Alzira Seixo –, uns defendendo-o (Lídia Jorge e Carlos Reis), outros atacando-o (Vasco Graça Moura e Alzira Seixo), com igual veemência e pertinácia, pedindo-se meças com prós e contras numa coisa que desconhece qualquer medida e cuja riqueza reside precisamente na sua capacidade de inovação e ultrapassagem dos limites, a língua, falada e escrita, não quer com isso dizer que uns estejam certos e outros errados, nem que uns sirvam a vida e outros lhes sejam contra, mas antes que nesse diferendo há muito dinheiro em jogo, tipo tesouro de Salomão, pois que se assim não fosse nunca J estaria contra B, ou vice-versa, uma vez que eles são colunas gémeas do mesmo templo.
Em 1986 as mesmas colunas mexeram-se e o Acordo ficou parado. A intenção actual era conseguir idêntico resultado. Os prémios tipo Camões da lusofonia continuariam a ser distribuídos, outros dirão repartidos, e com toda a legitimidade, por duas línguas diferentes, mas que curiosamente contarão, para as estatísticas de natureza política, unidas com 250 milhões de falantes, sobretudo quando precisamos da contabilidade para abichar vantagens de ranking. Continuamos a sonhar com as árvores das patacas enquanto as demais línguas sobejamente faladas (e escritas) no mundo vão somando prestígio, divulgação e Prémios Nobel, ganhando lugares de destaque na Literatura Universal. O que queremos é o bambam do sol na eira e água no nabal para continuar a salmodiar a nossa ancestral e eterna saloiíce de abençoados e defendidos por Baco nos Olimpos das Graças. Empertigamo-nos com o número de falantes, mas nada disso passa da tesão matinal do mijo, e murchamos sempre que é necessário marchar em frente e acabar com a bestialidade de termos uma língua falada com diversas grafias, como acontece actualmente. E continuaria a acontecer, se continuasse a depender das decisões político-literárias dos novos ricos da gramática...
Porém, um dado externo vem alterar substancialmente a questão: as ferramentas dos processadores de texto como a correcção automática, dicionário, ortografia e gramática – enfim, o Windows/Word. Exactamente. Porque se ele adoptar as alterações estipuladas pelo novo Acordo não antevejo como escritores e catedráticos situacionistas o possam inviabilizar... E por dez razões que aqui não vou esmiuçar, pois posso resumi-las apenas em duas: primeira, que a vida fica sempre do lado dos escritores que a melhor servem; e segunda, que se queremos ir para o futuro nas carroças do passado, por mais que fustiguemos as bestas nunca chegaremos a qualquer lado.
Tal como a generalidade das pessoas, os escritores podem dividir-se em dois grandes grupos: aqueles que, com o seu labor de escrita, servem a vida e aqueloutros que, ao contrário, se servem apenas dela para realizar (ou executar) a sua ficção. Entre os primeiros e os segundos poucas diferenças técnicas existem, podendo mesmo afiançar-se que não é pelo estilo, pelo género, pela corrente, pela doutrina literária que explanam, e muito menos pela religião, língua, ideologia, época ou leque temático que os podemos identificar. Como também não é pela maneira como que gerem a sua obra ou personalidade pública. Nem pela sua participação social e grau de cidadania. É pela completude humana, isto é, se são seres amputados, ou não, dos seus sexto e sétimo sentidos: a propriocepção e a empatia. Pois aquele que não se percepciona não se sabe, e quem se não sabe nunca sentirá o outro (tanto fora, como em si). E é essa a grande diferença entre um escritor de génio e um genial escritor. Porque há escritores geniais a quem o seu génio não os manieta apenas para o êxito e qualidades competitivas, mas sim anseiam melhorar as condições planetárias e humanas que sustentam (e eternizam) a vida.
Quando, a propósito do Acordo Ortográfico, vimos, na "coreografia" do programa televisivo, dois escritores – Lídia Jorge e Vasco Graça Moura –, e dois catedráticos de interpretação e análise textual – Carlos Reis e Maria Alzira Seixo –, uns defendendo-o (Lídia Jorge e Carlos Reis), outros atacando-o (Vasco Graça Moura e Alzira Seixo), com igual veemência e pertinácia, pedindo-se meças com prós e contras numa coisa que desconhece qualquer medida e cuja riqueza reside precisamente na sua capacidade de inovação e ultrapassagem dos limites, a língua, falada e escrita, não quer com isso dizer que uns estejam certos e outros errados, nem que uns sirvam a vida e outros lhes sejam contra, mas antes que nesse diferendo há muito dinheiro em jogo, tipo tesouro de Salomão, pois que se assim não fosse nunca J estaria contra B, ou vice-versa, uma vez que eles são colunas gémeas do mesmo templo.
Em 1986 as mesmas colunas mexeram-se e o Acordo ficou parado. A intenção actual era conseguir idêntico resultado. Os prémios tipo Camões da lusofonia continuariam a ser distribuídos, outros dirão repartidos, e com toda a legitimidade, por duas línguas diferentes, mas que curiosamente contarão, para as estatísticas de natureza política, unidas com 250 milhões de falantes, sobretudo quando precisamos da contabilidade para abichar vantagens de ranking. Continuamos a sonhar com as árvores das patacas enquanto as demais línguas sobejamente faladas (e escritas) no mundo vão somando prestígio, divulgação e Prémios Nobel, ganhando lugares de destaque na Literatura Universal. O que queremos é o bambam do sol na eira e água no nabal para continuar a salmodiar a nossa ancestral e eterna saloiíce de abençoados e defendidos por Baco nos Olimpos das Graças. Empertigamo-nos com o número de falantes, mas nada disso passa da tesão matinal do mijo, e murchamos sempre que é necessário marchar em frente e acabar com a bestialidade de termos uma língua falada com diversas grafias, como acontece actualmente. E continuaria a acontecer, se continuasse a depender das decisões político-literárias dos novos ricos da gramática...
Porém, um dado externo vem alterar substancialmente a questão: as ferramentas dos processadores de texto como a correcção automática, dicionário, ortografia e gramática – enfim, o Windows/Word. Exactamente. Porque se ele adoptar as alterações estipuladas pelo novo Acordo não antevejo como escritores e catedráticos situacionistas o possam inviabilizar... E por dez razões que aqui não vou esmiuçar, pois posso resumi-las apenas em duas: primeira, que a vida fica sempre do lado dos escritores que a melhor servem; e segunda, que se queremos ir para o futuro nas carroças do passado, por mais que fustiguemos as bestas nunca chegaremos a qualquer lado.
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