6.21.2015

O POETA

IMPETUOSO IMPROVISO


Raiam nas colinas dóceis dos verdes anos
Os reflexos das salinas sob esse sol divino,
Quase ventres de meninas em alvos panos,
Velas em X de ansiar pra cumprir destino.

E têm seu jamais escrito pela imediata tinta
Dos pontos cardeais num sorriso encantado,
Como quem à incerteza dribla com a finta
Da meiguice gingada dum biquíni molhado...

Declaro para mim breve ser, só doçura leve.
Que não cederei ao repentino, e ao espanto
De quem pelo temor d'esquecer o escreve;

Mas a brisa segreda-me ser tarde pra ser santo...
E aí o vento do desejo sopra forte, fero e tanto
Que a declarada intenção de nada me serve!

Joaquim Castanho     



O POETA
Michael Connelly
Trad. Eduardo Saló
480 Páginas

"A escrita exerce em mim o mesmo efeito que o conteúdo desse copo em ti. Se conseguir escrever sobre o caso, é porque o compreendo. Nada mais me interessa."

"Queria ser escritor e afinal tornei-me jornalista."

"Uma pessoa tenta reconstruir um puzzle em conformidade com o que tem na mente."

"– Vou escrever sobre o meu irmão – anunciei. (...) Depois disso tudo se alterou na minha vida."

"A morte é o meu negócio. É dela que vivo. Baseia-se nela a minha reputação profissional. Trato-a com a precisa paixão de um agente funerário – grave e consolador perante os enlutados e artesão eficiente com ela, quando estou só. Sempre achei que o segredo para me ocupar da morte consistia em a manter a uma distância prudente. É a regra de ouro. Não permitir que o seu alento me atinja a cara."

Sob o modelo narrativo das "bonecas russas", matrioskas, ou das caixinhas que têm uma caixinha dentro que têm outra caixinha, e por aí fora, até desvendar todas as peças do puzzle num quadro geral, este romance assenta, contudo, numa estrutura molecular poeniana, cujos pilares, ou formas essenciais (e explícitas) são: A Queda da Casa de Usher – conto que gira à volta da temática dos sepultados vivos, vítimas dos seus antecipados terrores – e da poesia do mesmo Edgar Allan, principalmente do poema País dos Sonhos, e no qual, aliás, vem a residir a chave do enigma policial, num enredo aos socalcos, em que, a cada nível, se tenta colocar o leitor "fora do espaço, fora do tempo", tornando-lhe as conclusões obsoletas na justa medida em que a elas chega, demonstrando uma vez mais que em poesia uma coisa é sempre outra, qual encadeado metafórico cujos limites não cabem na ideia que possamos ter de infinito, pois que, invariavelmente, logo que compreendemos algo, outro algo se eclode na nossa compreensão, exigindo imagética realização, ao contrário da Dicotomia de Zenão, onde para se alcançar um objectivo depois de percorrido metade do trajeto ainda faltará outro tanto, tornando a demanda impossível, porquanto esta compreensão é heurística mas aberta, visto qualquer descoberta (ao entendimento) não ser mais que o impulso direto – e motivador – para nova descoberta.
Enfim, um livro que só lido, pois que contado vamos obrigatoriamente baralhar-nos nos enredos, enredados na trama e… tramados. Ou incomunicativos.   


Joaquim Castanho

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