APONTAMENTOS À MARGEM PARA DESMARGINAR
Eis
a primeira sequência de APONTAMENTOS À MARGEM PARA DESMARGINAR nascidos em
Alínea R) evolução verde ( http://www.facebook.com/evolui.verde
) como
editorial de página, mas traduzindo o evoluir teórico de uma orientação que se
pretende simbiótica entre a ideia de sustentabilidade e a preparação do futuro,
com relevante ênfase nos Direitos Humanos, na Ética da Terra, no progresso e
desenvolvimento.
VI – ESPECISMO E MULTICULTURALIDADE
Embora
a espécie humana tenha sido aquela que melhor se emancipou na (e da) natureza,
deixando de estar sujeita às suas contingências, o que é certo, é que cada
forma de vida é idiossincrática, rara, única e inimitável, singularidade pela
qual se devem observar atenciosos cuidados em consideração e respeito pelas
condições do seu florescimento, bem como pelo equilíbrio do habitat que a
integra. As capacidades do ser humano, o seu empenho, arte, engenho e espírito
gregário-expansionista, permitiram-lhe ultrapassar quase todos os
constrangimentos naturais, contudo devemos reconhecer que há limites e
fronteiras decorrentes das leis da natureza que não podemos violar, e que põem
em risco a nossa hegemonia terrena. (Qualquer vírus ou bactéria nociva tem mais
possibilidades de nos dizimar do que nós a ela…) E um deles é o das
monoculturas e eleição de espécies no povoamento de largas parcelas do
território, por motivos económicos ou de facilitação instrumental dos
ecossistemas, selecionando e incentivando a proliferação de muito poucas
espécies em detrimento das restantes (especismo), diminuindo a sua resiliência
face aos elementos, à desertificação e falência, atingindo consequentemente a
comunidade humana aí hospedada.
Ou
seja, para contrariar as dificuldades naturais de expansão e sobrevivência
praticámos a manipulação do meio ambiente, durante milénios, através do
especismo, estratégia essa que foi globalmente tida por sensata; todavia,
sabe-se atualmente, que ela pode acarretar-nos dissabores e danos irreparáveis,
tanto no ecossistema como na economia das regiões, tanto na ecosfera como nas
condições de vida do indivíduo, porquanto o atrofiamento da sua
sustentabilidade é bem maior do que os benefícios auferidos, uma vez que as
monoculturas são mais atreitas aos efeitos das catástrofes naturais e das
alterações climáticas. Porque fazer depender a sobrevivência de uma população
de um só produto, é fazer perigar esta à menor fragilidade da sua (re)produção.
Por conseguinte, chegou a altura de inverter o curso das
decisões e rejeitar todas e quaisquer práticas culturais que ponham em causa a
integridade da fauna e da flora de um lugar, ou as suas particularidades
geográficas e territoriais, não só quando provocam elevada mortalidade e
extinção de espécies, como é o caso de inúmeros rituais e tradições,
sacrifícios e eleição de símbolos emblemáticos para marketing, ou de tomar
medidas radicais de desinfestação, por pesticidas e herbicidas de efeito
durador nos solos e/ou atmosfera, e ainda a promoção de eventos de diversão com
animais (touradas, circos, lutas, exposições não-científicas) e comercialização
de espécimenes selvagens ou exóticos, e enveredar definitivamente por uma opção
generalizada de atitudes e comportamentos que difundam e disseminem a
diversidade (multiculturalidade) específica e cultural, de raças e credos, pois
os ambientes (e nações) mais ricos, fecundos e sustentáveis, não são os que se
resumem e fecham sobre si, mas os que se cambiam e multiplicam contemplando a
biodiversidade e o maior número possível de janelas de oportunidade,
mobilizando todos os seus recursos endógenos para promover a cooperação e o
desenvolvimento autónomo, assim como a segurança e bem-estar das suas
populações (humanas e não-humanas).
VII – ÉTICA
E INSTINTO
A
principal preocupação de uma cidadania responsável, consciente, crítica e
participativa, é garantir o direito de todos e de todas a um ambiente
sustentável, sadio e ecologicamente equilibrado, com vista a, consequentemente,
promover e instituir a qualidade de vida de cada um, como da generalidade. Até
há bem pouco tempo as relações humanas com a terra, além dos usuais bairrismos
patriótico-territoriais, foram estritamente económicas, o que implicava, na
prática, constatar de muitos privilégios e nenhumas obrigações. Proprietários,
rendeiros, empresários, turistas, trabalhadores e residentes, cada qual a seu
modo, instrumentalizaram-na exaustivamente, tornando-a apêndice de rendimentos
e mais-valias, alheando-se dela e esquecendo que a ética é inequivocamente uma
espécie de instinto comunitário em evolução similar ao instinto de defesa.
A
crise que atravessamos tem agravado esse relacionamento fazendo recuos
consideráveis, em diversos setores de interceção do ambiente com os interesses
económicos e as tradições culturais que espelhavam já alguma melhoria na
qualidade, natureza e intensidade/intencionalidade dessa instrumentalização. O
território português, antes ressequido está agora alagado, sobretudo nas áreas
de cultivo de víveres de produção/consumo sazonal, pondo em risco a variedade e
volume da produção nacional de bens que o défice e a balança
importações/exportações aconselham acuidada ponderação.
Portanto, repensar o uso do solo arável, estabelecer prioridades
e otimização da escolha nas sementes, segurar e acautelar as sementeiras dos
locais passíveis de derrocadas, enxurradas ou incêndios, promover a
investigação agrícola e pecuária, proteger e preferir as espécies autóctones, bem
como reimplantar a conduta dos “três erres” (Reduzir, Reutilizar e Reciclar),
apresenta-se não só como uma necessidade económica e existencial, ou de
prevenção do caos territorial, mas igualmente como um imperativo ético, uma
forma de orientação equivalente ao mais explícito e contundente dos Dez
Mandamentos: não matarás. Porque se não for feito está-se a defraudar o
instinto de sobrevivência dum povo e duma nação, está-se a matar diretamente ou
em diferido a (esperança de) vida de muitos, senão quase todos, os portugueses
e portuguesas menos abonados e dependentes do orçamento do estado.
VIII –
POLÍTICA AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO
São
erros de palmatória, em ambientalismo e democracia, a exploração do homem pelo
homem, a mitigação dos direitos, liberdades e garantias, o produtivismo
salvagem e empreendedor não esclarecido, a exploração irracional dos recursos
naturais, a institucionalização das dependências, a conservação inadequada do
perecível e o insistir num planeamento de curto prazo, sobretudo quando este é
imposto pela subordinação da vontade política aos interesses económicos ou a fundamentalismos
ideológicos. Esses erros têm sido continuamente repetidos pelos detentores do
aparelho de estado, quase consecutivamente, não fossem algumas frechas de
descuido, desde meados do século passado, pelo menos, mas de forma requintada e
com subtilezas de malvadez para contornar os ditames de Quioto, a
sustentabilidade e o apaziguamento dos conflitos (bélicos ou não) e as
clivagens político-partidárias das sociedades, sobretudo nas afetas ao universo
da portugalidade, onde o maquiavelismo do «dividir para reinar» tem feito
escola em todas as juventudes partidárias dos últimos 30 anos. Principalmente
nas dos dois maiores partidos (PS e PSD) que têm assim, não só mas também,
conseguido alternar-se no poder e declaradamente contra quem governam (ou em nome
de quem dizem governar), e são quem mais sofre os efeitos desse falso designo:
os portugueses e portuguesas sem outros rendimentos senão os resultantes do
aluguer da sua força/capacidade de trabalho.
Porém,
e ainda que se reconheça que o ecossistema circunscrito ao território nacional
seja um sistema finito, notoriamente perecível à continuada exploração, pela
reduzida dimensão e elevada antiguidade histórica, a ação depauperativa
intensificada, iniciada nos anos sessenta com a implementação das sociedades de
produção e consumo, filhas da Revolução Industrial, incentivada pelas políticas
ambientais que insistem em cultivar a tese de que o desenvolvimento sustentável
é sinónimo de empreendedorismo selvagem e crescimento económico a todo o custo,
onde os fins justificam os meios, em vez de associar este a uma melhoria da
qualidade de vida humana enquadrada nos serviços prestados em prol do ambiente
e do equilíbrio dos ecossistemas, de forma não só conservar os recursos como a
aumentar-lhes a resiliência e sustentabilidade, providenciando o
desmantelamento das atividades económicas que fomentam a exploração dos
habitats, das espécies e dos recursos humanos, ou combatendo o comércio ilegal
de bens, espécies e pessoas, comércio esse que reitera a tendência esclavagista
medieval para objetivar o lucro e desenvolvimento económico pondo,
insistentemente, em risco, o florescimento das demais espécies sem ser, em
exclusivo, para assegurar a satisfação das necessidades básicas duma população,
está a tornar-se um handicap multigeracional.
E isso
pode-nos sair muito caro, particularmente aos que não querem, ou não podem,
emigrar, porquanto as necessidades são crescentes mas os recursos, ao invés,
decrescentes. Explorar o mar, explorar o solo, explorar o ar, explorar as
espécies autóctones, explorar a paisagem, explorar as sinergias regionais,
explorar os areais, explorar as florestas, explorar os aquíferos, explorar os
minerais, explorar o património natural ou histórico, explorar tudo e mais
alguma coisa, quando devia ser antes melhorar o mar, melhorar o solo, melhorar
a paisagem, melhorar o ar, melhorar as dunas e areais, melhorar os rios,
melhorar as florestas, etc., é certamente o caminho mais rápido e eficiente
para piorar as condições de vida dum povo, atingir o limite dos recursos
nacionais, aumentar o desemprego, diminuir o PIB, rumando à depauperização
generalizada e tornar-nos o dia-a-dia como causa de uma insustentável
infelicidade e receio do futuro, mal-estar social e legalizada corrida para a
opressão. Tudo coisas que devemos evitar enquanto ainda o podemos fazer, cujo
prazo para agir em conformidade vai diminuindo gradualmente, e em acelerado
contínuo, à medida que cada orçamento de estado vai sendo aprovado e posto em
exercício, promovendo em catadupa o sucesso de muito poucos em prejuízo de
todos, enfim, promovendo o insucesso da maioria dos governados. Aliás, explorar
para conservar ou conservar para explorar, como argumenta o establishment, é
uma panaceia falaciosa e mal-intencionada, de má-fé, para fugir à
responsabilidade, consciência social e cidadania, pois num mundo em constante
mudança, conservar inalterável seja o que for é violentar a sua natureza. E
todos sabemos que, em termos ambientais, desde os anos 60, só se pode conservar
aquilo que se melhora, ou nada feito.
IX – ECONOMIA
E SOCIEDADE
O
desenvolvimento económico é o garante e o “provedor” direto da satisfação das
vontades, desejo e necessidades de uma população ou comunidade; mas não é o
único. Essa satisfação exige a interferência humana na integridade dos
ecossistemas, o que leva a que aqueles que mais dependem da biodiversidade para
salvaguardar o seu equilíbrio, sejam também os mais propícios a molestá-la e
defraudá-la. O bem-estar de uma espécie é quase sempre feito com sacrifício das
demais, e a humanidade não foge – nem tem como fugir… – ao veredicto. Porém, o
desenvolvimento sustentável é um dos grandes passos das sociedades
modernizadas, dados no sentido de conciliar a instrumentalização do meio
ambiente, os seus recursos limitados e finitos, bem como salvaguardar a
integridade ecológica do nosso habitat, sem prejudicar ou pôr em causa o
crescimento da economia, alinhando planos e orçamentos sob os auspícios duma
consecutiva otimização de resultados.
O
modelo de sociedade que assenta no gigantismo centralizador, cujas estruturas
socioeconómicas, altamente complexas e burocratizadas, impede a observância da
sustentabilidade, toda e qualquer, nomeadamente a económica, porque facilita o
desperdício de energias e a concentração de poderes, o controlo hegemónico dos
processos de produção e consumo, apagando a participação consciente e
responsabilizadora do cidadão vulgar das tomadas de decisão sobre a sua própria
vida, logo, e irremediavelmente, impedindo-o de optar por um relacionamento
harmónico e simbiótico com o ecossistema em que está inserido. Por conseguinte,
devemos pugnar cada vez mais por uma sociedade de dinâmica social renovadora,
descentralizada, democrata, participativa, organizada de baixo para cima, onde
cada pessoa possa e seja ouvida nas tomadas de decisão que dizem respeito às
suas condições e qualidade de vida, possa estar presente em todos os aspetos da
existência em sociedade e quotidiano social, e que funcione como um todo
ajustado/adaptado/assimilado ao ecossistema, proporcionando que o impacto
ambiental (e pegada ecológica) seja amortecido, ou amenizado, por uma constante
preocupação com a melhoria dos recursos naturais disponíveis, assim como as
condições elementares da prossecução das espécies, que não lhe, nem nos,
defraude a esperança de um equilíbrio suficiente e duradouro para a perseguição
da eternidade possível. Enfim, uma sociedade que seja simultaneamente
policêntrica e plural, que se construa e reconstrua continuamente a partir dos
princípios da diversificação.
Porque
a economia pode promover a sociedade, e esta deve reforçar a unidade ontológica
entre o ser humano e o ambiente que o cerca, em direção a uma simbiose
perfeita, exemplo inequívoco no qual se baseia a maximização das possibilidades
de bem-estar, realização pessoal, social e profissional de cada um, em
liberdade e entre gente livre, que mais não é do que essa “liberdade livre”
onde cabem todas as liberdades que não lesam os próximos nem terceiros, e onde
não há lugar para a mínima hipótese de exclusão, indiferença e ostracismo sobre
seja quem for. Sobretudo porque também é essa a heurística da sustentabilidade:
a de proporcionar sempre mais consolidada e efetiva sustentabilidade – ou
sustentabilidades.
X – ESTÉTICA
E CULTURA
“Nós
abusamos da terra porque a vemos como um bem que nos pertence. Quando virmos a
terra como uma comunidade à qual pertencemos, então poderemos começar a usá-la
com amor e respeito. Não há outro caminho para que a terra sobreviva ao impacto
do homem mecanizado, e para que dela possamos retirar a colheita estética com
que pode contribuir a cultura, ao abrigo da ciência”, como salientou ALDO
LEOPOLDO (Madison, Wisconsi, 04.03.1948), a propósito da
apresentação/lançamento do seu livro. Ética, cultura e ecologia (como uma
ciência entre a panóplia de muitas outras), não são conceitos separáveis nos
dias atuais, como já não eram nos finais da primeira metade do século passado,
ainda que naquela época, pudessem ser apenas fundidos por uma opção sensata e
preocupada, e hoje o sejam porque não temos outro remédio, pois se a cultura
não propiciar um melhor entendimento do meio circundante afasta-nos dele,
desenraíza-nos, isola-nos, torna-nos patológicos ou doentios, por tê-la e cultivá-la
como inútil, desnecessária e incompreensível, pseudolegível e inópia, isto é,
que produzirá apenas artefactos e ideias defeituosas, que promovem tão-só a
penúria, a míngua, a indigência, a falta de nobreza e a carência de identidade.
Porque
a cultura enquanto realidade social é a síntese de toda a criatividade humana,
numa dinâmica individual como coletiva, que visa mobilizar e favorecer as
relações entre as pessoas, entre estas e a região onde vivem, e da região que
habitam com as restantes regiões do globo, próximas ou menos próximas, cuja
identidade seja constatável, no plano nacional como no internacional. Não é uma
expressão da tecnocracia sob os postulados do economicismo, incompatíveis com
autonomia, com a independência, com a emancipação, com a consciencialização,
com a descentralização, mas sim a expressão dos díspares modos de viver, das
práticas e valores simbólicos que deles eclodiram, emergiram, nasceram ou se
deixaram influenciar, que ganharam importância estética e afetiva para as
pessoas ou grupos delas, consubstancializando as suas formas de estar, de
pensar, de ser, de agir, de organizar o espaço e o tempo, possibilitando que
superiormente os determinemos do que eles a nós, e à maneira como nos olhamos e
vemos em convivência (agressiva, sublimada, racionalizada ou não) terrena.
Suscetível de inviabilizar, complicar ou adulterar, como também de simplificar,
de tornar natural e de aprazível satisfação.
Consequentemente,
preservar e melhorar o património cultural, natural, atmosférico, reanimá-lo e
dignificá-lo com sentidos renovados e abertos a semânticas persecutórias, pode
ser uma tarefa difícil de executar e implementar, com dificuldade na motivação
de intelectuais, artistas, cientistas, publicistas e comuns usufruidores, porém
é um desafio e um designo moral a que ninguém pode, cobardemente, virar as
costas, uma vez que o desperdício de tempo, meios, recursos, aprendizagens,
ideias, entrosamento sócio-espacial, de níveis de identidade e diversidade daí
resultantes, nos poriam em séria incompatibilidade com a existência humana e
planetária, atirando para o lixo da eternidade um contributo de elevada
precisão e valor, degradando continuamente a comunicação e entendimento entre
humanos, ou entre estes e os não humanos, mas também o de molestar dos
ecossistemas com modelos e formas irreversíveis que podem tornar-nos a vida
insuportável, desprezível, desajustada, atrofiada e de moribunda humanidade.
Aliás, entender a cultura como uma estratégia para humanizar o planeta, não é
uma prosopopeia retórica e medieval, de cavalaria e evidente quixotismo, mas um
ato indecoroso, aberrante e suicidário, como igualmente um handicap espiritual
que traduz a nossa incompetência para entender a realidade e as multifacetadas
perspetivas que a compõem, que pode originar raros rasgos de génio mas
abundantes gestos e exemplos de depredação necrófaga, e de exalada decomposição
das condições, conceitos e teorias da vida na terra. E isso é imoral, inestético
e abjeto.
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