4.29.2013


APONTAMENTOS À MARGEM PARA DESMARGINAR

Eis a primeira sequência de APONTAMENTOS À MARGEM PARA DESMARGINAR nascidos em Alínea R) evolução verde ( http://www.facebook.com/evolui.verde ) como editorial de página, mas traduzindo o evoluir teórico de uma orientação que se pretende simbiótica entre a ideia de sustentabilidade e a preparação do futuro, com relevante ênfase nos Direitos Humanos, na Ética da Terra, no progresso e desenvolvimento.



VI –  ESPECISMO E MULTICULTURALIDADE

Embora a espécie humana tenha sido aquela que melhor se emancipou na (e da) natureza, deixando de estar sujeita às suas contingências, o que é certo, é que cada forma de vida é idiossincrática, rara, única e inimitável, singularidade pela qual se devem observar atenciosos cuidados em consideração e respeito pelas condições do seu florescimento, bem como pelo equilíbrio do habitat que a integra. As capacidades do ser humano, o seu empenho, arte, engenho e espírito gregário-expansionista, permitiram-lhe ultrapassar quase todos os constrangimentos naturais, contudo devemos reconhecer que há limites e fronteiras decorrentes das leis da natureza que não podemos violar, e que põem em risco a nossa hegemonia terrena. (Qualquer vírus ou bactéria nociva tem mais possibilidades de nos dizimar do que nós a ela…) E um deles é o das monoculturas e eleição de espécies no povoamento de largas parcelas do território, por motivos económicos ou de facilitação instrumental dos ecossistemas, selecionando e incentivando a proliferação de muito poucas espécies em detrimento das restantes (especismo), diminuindo a sua resiliência face aos elementos, à desertificação e falência, atingindo consequentemente a comunidade humana aí hospedada.

Ou seja, para contrariar as dificuldades naturais de expansão e sobrevivência praticámos a manipulação do meio ambiente, durante milénios, através do especismo, estratégia essa que foi globalmente tida por sensata; todavia, sabe-se atualmente, que ela pode acarretar-nos dissabores e danos irreparáveis, tanto no ecossistema como na economia das regiões, tanto na ecosfera como nas condições de vida do indivíduo, porquanto o atrofiamento da sua sustentabilidade é bem maior do que os benefícios auferidos, uma vez que as monoculturas são mais atreitas aos efeitos das catástrofes naturais e das alterações climáticas. Porque fazer depender a sobrevivência de uma população de um só produto, é fazer perigar esta à menor fragilidade da sua (re)produção.  

Por conseguinte, chegou a altura de inverter o curso das decisões e rejeitar todas e quaisquer práticas culturais que ponham em causa a integridade da fauna e da flora de um lugar, ou as suas particularidades geográficas e territoriais, não só quando provocam elevada mortalidade e extinção de espécies, como é o caso de inúmeros rituais e tradições, sacrifícios e eleição de símbolos emblemáticos para marketing, ou de tomar medidas radicais de desinfestação, por pesticidas e herbicidas de efeito durador nos solos e/ou atmosfera, e ainda a promoção de eventos de diversão com animais (touradas, circos, lutas, exposições não-científicas) e comercialização de espécimenes selvagens ou exóticos, e enveredar definitivamente por uma opção generalizada de atitudes e comportamentos que difundam e disseminem a diversidade (multiculturalidade) específica e cultural, de raças e credos, pois os ambientes (e nações) mais ricos, fecundos e sustentáveis, não são os que se resumem e fecham sobre si, mas os que se cambiam e multiplicam contemplando a biodiversidade e o maior número possível de janelas de oportunidade, mobilizando todos os seus recursos endógenos para promover a cooperação e o desenvolvimento autónomo, assim como a segurança e bem-estar das suas populações (humanas e não-humanas).


VII – ÉTICA E INSTINTO

A principal preocupação de uma cidadania responsável, consciente, crítica e participativa, é garantir o direito de todos e de todas a um ambiente sustentável, sadio e ecologicamente equilibrado, com vista a, consequentemente, promover e instituir a qualidade de vida de cada um, como da generalidade. Até há bem pouco tempo as relações humanas com a terra, além dos usuais bairrismos patriótico-territoriais, foram estritamente económicas, o que implicava, na prática, constatar de muitos privilégios e nenhumas obrigações. Proprietários, rendeiros, empresários, turistas, trabalhadores e residentes, cada qual a seu modo, instrumentalizaram-na exaustivamente, tornando-a apêndice de rendimentos e mais-valias, alheando-se dela e esquecendo que a ética é inequivocamente uma espécie de instinto comunitário em evolução similar ao instinto de defesa.

A crise que atravessamos tem agravado esse relacionamento fazendo recuos consideráveis, em diversos setores de interceção do ambiente com os interesses económicos e as tradições culturais que espelhavam já alguma melhoria na qualidade, natureza e intensidade/intencionalidade dessa instrumentalização. O território português, antes ressequido está agora alagado, sobretudo nas áreas de cultivo de víveres de produção/consumo sazonal, pondo em risco a variedade e volume da produção nacional de bens que o défice e a balança importações/exportações aconselham acuidada ponderação.   

Portanto, repensar o uso do solo arável, estabelecer prioridades e otimização da escolha nas sementes, segurar e acautelar as sementeiras dos locais passíveis de derrocadas, enxurradas ou incêndios, promover a investigação agrícola e pecuária, proteger e preferir as espécies autóctones, bem como reimplantar a conduta dos “três erres” (Reduzir, Reutilizar e Reciclar), apresenta-se não só como uma necessidade económica e existencial, ou de prevenção do caos territorial, mas igualmente como um imperativo ético, uma forma de orientação equivalente ao mais explícito e contundente dos Dez Mandamentos: não matarás. Porque se não for feito está-se a defraudar o instinto de sobrevivência dum povo e duma nação, está-se a matar diretamente ou em diferido a (esperança de) vida de muitos, senão quase todos, os portugueses e portuguesas menos abonados e dependentes do orçamento do estado. 


VIII – POLÍTICA AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO

São erros de palmatória, em ambientalismo e democracia, a exploração do homem pelo homem, a mitigação dos direitos, liberdades e garantias, o produtivismo salvagem e empreendedor não esclarecido, a exploração irracional dos recursos naturais, a institucionalização das dependências, a conservação inadequada do perecível e o insistir num planeamento de curto prazo, sobretudo quando este é imposto pela subordinação da vontade política aos interesses económicos ou a fundamentalismos ideológicos. Esses erros têm sido continuamente repetidos pelos detentores do aparelho de estado, quase consecutivamente, não fossem algumas frechas de descuido, desde meados do século passado, pelo menos, mas de forma requintada e com subtilezas de malvadez para contornar os ditames de Quioto, a sustentabilidade e o apaziguamento dos conflitos (bélicos ou não) e as clivagens político-partidárias das sociedades, sobretudo nas afetas ao universo da portugalidade, onde o maquiavelismo do «dividir para reinar» tem feito escola em todas as juventudes partidárias dos últimos 30 anos. Principalmente nas dos dois maiores partidos (PS e PSD) que têm assim, não só mas também, conseguido alternar-se no poder e declaradamente contra quem governam (ou em nome de quem dizem governar), e são quem mais sofre os efeitos desse falso designo: os portugueses e portuguesas sem outros rendimentos senão os resultantes do aluguer da sua força/capacidade de trabalho.

Porém, e ainda que se reconheça que o ecossistema circunscrito ao território nacional seja um sistema finito, notoriamente perecível à continuada exploração, pela reduzida dimensão e elevada antiguidade histórica, a ação depauperativa intensificada, iniciada nos anos sessenta com a implementação das sociedades de produção e consumo, filhas da Revolução Industrial, incentivada pelas políticas ambientais que insistem em cultivar a tese de que o desenvolvimento sustentável é sinónimo de empreendedorismo selvagem e crescimento económico a todo o custo, onde os fins justificam os meios, em vez de associar este a uma melhoria da qualidade de vida humana enquadrada nos serviços prestados em prol do ambiente e do equilíbrio dos ecossistemas, de forma não só conservar os recursos como a aumentar-lhes a resiliência e sustentabilidade, providenciando o desmantelamento das atividades económicas que fomentam a exploração dos habitats, das espécies e dos recursos humanos, ou combatendo o comércio ilegal de bens, espécies e pessoas, comércio esse que reitera a tendência esclavagista medieval para objetivar o lucro e desenvolvimento económico pondo, insistentemente, em risco, o florescimento das demais espécies sem ser, em exclusivo, para assegurar a satisfação das necessidades básicas duma população, está a tornar-se um handicap multigeracional.   

E isso pode-nos sair muito caro, particularmente aos que não querem, ou não podem, emigrar, porquanto as necessidades são crescentes mas os recursos, ao invés, decrescentes. Explorar o mar, explorar o solo, explorar o ar, explorar as espécies autóctones, explorar a paisagem, explorar as sinergias regionais, explorar os areais, explorar as florestas, explorar os aquíferos, explorar os minerais, explorar o património natural ou histórico, explorar tudo e mais alguma coisa, quando devia ser antes melhorar o mar, melhorar o solo, melhorar a paisagem, melhorar o ar, melhorar as dunas e areais, melhorar os rios, melhorar as florestas, etc., é certamente o caminho mais rápido e eficiente para piorar as condições de vida dum povo, atingir o limite dos recursos nacionais, aumentar o desemprego, diminuir o PIB, rumando à depauperização generalizada e tornar-nos o dia-a-dia como causa de uma insustentável infelicidade e receio do futuro, mal-estar social e legalizada corrida para a opressão. Tudo coisas que devemos evitar enquanto ainda o podemos fazer, cujo prazo para agir em conformidade vai diminuindo gradualmente, e em acelerado contínuo, à medida que cada orçamento de estado vai sendo aprovado e posto em exercício, promovendo em catadupa o sucesso de muito poucos em prejuízo de todos, enfim, promovendo o insucesso da maioria dos governados. Aliás, explorar para conservar ou conservar para explorar, como argumenta o establishment, é uma panaceia falaciosa e mal-intencionada, de má-fé, para fugir à responsabilidade, consciência social e cidadania, pois num mundo em constante mudança, conservar inalterável seja o que for é violentar a sua natureza. E todos sabemos que, em termos ambientais, desde os anos 60, só se pode conservar aquilo que se melhora, ou nada feito.

IX – ECONOMIA E SOCIEDADE

O desenvolvimento económico é o garante e o “provedor” direto da satisfação das vontades, desejo e necessidades de uma população ou comunidade; mas não é o único. Essa satisfação exige a interferência humana na integridade dos ecossistemas, o que leva a que aqueles que mais dependem da biodiversidade para salvaguardar o seu equilíbrio, sejam também os mais propícios a molestá-la e defraudá-la. O bem-estar de uma espécie é quase sempre feito com sacrifício das demais, e a humanidade não foge – nem tem como fugir… – ao veredicto. Porém, o desenvolvimento sustentável é um dos grandes passos das sociedades modernizadas, dados no sentido de conciliar a instrumentalização do meio ambiente, os seus recursos limitados e finitos, bem como salvaguardar a integridade ecológica do nosso habitat, sem prejudicar ou pôr em causa o crescimento da economia, alinhando planos e orçamentos sob os auspícios duma consecutiva otimização de resultados.   

O modelo de sociedade que assenta no gigantismo centralizador, cujas estruturas socioeconómicas, altamente complexas e burocratizadas, impede a observância da sustentabilidade, toda e qualquer, nomeadamente a económica, porque facilita o desperdício de energias e a concentração de poderes, o controlo hegemónico dos processos de produção e consumo, apagando a participação consciente e responsabilizadora do cidadão vulgar das tomadas de decisão sobre a sua própria vida, logo, e irremediavelmente, impedindo-o de optar por um relacionamento harmónico e simbiótico com o ecossistema em que está inserido. Por conseguinte, devemos pugnar cada vez mais por uma sociedade de dinâmica social renovadora, descentralizada, democrata, participativa, organizada de baixo para cima, onde cada pessoa possa e seja ouvida nas tomadas de decisão que dizem respeito às suas condições e qualidade de vida, possa estar presente em todos os aspetos da existência em sociedade e quotidiano social, e que funcione como um todo ajustado/adaptado/assimilado ao ecossistema, proporcionando que o impacto ambiental (e pegada ecológica) seja amortecido, ou amenizado, por uma constante preocupação com a melhoria dos recursos naturais disponíveis, assim como as condições elementares da prossecução das espécies, que não lhe, nem nos, defraude a esperança de um equilíbrio suficiente e duradouro para a perseguição da eternidade possível. Enfim, uma sociedade que seja simultaneamente policêntrica e plural, que se construa e reconstrua continuamente a partir dos princípios da diversificação.

Porque a economia pode promover a sociedade, e esta deve reforçar a unidade ontológica entre o ser humano e o ambiente que o cerca, em direção a uma simbiose perfeita, exemplo inequívoco no qual se baseia a maximização das possibilidades de bem-estar, realização pessoal, social e profissional de cada um, em liberdade e entre gente livre, que mais não é do que essa “liberdade livre” onde cabem todas as liberdades que não lesam os próximos nem terceiros, e onde não há lugar para a mínima hipótese de exclusão, indiferença e ostracismo sobre seja quem for. Sobretudo porque também é essa a heurística da sustentabilidade: a de proporcionar sempre mais consolidada e efetiva sustentabilidade – ou sustentabilidades.

X – ESTÉTICA E CULTURA

“Nós abusamos da terra porque a vemos como um bem que nos pertence. Quando virmos a terra como uma comunidade à qual pertencemos, então poderemos começar a usá-la com amor e respeito. Não há outro caminho para que a terra sobreviva ao impacto do homem mecanizado, e para que dela possamos retirar a colheita estética com que pode contribuir a cultura, ao abrigo da ciência”, como salientou ALDO LEOPOLDO (Madison, Wisconsi, 04.03.1948), a propósito da apresentação/lançamento do seu livro. Ética, cultura e ecologia (como uma ciência entre a panóplia de muitas outras), não são conceitos separáveis nos dias atuais, como já não eram nos finais da primeira metade do século passado, ainda que naquela época, pudessem ser apenas fundidos por uma opção sensata e preocupada, e hoje o sejam porque não temos outro remédio, pois se a cultura não propiciar um melhor entendimento do meio circundante afasta-nos dele, desenraíza-nos, isola-nos, torna-nos patológicos ou doentios, por tê-la e cultivá-la como inútil, desnecessária e incompreensível, pseudolegível e inópia, isto é, que produzirá apenas artefactos e ideias defeituosas, que promovem tão-só a penúria, a míngua, a indigência, a falta de nobreza e a carência de identidade.

Porque a cultura enquanto realidade social é a síntese de toda a criatividade humana, numa dinâmica individual como coletiva, que visa mobilizar e favorecer as relações entre as pessoas, entre estas e a região onde vivem, e da região que habitam com as restantes regiões do globo, próximas ou menos próximas, cuja identidade seja constatável, no plano nacional como no internacional. Não é uma expressão da tecnocracia sob os postulados do economicismo, incompatíveis com autonomia, com a independência, com a emancipação, com a consciencialização, com a descentralização, mas sim a expressão dos díspares modos de viver, das práticas e valores simbólicos que deles eclodiram, emergiram, nasceram ou se deixaram influenciar, que ganharam importância estética e afetiva para as pessoas ou grupos delas, consubstancializando as suas formas de estar, de pensar, de ser, de agir, de organizar o espaço e o tempo, possibilitando que superiormente os determinemos do que eles a nós, e à maneira como nos olhamos e vemos em convivência (agressiva, sublimada, racionalizada ou não) terrena. Suscetível de inviabilizar, complicar ou adulterar, como também de simplificar, de tornar natural e de aprazível satisfação.

Consequentemente, preservar e melhorar o património cultural, natural, atmosférico, reanimá-lo e dignificá-lo com sentidos renovados e abertos a semânticas persecutórias, pode ser uma tarefa difícil de executar e implementar, com dificuldade na motivação de intelectuais, artistas, cientistas, publicistas e comuns usufruidores, porém é um desafio e um designo moral a que ninguém pode, cobardemente, virar as costas, uma vez que o desperdício de tempo, meios, recursos, aprendizagens, ideias, entrosamento sócio-espacial, de níveis de identidade e diversidade daí resultantes, nos poriam em séria incompatibilidade com a existência humana e planetária, atirando para o lixo da eternidade um contributo de elevada precisão e valor, degradando continuamente a comunicação e entendimento entre humanos, ou entre estes e os não humanos, mas também o de molestar dos ecossistemas com modelos e formas irreversíveis que podem tornar-nos a vida insuportável, desprezível, desajustada, atrofiada e de moribunda humanidade. Aliás, entender a cultura como uma estratégia para humanizar o planeta, não é uma prosopopeia retórica e medieval, de cavalaria e evidente quixotismo, mas um ato indecoroso, aberrante e suicidário, como igualmente um handicap espiritual que traduz a nossa incompetência para entender a realidade e as multifacetadas perspetivas que a compõem, que pode originar raros rasgos de génio mas abundantes gestos e exemplos de depredação necrófaga, e de exalada decomposição das condições, conceitos e teorias da vida na terra. E isso é imoral, inestético e abjeto. 

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