10.19.2012


DEPOIS DO CARNAVAL

Por Álvaro Moreyra*

Quando a Quarta-feira de Cinzas apareceu, fatigada, arisca, um homem sereno, que vai envelhecendo resignadamente, acrescentou estas palavras ao jornal da sua vida:
– A beleza das mulheres, quanto mais escondida, mais envolvente é. O que se vê não dá o prazer que dá o que se imagina… As minhas lindas patrícias, nem à beira-mar, nas horas do banho, nem nos bailes elegantes, onde mostram segredos da sua carne, têm o encanto que têm no Carnaval. As fantasias retiram delas a atualidade. Os loups apagam a data das fisionomias. Como eu nasci no século XVIII, ao tempo do rei Luís XV, gosto de andar, sob a graça de Momo, pelos salões de dança, entre serpentinas, em cima de confetes, no meio de um cheiro doido e bom de lança-perfume… E penso, então, em Versalhes, em Madame Pompadour, naquelas marquesas e naqueles condes… A alegria de todos traz à minha solidão uma longa, suave melancolia… Não importa que, ao fim, retorne à existência real, com as mesmas figuras transitórias… Alguns instantes de esquecimento e de ilusão consolam para sempre… Bendito sejas, Carnaval! Eu te bendigo, nesta pobre manhã silenciosa, eu te bendigo, velho tonto e feliz: pelo prazer que derramas nas criaturas, pela saudade que deixas… Eu te bendigo, embora sinta daqui os olhos de Voltaire postos em mim, fixos, irónicos, e talvez um pouco tristes…
Carnaval, não serás tu o jardim de Cândido?  


* Álvaro Moreyra nasceu em 1888, em Porto Alegre, no Rio Grande do sul. O presente trecho pertence ao livro O Outro Lado da Vida… Nele, o autor, numa prosa leve e irónica, refere-se à saudade que acompanha o carnavalesco ao surgir a Quarta-feira de Cinzas, onde a ilusão e o esquecimento valem a suave melancolia que vem depois do Carnaval

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