4.13.2010

Assuntos Pascais

"Procura saber onde se encontram as tuas raízes essenciais, e não andes a suspirar por outros mundos."
H. Thoreau

Segundo a generalizada opinião da clientela do bistrot à esquina da rua onde moro, a culpa é toda das crianças, esses paneleirotes provocadores, que foram para as sacristias e orfanatos, só para atiçar a tesão aos sacerdotes, pois sabendo-se, como se sabe, que a carne é fraca, em virtude da imposição eclesiástica do celibato, não conseguiram resistir aos seus avanços e promessas de prazer (inconfessáveis), que esses fedelhos lhe propunham, quase num desafio sobre-humano. O sumo-pontífice deve partilhar essa opinião, pelo menos se considerarmos as últimas notícias vindas a lume, porquanto não as entende senão como mais uma campanha difamatória sobre a Igreja católica – aliás vítima "despudorosamente" comparável com o anti-semitismo de outrora que fomentou o holocausto... –, capitaneada pelos demais credos com dimensão (e expressão) global (universal), querendo com isso imitar Cristo que nunca ripostava às ofensas e calúnias, oferecendo a outra face, a da obtusidade e teimosia, deixando a vingança para melhores dias, servindo-a fria quando a oportunidade se lhe deparasse, sem custos (orçamentais) adversos na propaganda mais do que seriam desejados, nem retroactivos de boomerang que são sempre e irremediavelmente contestáveis e perniciosos à luz das oposições (declaradas), que não se calam ou não se refugiam no (corporativismo) anonimato nem no secretismo para se decretarem contra aquilo a que são contra, como a favor daquilo a que acham dever sê-lo.
Demais a mais, considera essa família católica, que os pecados praticados pelos seus sacerdotes, e conhecidos através da confissão de outros sacerdotes, que por sua vez terão cometido idênticos pecados que (igualmente) confessaram àqueles de quem teriam sido anteriormente confessores, pondo a dita confissão a girar num circo fechado de que jamais, a não ser por traição de um deles, transpiraria – pecados quiçá até perdoados com a "penitência" de uns quantos pai-nossos e ave-marias –, que a roupa suja se lava em família – e que "sagrada" família! –, o que dita e representa a fina flor do corporativismo, e no seu melhor, supondo com isso que se derem tempo ao tempo, muitos dos sacerdotes que praticaram as sevícias, sobre órfãos e outros (des)protegidos da caridade apostólica romana, venham a falecer ou a entrar em estado de debilidade tal que não permita serem julgados, bem como a maioria dos seus crimes tenham expirado por caducidade legal nos países onde foram cometidos, cuja lista vai engordando copiosamente (México, Estados Unidos, Irlanda, Alemanha, Brasil, Portugal, Áustria, Holanda, Suíça, Hungria, Dinamarca, França, Noruega, Itália, Malta, etc.) de dia para dia.
É demasiada hipocrisia, talvez mesmo ostensiva má-fé, considerar apenas um pecado ter-se servido sexualmente de uma criança abandonada, desprotegida, sem recursos nem família, provavelmente alguma interrupção voluntária da gravidez (não concebida), e apelar agora para o poder do perdão cristão, considerar-se inclusive meritório dele e até vítima de tentação ou de campanha difamatória e propaganda negativa acerca de uma instituição, de um credo, de uma igreja, de uma religião. Arautos do antropocentrismo – ecce homo –, como do seu reino neste e no outro mundo, eis que os sacerdotes se recusam a ser vistos como criminosos, se recusam a ser condenados pelo seu crime, que além de se outorgarem fora da lei se acham com o direito de não ir parar às prisões onde os demais criminosos estão, e não obstante serem-no, reconhecem a diferença entre os seus crimes e a pedófilia, dando um tratamento especial aos que foram dentro por isso. Saramago ganhou o prémio Nobel e escrevia mal, pensava pior, era abominável, blasfemo e abjecto no trato e arrogante na atitude, incluindo na política, e foi excomungado por isso; mas nunca enrabou crianças ou se serviu delas, fazendo-as sofrer, para com esse sofrimento desfrutar de prazer. O que faria dele uma das pessoas com mais direito a rir neste momento, todavia, ainda não tive qualquer conhecimento de que o tenha feito, e estou convicto de quão grande e exorbitante seja o seu pesar e lamento por todos aqueles que sofreram tamanhas sevícias, estiveram à mercê dos seus algozes e contudo se viram condenados ao silêncio, correndo, como corriam, o risco de serem estigmatizados se propalassem o acto de que haviam sido alvo, mais a fama que lhe é adjacente, a que provavelmente alguns papistas acrescentarão o «é bem-feita!» da ordem, «que toda vida nada fizeram senão pedi-las...»
Pois bem, esse mesmo mentor da imagem eclesiástica, que levou, pelo menos, três anos a decidir que fazer com um sacerdote norte-americano que abusava reiteradamente dos cordeiros do seu rebanho, vem agora a Portugal benzer acólitos com honras de chefe de Estado (Vaticano), inconformado por a república não conceder amnistias e indultos como antigamente fez, mas igualmente recebendo a cobertura dos media públicos e privados, em aparato apenas semelhante às das celebrações nacionais incontornáveis, classificação essa em que não cabem certamente o Dia da Independência nem o da Implantação da República. Desconheço o que farão as entidades oficiais do país na recepção à figura, é verdade, todavia à semelhança dos de Valença, por uma questão de saúde, se o nosso Estado privilegiar na recepção dando melhor acolhimento do que deu, por exemplo, ao Dalai Lama, não vejo outro caminho a seguir aos portugueses senão começarem a pensar seriamente na nacionalidade da bandeira que vão pôr à janela durante o Mundial de África do Sul, nem aquela que agitarão nos tradicionais buzinões de celebrar as vitórias desportivas, pois o diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és é um ditado pior que o Toyota, porquanto não só veio para ficar, como ficou e marca presença no discernir da qualidade humana e ética de um povo.

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