2.12.2010

Intervenção de encerramento do Deputado José Luís Ferreira no debate na generalidade sobre o Orçamento de Estado
– Assembleia da República, 11 de Fevereiro de 2010 -

No encerramento do debate na generalidade do Orçamento de Estado para 2010, a primeira referência que cabe aqui fazer, tem a ver com o caminho que o Governo escolheu para assegurar a aprovação deste orçamento.
Tem a ver com a opção política do governo, na escolha dos parceiros, porque a opção quanto ao conteúdo do orçamento e às politicas que dai decorrem, estavam já, mais que definidas.
Muito provavelmente foram apenas necessários alguns pequenos ajustes.
O Governo que começou por conversar com quase todos os Grupos Parlamentares da oposição, depressa deixou pelo caminho os Partidos á sua esquerda.
Para negociar com a esquerda teria de mudar a politica, confessou ontem o Sr. Primeiro Ministro. E isso era muito aborrecido, acrescentamos nós.
Assim, foi mais fácil. O orçamento também agrada á direita e portanto as coisas estão, desta forma, facilitadas.
E não é só o Partido Socialista e a direita que ficam satisfeitos com este Orçamento.
Também os Bancos e os grandes grupos económicos encontram motivos para satisfação, porque têm assim a garantia de continuarem na cavalgada dos fabulosos lucros que, mesmo em tempos de crise, têm vindo a apresentar.
Só nos primeiros 9 meses de 2009, os 5 maiores bancos acumularam lucros superiores a 1,6 milhões de euros.
E a insensibilidade social, ou a imoralidade, que tem vindo a reinar, vai, pelos vistos, prolongar-se no tempo, já que este orçamento ao mesmo tempo que garante a estabilidade dos lucros para o sector financeiro,
impõe a redução dos salários, menos emprego e menos apoios sociais, para a generalidade das pessoas.
Trata-se de um Orçamento que assume a continuidade de uma política vazia e oca, no que diz respeito a uma estratégia de desenvolvimento.
Que se mostra incapaz de combater o maior problema com que nos deparamos actualmente, o desemprego, e que atinge mais de 700 mil cidadãos.
E sobre este problema grave, o Governo, dá um mau exemplo, e um exemplo de mau gosto.
Em jeito de uma espécie de politica franciscana, do “olha para o que eu digo e não olhes para o que eu faço”, o Governo retoma a formula na Administração Pública, do saiem dois e entra um.
Um orçamento que impõe o congelamento dos salários aos funcionários públicos mais mal pagos da Europa.
Provocando uma diminuição real dos salários, daqueles que perderam nos seus escalões mais baixos, em média, cerca de 4% do poder de compra real, nos últimos 10 anos.
Que ao invés de apostar mais na acção social escolar, procura desresponsabilizar o estado das suas funções, como se constata com a criação do sistema de garantias de empréstimo bancário aos estudantes.
Que não procura combater de forma eficaz a fuga e a evasão fiscal.
Que teima em não proceder á tributação generalizada das mais-valias e insiste na concessão de benefícios fiscais ilegítimos.
Que se basta com a parca tributação efectiva do sector financeiro e dos seus muitos milhões de euros de lucros.
Ao mesmo tempo que permite o alastrar dos níveis de pobreza e a persistência de um dos maiores níveis de desigualdade social e de distribuição de riqueza da União Europeia.
Um orçamento que encolhe o investimento público.
E que através do aumento da cativação, transforma o investimento real disponível para 2010, inferior em cerca de 100 milhões de euros, relativamente ao investimento de 2009.
É mais que visível, a quebra generalizada do PIDDAC, muito perto dos 25% quando comparado com o montante executado no ano passado, caindo assim para o nível mais baixo dos últimos oito anos.
E ao mesmo tempo que o PIDDAC emagrece, as parcerias publico-privadas, engordam.
Na saúde crescem 60%, na ferrovia crescem mais de metade e na rodovia aproxima-se da duplicação.
Como consequência temos o acentuar da desorçamentação e a respectiva dificuldade de fiscalização por parte desta Assembleia, relativamente aos contratos que o Estado vai assinando com os privados, questão que, aliás, tem sido levantada pelo Tribunal de Contas.
Mas mesmo magro o PIDDAC poderia contribuir para combater as assimetrias regionais. Mas nem isso.
Os distritos do interior assistem a uma substancial redução, fomentando ainda mais a desertificação do interior.
Relativamente ao ambiente, confirma-se que o governo continua a ver nesta área o parente pobre em termos orçamentais. As verbas continuam a cair.
De 2009 para 2010,o total consolidado passa de 581,2 milhões de euros para 330,4 milhões.
E nem o facto de estarmos no ano internacional da biodiversidade teve algum peso ou relevância na ponderação do Governo.
As verbas destinadas á Conservação da Natureza continuam a cair de forma abismal. Só de 2009 para 2010, caiem cerca de 5%.
O ICNB tem hoje uma verba que corresponde a metade da verba que tinha hà 7 anos atrás.
Cortes sucessivos, que nos dão a clara dimensão da importância que as áreas protegidas e a conservação da natureza revestem para o Governo.
Quanto á agricultura, tendo-se verificado atrasos substancias na definição e aplicação do PRODER, nos últimos três anos, seria de esperar que este ano se procurasse recuperar o atraso desse período, nomeadamente no que toca aos investimentos nas exportações.
Mas não, com uma dotação de apenas 600 milhões de euros para o PRODER, o que iremos ter é um potencial desperdício de verbas comunitárias destinadas á Agricultura Portuguesa.
Assistimos assim a uma total incapacidade do Governo para inverter a situação vivida na nossa agricultura, que devia ser encarada como um sector estratégico e que através da sua modernização poderia fomentar o desenvolvimento rural, criar e manter de forma sustentada, postos de trabalho e caminhar para a nossa soberania alimentar.
Estamos portanto, na nossa perspectiva, perante um mau orçamento.
Um mau orçamento porque vai contribuir para agravar o custo de vida e o aumento das desigualdades sociais
Um mau orçamento porque vai acentuar as assimetrias regionais e obrigar as autarquias a adiar projectos necessários e indispensáveis ao desenvolvimento local e ao bem-estar das populações.
Um orçamento, baseado, como outros o foram no passado, em previsões de receitas fiscais, de crescimento e de inflação de duvidosa sustentabilidade, e cuja única certeza é aquela que os trabalhadores conhecem desde há anos: a contenção salarial.
Por fim, dizer que os contornos que envolveram a elaboração deste orçamento de Estado, foram tão nebulosos que chegamos a esta fase, sem saber,
se este é o orçamento do Bloco Central, alargado ao CDS/PP, ou se é o orçamento da AD, alargado ao Partido Socialista.
Seja como for, resta-nos a certeza de estarmos perante um orçamento de continuidade com as politicas do passado e cujos resultados, infelizmente, todos conhecemos.
E porque se conhecem os resultados dessas politicas, “Os Verdes” vão votar contra.

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