DAS HONRAS DA CASA...
" Quem a lava e não entende
Mais a suja do que defende "
Lavar a cara à cidade tem as suas cautelas. Senão, o negócio pode tornar-se uma complicação geral…
Noutros tempos, era costume nas pessoas do povo, tomarem apenas dois banhos durante a sua vida: ao casar e ao morrer. Os mais saudáveis, é claro! Que os que adoeciam nunca poderiam entrar no hospital sem a dita limpeza. Sem a respectiva barrela!… Provavelmente foi daí que nasceu a antiga superstição de que lavarmo-nos faz mal, é para doentes ou mania de quem não bate bem da bola.
Felizmente os tempos mudaram e a higiene, segurança e cuidados com o físico deixaram de ser defeitos. Hoje andar sujo e malcheiroso é estar fora de moda, ser presença indesejável e um incómodo para os demais. Com as cidades isto é igualmente verdade: devem ser bonitas, desejáveis e cómodas. Devem ser funcionais, saudáveis, históricas, cultas, abertas e promover o desenvolvimento humanizado e sustentável, a qualidade de vida e usufruto da cidadania. E podem sê-lo!
Podem ter ruas em vez de azinhagas novas, jardins em vez de alegretes, autocarros em vez de carretas a motor de petróleo, espaços de desporto e lazer em vez de descampados prò contribuinte Todo-o-Terreno, soluções multiculturais em vez de festinhas e arraiais de bairrinho engalanado. Podem.
Mas também não desconhecemos que para isso se conseguir há que fazer modificações nelas; enfim, têm que requalificar-se. Têm que fazer-se obras. Ainda que estas sejam um transtorno para toda a gente. À semelhança do que acontece na casa de cada um de nós, se acaso queremos melhorar a decoração da sala, as acessibilidades, as capacidades da cozinha, a comodidade dos quartos, a categoria funcional das casas de banho.
Então, se precisamos de efectuar benfeitorias no nosso lar, podemos recorrer a duas modalidades possíveis: metemos lá dentro os pedreiros e materiais, que nos assaltam a casa e se assenhoram dela, as 24 horas do dia e enquanto as obras durarem; ou fazemos as ditas por partes de forma a podermos continuar a habitar a moradia, com certas restrições e alterações de horários, mas sem nunca deixarmos de ser seus donos nem prescindirmos dela totalmente. Se somos ricos, temos outras casinhas por aí, uma família que não dá valor aos tarecos, nem se preocupa com o bem-estar dos seus, optamos pela primeira; se prezamos a mobília, gostamos de conviver e damos significado a cada um dos membros do clã, nos preocupamos com o seu dia a dia e necessidades pessoais, escolhemos a última.
Se queremos molestar os nossos familiares e os vizinhos, transtornar as suas vidinhas, destruir-lhe o habitat e o sossego, causar-lhe stress desnecessário, impedir que se desloquem naquilo que é seu, quebrar-lhes as rotinas e souvenirs, riscar-lhe os cobres, embutidos e areados, vamos pela primeira opção; agora, se ao invés, pretendemos respeitar o quotidiano e dignidade dos demais condóminos, nutrimos apreço pelo seu descanso, nos orgulhamos de nunca desejar para os outros aquilo que também não queremos para nós, aí não restam dúvidas, e enveredamos pela segunda.
Portanto, é impossível não estar de acordo com as pessoas que se têm manifestado adversas à forma como estas “obras gerais” citadinas têm vindo a ser feitas. Embora sejam as primeiras a reconhecer que algumas alterações do espaço urbano, além de urgentes, necessárias e imprescindíveis, apenas pecam por serem tão tardias, a verdade é que não se podem alhear da forma como têm sido geridas, os dissabores diários que causaram, a confusão que criaram, as expulsões de clientela que motivaram a diversos estabelecimentos comerciais que, consequência da época do ano e do fraco poder de compra dos portalegrenses, já de si se encontravam com sérias dificuldades em manter as portas abertas ao público.
Como elas, também nós não percebemos, porque é que de um dia para o outro cortaram uma rua onde precisávamos de passar todos os dias, sem ninguém se dignar e ter a hombridade, a educação cívica, de no-lo comunicar com a antecedência suficiente para que não batêssemos com as trombas na porta quando aí precisássemos de passar novamente;
Como elas, também nós não compreendemos para que serve um executivo camarário, se quem manda na cidade são as empresas de construção civil e obras públicas, a quem foi adjudicada a cidade, juntamente com as obras;
Como elas, também nós não entendemos como se destrói uma fluência precária na circulação automóvel e transportes públicos, para a tornar ainda mais complexa e difícil, obrigando os munícipes ao desperdício do seu tempo, além do múltiplo e óbvio desgaste nas suas viaturas;
Enfim, como elas, também nós não podemos ser coniventes e permissivos com as políticas de desenvolvimento que, em nome dos fins, não têm o mínimo pejo de atropelar tudo e todos para os conseguir, que descuram os meios e desumanizam os objectivos, na inequívoca intenção de recolher benesses políticas com as necessidades alheias, na mira explícita do aproveitamento eleitoral dessas obras, como o demonstra a determinação do timing das mesmas, forçadas que foram a fazerem-se e aprontarem-se imediatamente antes, durante e após as eleições autárquicas, cujo afunilamento de prazos é por demais evidente.
É lamentável que tenha acontecido, não duvidemos. E sabemos que este nosso desabafo em nada poderá alterar o autêntico estado de sítio que se instituiu. Contudo, temos consciência e não esquecemos que aqueles, que afinal são quase todos os portalegrenses sem oportunidade de mudar de cidade enquanto as obras durarem, que é a única cidade da sua vida e não têm posses para comprar outra, como sucede às pessoas que precisam de fazer obras em sua casa, e que também não teriam outra para onde se mudar se nela quisessem fazer obras, mereciam ter sido consideradas, respeitadas, contadas neste alvoroço, a fim de lhe terem sido minimizados os estragos em seu diário viver (e conviver).
Porque a cidade é a casa de todos nós, não poderemos deixar de ser solidários com elas, com cada um dos que resistiram e aturaram estoicamente todos contratempos a que foram obrigados, porquanto a nenhum de nós passaria pela cabeça requalificar o nosso lar de forma a que nele não pudéssemos morar (ou, fazendo-o, se lhe imporiam perigos e guerras esforçados mais do que permite à força humana); nem conseguimos entender como racional o desacato a que fomos sujeitos. E em nome de quê? Não é pelo facto de o progresso ser pago às custas da qualidade de vida dos que menos podem que ele se transforma em mais e melhor progresso.
Pelo contrário. Que isto de crescer e salvar a imagem pública das donzelas, tem preceitos e subtilezas de enamorado em duelo ou convicção de medieval e monástica cavalaria, no que até lembra o que sentia, pensava e dizia, o povo doutros tempos acerca da honra: que
“ quem a lava e não entende,
mais a suja do que defende. “
Isto é, como dizemos nós, repetindo o que o nosso povo pensa actualmente, embora que dito de outro modo e em jeito menos rebuscado: que
“quem lava e não se enxuga,
toda a pele se lhe enruga... "
Outro facto acerca do qual também não haverá dúvidas nenhumas!
Escombros
I
Ecoam na vida mais vivida
Viciante vida que nos escorrega pelas mãos
Como água bentificada
Após aqueles instantes de tortura ingénua,
Ela aprecia o chá,
Quente, macio de flores brancas
Tão ingénuas como a própria tortura
Que lhe evapora dos poros da pele suada, tocada.
Escombros que iludem a própria origem
Vagina:
Quero percorrer-te
Refugiar-me no útero materno
Aninhar-me lá
Como antes.
Quero regressar à origem.
Quero abandonar aquilo que não é meu por direito
Quero entregar-me ao trilho escuro
Quero ser-me
Possuir-me
Desejo-o de mim para mim
Será cruel?
Cruz de mim que me invade
Loucura crua que saboreio
P’las papilas gustativas da língua
Unhas roídas
Carne carcomida durante o tempo da vida da carne
Queiram que viva
Queiram que chore só
Queiram que sinta o universo dentro de mim!
Feios e porcos
Que se alojam nos outros
Antes de se alojarem em si mesmos
Que inveja lhes tenho!
Insensíveis de uma coerência nutritiva.
II
Porque se destrói
Porque ama o sofrimento
Porque mo ensinou a amar
Encorajo-o a tomar-me como uma rainha do seu mundo!
A vida é impura para aqueles que lhe fogem
Estúpidos vagabundos esfomeados de ilusões
(Rio)
Eu sempre as consumi.
Destruí-me?
Sempre as implorei a meu dono do amor.
Pedia-lhe ilusões
Como as outras pedem jóias.
Truz! Truz! Truz!
Quero ter um filho teu.
Aqui dentro, onde já tiveste.
Carne penetrada pelo teu eu verdadeiro
Um filho da tua e da minha carne
Rebenta-me a veia!
Porquê tu?
Ensina-me as leis de teu universo
A matéria com que trabalhas
Actor da vida
Tão feliz que és...
Ou será visão minha?
Ou será do meu amor
Que esconde os escombros do real
Porquê ninguém vê o que tu és?
Só, eu,
Tão invisível que és
Tão puro de maldade inútil
Corres-me nas veias
Como se tudo fosse teu;
Mentes porque respiras;
Amas-me porque vives do teu reflexo nos meus olhos;
Foges da explosão provocada por teu próprio combustível
Cobarde
Sorte a tua!
És dono do todo,
Tu nunca tens nada;
Cristalizas nos outros
Como em ti mesmo.
Ensinaste-me como o tempo percorre o espaço
O simples caminhar
Encandeada pelo foco de luz
Sem ser derrubada pelos monstros mentais.
És mágico!
Monte de ossos que mia para mim
Que mentindo, ronrona para mim
Gato bravio
Independente que és
Sofrido, violado por todos
Usado e destroçado
Invejo-te como invejo a chuva que
Beija o mundo sem ninguém dar conta!
Sabes-me de cor,
Lambeste-me por dentro e por fora
Que barbárie!
Ensanguentei-me sem a dor
Conquistei-te
Não é divino?
III
A vingança.
Aprender o que me pregaste:
A invenção do amor
Entre entrefalas falseantes.
Dançarino da vida,
Põe a tigela na nuca e consome-me!
Ecoam feridas por lamber
Silêncios de abraços em telhados instáveis
Que nos mostravam o caminho para os céus.
Tal como tu te apresentaste
“Palhaço da vida”!
Já rompeste a minha nata de carne
Que pratos deliciosos de tenras carnes,
Virgens, te tentaram?
Capricho
Porque é que as futilidades nos apatizam?
Ambos amamos o mesmo
O caos.
A caotização do pleno universo
Partículas e mais partículas
Que um dia nos irão absorver.
Partirei agora desse cais?
Amanha será o amanha de tantas coisas
A espera é precisa
Amada e sofrida
Sofrer é criar
E criar também é sofrer
Quero eternizar o amor
Esculpi-lo, acabá-lo e fechá-lo à chave num quarto escuro e poeirento
Como sábio prestidigitador,
Sabe filtrar verdades
Quem precisa de verdades?
Quem precisa da verdade das verdades?
Tu és o maestro da vida!
Sempre o soubeste
Sóbrio que és,
Obsesionas-me,
Carente da mulher que me transformei
Em teus braços e palavras de embalo.
Cresci em ti e por ti, meu caro amor!
Temo a pistola que guardas para ti.
Pressionas o gatilho
Sempre que precisas de ouvir um som
Que mata
Afogas meus prantos, num mar de sereias
Aí tenho a certeza que não faço parte do real.
Protagonizo mais uma mentira tua
O acto ilusório concebeu-me
Nasci para a mente de um sofredor
Que não tinha que amar.
Carmen
"Vou adormecer, beijando-te aqui e agora
Eternizando nosso amor
Com palavras
Sempre partilhaste tudo comigo"
volinte
Convite para partilhar caminhos de leitura e uma abertura para os mundos virtuais e virtuososos da escrita sem rede nem receios de censura. Ah, e não esquecer que os e-mails de serviço são osverdes.ptg@gmail.com ou castanhoster@gmail.com FORÇA!!! Digam de vossa justiça!
9.02.2005
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