11.17.2004

Ali bem perto um monte de gente os aguardava,
Mas a semi-noite dificultava a sua identificação...
Silenciavam-se sem esforço, e voava o pensamento;
Esperavam integrar-se naquele grupo que olhava,
A Era negra de trabalho em contínua produção
Com que a experiência ensina aos novos velhos ensinamentos.

E... juntos, mal provavam algum pirão atrasado
Aos repelões uns aos outros se formigavam,
Percorrendo a penumbra ainda curta da manhã,
Furando o cacimbo no ar quente semeado,
Humedecendo os trapos que as costuras aguentavam,
Assim iam... numa entristecida procissão cristã!

A distância a percorrer ainda longa do local
Onde a agricultura, as sementes germinavam
Floridas, enfrutecidas os aguardavam...
Era percorrida, empurrada bem ou mal
Pelas plantas dos pés febris... calçavam
A miséria dos suores sugados que a nada pagavam.

“Ani xocá ku tátê”...a manhã acordavam...
“Mutima kundundum”... o carreiro humedeciam...
Eram enormes as cruzes que os vergavam,
Feitas de madeira negra de tanta saudade,
Pregada pelo bater dos corações que choravam
Matando a sede à esperança na liberdade...

...Se a regra laboral obrigava a comunhão da experiência
Mandava também a saudade que se ensinasse
O cântico aprendido por muito se dizer e repetir,
A poucas gargantas no início, com reticências
Empurrando outras mais, e o coro aumentasse,
O cântico que o tempo gravava sempre a sentir...

Que nem formiguinhas juntas no carreiro
Ia-se da vista, no horizonte percorrendo,
Entre a mata e o céu ainda enegrecido,
Cintilando sumindo o som do berreiro
Dos capatazes, bem perto vigiando,
Cutucando um ou outro ser desfalecido...

Aos berros, cutuques e tropeços, empurrados
Aos campos de trabalho se chegava...
Enorme e a perder de vista na distância...
Ali as energias do corpo se mortificava
Em cada cavadela e em cada suspiro em cadência...
Em cada chicotada nos lombos bem suados...


Distribuídos os sachos por cada um dos contratados,
Lado a lado se enfileiravam à distância do medo,
Facilitando a sua vigilância sempre redobrada,
Percorrida cadentemente pelos capatazes a dedo,
Por traz das suas costas, dos corpos dobrados
Sobre os ventres doloridos pela força aplicada.

Dos cânticos irmanavam o consentimento,
Cantando, gritava-se ao questionável Senhor,
Cantando, chorava-se a arredia ajuda...
E... quanto mais se aprendia outro lamento
Outro cântico de saudade, até mesmo amor
Concluía-se que a liberdade afinal era surda.

A palmo de ombro a distância media-se
O suspirar e o cântico dos companheiros
Beijando a terra a compasso da enxada...
O seu bafo aquecido cheirava-se, sentia-se...
Ensalivando com o suor os secos canteiros
Sulcados nas faces ardentemente cavados.

A vegetação ali semeada, plantada, bem tratada,
Em altura, era maior que os corpos dobrados...
Que a sonolência ou distracção dos capatazes
Permitia aos seres ali depenicando, à porrada,
Desaparecerem do horizonte, por ela abraçados
Aliviando-lhes o sol que queimava os rapazes...

Seu lamento cantando,... pelo céu sumindo
O chicote nos lombos a esquartejar
A gritos dos capatazes praguejando e rindo
Do seu cansaço aumentado sem lamentar
O que a nada o seu suor lhes pagavam
A sua mescla de dor... e ainda cantavam...

Os dias e dias os corpos iam consumindo
O sol em fogo os corpos ia queimando
O cacimbo na pele os corpos derretendo
As lágrimas a dor no corpo dissolvendo
À chuva salgada as almas baptizando
Gotejavam o pó da terra seca... gemendo...

Eram meses e anos em esperas... esperando
O que se sentia jamais neles a libertar...
A esperança a tempo tornava-se mais pesada
Por tantas esperas com tanto tempo engordando
Tanto que os corpos se negavam a suportar
Adoecendo ou aventurando-se à caminhada.


Sem esperança no salário que endividava
Pelo desmedido preço da reles refeição do dia
Acumulando-se em espirais de escravidão e dor
Que, quanto mais no trabalho se escravizava
Maior se tornava a dívida do que não se comia
Eternizando-a, empenhando o corpo ao senhor-

Ali, tornava-se impossível a liberdade
Ali, a fé no trabalho mais desgraçava...
Ali, qualquer comportamento amordaçava
Ali, os deuses desistiam da sua religiosidade
Ali, nem sequer humano algum se habitava
Ali, a terra engolia os corpos que matava...

Os que se recusavam a adoecer suportando...
À caminhada que parecia incerta iam-se aventurando
E enquanto no valor da terra iam depenicando
Escondidos pela vegetação, aos pares fugiam
Tanto... mas tanto,... que os corações batiam
Nas gargantas ardentes e secas enquanto corriam...

O Cansaço e o terror obrigava-os a pararem
Arfando tanto que o silêncio era ameaçado...
Apuravam mais ainda os ouvidos escutando
Os fantasmas das cabeças ali a soltarem...,
A sede enorme queimava o corpo cansado
Tremiam no medo incerto incomodando...

Corriam e fugiam... loucamente corriam...
Entre montes e vales, rios e ribeiros,
Lavando, lagrimavam as feridas ardentes
Dos pés, que por onde pisar mal escolhiam
Esmagavam-se nas rochas e nos espinhos
Assustando os animais da selva... descrentes.

Se o cansaço físico e o dos sentidos vencessem
Escondiam-se ambos em silêncio arfando
Por entre as moitas perigosas da floresta
Para que os seus medos adormecessem
Naquele deserto de segurança ausentando
Que à morte se agigantava de escura infesta...

Se o dia amedrontava os bichos perigosos,
Também ameaçava a caminhada segura...
Se a noite os animais selvagens aguçava
Também os afastava dos caminhos duvidosos,
Naquelas almas a certeza era insegura
Tudo desconheciam e tudo os ameaçava...


Daquele terror sentiam um medo só
Nem nos bichos selvagens pensavam
Nem dos fantasmas da noite escura
Daqueles terrores um único medo só
Do retorno ao inferno que os infernavam
Naqueles homens que os viviam em tortura...

Dormitando no mato incerto e desconhecido
A penumbra da noite ambos iam aguardando
Enfraquecendo o físico desnutrido e a paciência...
Afinal a noite escura perturbava o sentido
Os animais selvagens e ferozes iam acordando
Guardava-os unicamente o sentido da proveniência...

A lua que nas suas terras ajudava à brincadeira
Enquanto meninos ela esticava a luz do dia
Na fuga desprotegia-os da penumbra requerida
E entregava-os aos olhos do horizonte inteiro
Arriscando-os à prisão que nenhum merecia
Aumentando a espera na ansiedade contida...

Entre esperas, desesperos e adormecimentos,...
Enquanto os raios da lua as estrelas atropelavam
Percorrendo o horizonte escuro até se esconder,
Iam-se assustando com as correrias e movimentos
Dos animais selvagens... os berros... os urros...caçavam
Pelos gemidos... caçados... sentiam-se a morrer...

O tempo não lhes dera seu pedaço para sentirem
Aqueles silêncios do mato que ali respiravam...
O zumbido de asas dos insectos a zumbirem...
As aves feias que na noite se encorajavam e cantavam
O cheiro da erva seca... a terra nas narinas a cheirarem...
Ocupavam-se de susto em susto enquanto aguardavam.

Finalmente a noite que esperavam, surgia...
Enegrecia todo o universo o negro de escuridão
Ao ponto de não verem o que e onde calcavam...
Quando as solas dos pés em anestesia
Não incomodavam, parecia que não havia chão
De tão escuro enegrecido,... “até flutuavam”...

Obrigavam então o corpo dolorido à caminhada
Não falavam mas entendiam-se pelo respirar
Com os mesmos pensamentos sem rumo iam...
Com a atenção alerta requerida e redobrada...
Distâncias desconhecidas sempre a andar
Sem sequer se lembrarem do que comiam.


Assolapando-se aqui e acolá no escuro chão
Pelos ruídos que aquelas almas desconheciam
Pelos ruídos que aqueles corpos rejeitavam
Angustiando-lhes a liberdade ainda obscura
Iam até uma estrada mais próxima encontrarem...
E, como bússola a ela se apegavam...

À sorte mentalmente escolhiam um norte
Olhando de um lado e outro lado do asfalto
Quer a norte quer a sul sumia-se no escuro
Com movimento automóvel de pouco porte...
De faróis ao longe alumiando o céu bem alto
Quer a norte quer a sul sumia-se no escuro.

Voltar atrás... já era impossível tal acção...,
Não porque se aumentasse neles o arrependimento
Não porque se não sentisse neles os cansaços...
O arrependimento, o cansaço e a desorientação
Enormes, que seriam suficientes no momento
À derrota e destruição dos seus passos...

Desconhecidos, conhecendo-se se amigavam
Sem promessas, naquele universo se aumentando,
Ambos, a medo... rebuscando outros caminhos...
Que,... de mãos dadas a desnorte tacteavam...
Pelo aquecido asfalto as areias esquentando
Os furos dos desgastados “nonkhakos” os pezinhos.

Perfurando aqueles profundos escuros,
A compasso das solas carcomidas pelo chão
Preenchido a semibreves de silêncios
Que os pulmões espremiam na respiração
Regulando ao coração seus batimentos
Caminhavam na pauta do futuro inseguro...

Manuel Angelo

Sem comentários:

La vida es un tango y el que no baila es un tonto

La vida es un tango y el que no baila es un tonto
Dos calhaus da memória ao empedernido dos tempos

Onde a liquidez da água livre

Onde a liquidez da água livre
Também pode alcançar o céu

Arquivo do blogue

Acerca de mim

A minha foto
Escribalistas é órgão de comunicação oficial de Joaquim Maria Castanho, mentor do escribalismo português