9.10.2015

A SEBENTA






A SEBENTA

In illo tempore – No tempo em que eu andava em Coimbra, ainda a boa e imortal sebenta reinava em todo o seu esplendor! Eu nem fazia sequer ideia, ao chegar a Coimbra, do que vinha ser isso da sebenta; – mas industriado logo a tal respeito, vim a saber que era uma espécie de folhinha litografada, formato 8.º, que saía todos os dias compendiando a explicação do lente; que se chamava sebenteiro o que a redigia; que custava sete tostões por mês cada uma; que eram sempre três em cada ano, visto as cadeiras em cada ano serem três; e, finalmente, que, enquanto o lente explicava a lição para o dia seguinte, só o sebenteiro ouvia o lente, e que os mais, todos, e eu portanto, podiam muito bem ler o seu romance, fazer o seu bilhetinho e passá-lo, ou comentar os que vinham dos outros, – ou então, se preferíssemos, dormir ou fazer versos!

Não havia nada melhor! Além disso, algumas metiam também as suas piadas; outras davam caricaturas; – e sebenteiro havia que amenizava por tal forma aquela estopada, que até dava versos para o fado no fim da sebenta, e convocava os condiscípulos, em anúncios, para troupes* aos caloiros, ou outras pândegas!

As sebentas tinham em geral oito páginas, e cada um ia pelas suas ao cair da noite, e eram duas por noite; – mas, se o lente se tinha alargado na prelecção, ou o sebenteiro era maçador, às tais oito páginas acresciam outras, – e a esse suplemento, que era sempre amaldiçoado, chamava-se o resto!

(...)

Está pois a ver-se que a sebenta era uma instituição universitária; – mas ainda assim, coisa curiosa, cheirava sempre a contrabando; e tudo quanto de mais difícil podia desafiar na aula a habilidade de um cábula, se era chamado à lição, cifrava-se em manejar a sebenta com habilidade, de modo a que o lente a não visse... Ele bem sabia que ela estava lá; mas, enfim, era preciso esconder essa impostura, – e isso era um trabalhinho de prestidigitação, em que, se alguns eram eminentes, outros, coitados, eram uma lástima!

Bom estudante, em geral, era, pois, o que manejava a sebenta com habilidade, – e alguns havia de tal modo peritos que a sugavam sem lhe deixar uma gota, e o lente nem percebia... Olho na sebenta, olho no lente, passando-a através do livro se era preciso voltar as folhas, parecia até que nem tinha sebenta; e os outros menos habilidosos, esses, ou a extractavam em pedacinhos de papel onde só figura de apontamentos, ou então, resumiam nas margens o texto das páginas, e, deixando as margens fora de um livro, ou em geral de um folheto qualquer que se pudesse enrolar em forma de batuta, cantavam a sebenta como uns papagaios, – e ia-se a ver não sabiam palavra!

... Por me dizia uma vez o Manuel do Marco da Feira, dono de uma litografia, ao ouvir a Cabra tocar para as aulas no dia seguinte, que era o primeiro dia do ano lectivo:

– «Bem! Começa-se a estudar amanhã a maneira de se não estudar!»




* Caloiro, propriamente, é o estudante de preparatórios; mas também se dá este nome ao novato, isto é, ao estudante do 1º ano de qualquer Faculdade. Os novatos cortam o cabelo e fazem troça dos caloiros; e os do 2º ano (estes principalmente) fazem o mesmo aos novatos, e também aos caloiros. O novato repetente não é troçado nem troça.

A brincadeira das troupes é muito estúpida, e eu em poucas entrei. A mim cortou-me uma o cabelo à Porta de Minerva, uma vez que eu ia para casa ao anoitecer e não levava lunetas porque se me tinham partido esse dia no Seminário, numa refrega com os formigões (seminaristas) – e por isso só a vi quando lhe estava nas unhas, e o tesourão em cima da minha cabeça e à roda de mim a malta silenciosa dos embuçados, todos de moca para se eu resistisse.
(...) (...)

in TRINDADE COELHO, In Illo Tempore, pág. 145 e segs.

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