crónica
da semana:
FUGIR
AO TEMA
Confesso que o objetivo de hoje, por
ser uma segunda-feira de rapapés, a que antigamente chamavam dia de sapateiro,
logo atreito a muita martelada na sola, era o de escrever sobre cidadania. Mas
meti baixa-ética, pelo que vou falar doutra coisa qualquer. O rendimento é
subsuficiente, os amigos são uns batidos e o empreendedorismo, com as bases
enunciadas, é pouco prometedor. Além do mais, os mecenas andam a treinar
manguitos para estarem em forma nas próximas legislativas.
Porque há uma estrondosa diferença
entre ser-se democrata e lutar-se pela democracia. E não é só conceptual: a
segunda exclui a primeira, e esta não admite a segunda; ou seja, é totalmente
adversa à imposição de algo superior sobre aquilo que é inferior. Aliás, quem lutar
contra ou favor do quer que seja em termos e moldes democráticos, respeitando o
adversário na sua dignidade e integridade, na sua diferença e nos seus
direitos, liberdades e garantias, perde irremediavelmente e à partida, pois os
adversários, que não são minimamente democratas, nem se sentem obrigados a
respeitar as normas éticas da participação e da cidadania, vão utilizar essa
vantagem competitiva a seu favor, deitando os democratas ao tapete por KO, e
logo no primeiro round. Quero eu
dizer, que ainda mal pusemos os butes no ringue eleitoral, e já malhámos com os
costados no sobrado... Nas sondagens, no acesso aos órgãos de comunicação
social, nas mesas de voto, onde só ficaremos representados quase por favor, e
em muito diminuído número.
Simplesmente, a democracia, é o
conjunto de leis, instituições, regras de condutas e maneiras de estar
democráticas, o que significa não-autoritárias, que um povo constituiu como
desejáveis para se conduzir interna e externamente, quer no seu imo nacional
como no relacionamento conjuntural e planetário sociopolítico. Ora, todos os
partidos do espectro político e legislativo (com assento na Assembleia da
República) português, são veteranos da luta pela democracia, exceto o Bloco de
Esquerda, fundado há pouco tempo, e muito depois do 25 de
Abril-MFA-Povo-Unido-Jamais-Será-Vencido, todavia empenhado intrinsecamente em
seguir de perto o mais veterano deles todos, o PCP, cujas origens remontam à
arqueologia da democracia portuguesa, ou aos primórdios da clandestinidade.
Embrulhados que estamos no celofane europeu, não será fácil deteriorar-se nem
ficar fora do prazo de validade, a democracia, tal e qual como a conhecemos,
nas suas vertentes clássicas e de após II Grande Guerra. Pelo que, manter e
querer usar a semiótica, discurso e estratégias de luta pela mesma, é autêntica
manobra de diversão e de empata-progresso; no entanto, qualquer força política
que pretenda confirmar-se legalmente democrática através de eleições,
executando apenas as suas aptidões democráticas, sujeita-se a ser considerada
intrusa e persona non grata nelas. O
que é, suis generis, um handicap de notória significação para o
efetivo esclarecimento dos resultados.
Enfim, essa ou essas forças (outsiders), vão ser uma espécie de povo
judeu para os demais partidos do establishment, ainda hitlerianos, ainda
autoritários, arreigados às lutas de barricada como de antimotim, que abdicarão
de guerrear entre si e, ante a ameaça que vem de fora, as elegerão como
inimigos número-um, e alvos abater, ou sob o desígnio (nacional) excomungáveis,
nem que para isso tenham que fazer aumentar o abstencionismo. Como? Não
cultivando a cidadania, a atitude democrática, a liberdade de expressão, o
esclarecimento das bases, a participação ativa e consciente, a responsabilidade
e emancipação populares. Bem como promovendo o ruído, o bairrismo fanático ou
intensificando a toxicidade da propaganda. E, diga-se em abono da verdade,
somos obrigados a reconhecer que estão a sair-se muitíssimo bem!
Chiça! Lá estou eu a fugir ao
tema...
Joaquim Castanho
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