4.09.2013


APONTAMENTOS À MARGEM PARA DESMARGINAR

Eis a primeira sequência de APONTAMENTOS À MARGEM PARA DESMARGINAR nascidos em Alínea R) evolução verde ( http://www.facebook.com/evolui.verde ) como editorial de página, mas traduzindo o evoluir teórico de uma orientação que se pretende simbiótica entre a ideia de sustentabilidade e a preparação do futuro, com relevante ênfase nos Direitos Humanos, na Ética da Terra, no progresso e desenvolvimento.

I - O TRIGO E O JOIO

A biodiversidade é a conjugação da fraternidade e da igualdade estendida a todos os seres do planeta, incluindo-o; porém, a Terra não está só no universo, sendo apenas mais um dos centros de vida entre as infinitas possibilidades que lhe assistem, e a miríade de variedades e hipóteses que dela há na nossa e demais galáxias. “A política e a economia são simbioses avançadas nas quais a competição original de todos contra todos foi substituída, em parte, por mecanismos cooperativos dotados de conteúdo ético”, como referiu Aldo Leopoldo na Ética da Terra. Assim deve continuar a sê-lo, ou mais propriamente, começar a sê-lo, uma vez que temos desprezado tanto as duas (fraternidade e igualdade) que omitimos a biodiversidade enquanto valor intrínseco a toda a atividade humana civilizada. Sobretudo, porque sem ela, a liberdade é uma ironia e a maneira mais eficaz de manietar os povos, obrigando-os a hipotecar o futuro em seu nome. Temos um exemplo, de incontornáveis consequências dessa hipoteca, desse iceberg cuja parte visível se chama Troika.

Se vamos agir e tomar consciência de nossas responsabilidades de cidadania, ou continuar a entreter-nos com o fogo-de-artifício brejeiro político-partidário, é uma questão que importa definir.



II - A SOCIEDADES SOMOS todos NÓS

Família, trabalho e felicidade. Disponibilidade, objetividade e lucidez. Iniciativa, continuidade e avaliação. Cidadania, responsabilidade e emancipação. Amor, bem-estar e liberdade. Saber estar, saber ser e saber fazer. Afeto, motivação e conhecimento. Humanidade, sabedoria e progresso. Hipótese, verificação e conclusão. Eis as diferentes tomadas (de consciência, estádios ou valores) que desde sempre assistiram à demanda da cultura e civilização sobre a barbárie do abstrato, da mediocridade, da crendice, do conservadorismo traiçoeiro e desonesto, do desconhecido, da ignorância mal-intencionada, e da rigidez fundamental. Porém, os convencidos de suas certezas, continuam a vociferar contra o outro dizendo que está errado, em vez de provarem eles mesmos que estão certos. Só que isso não é política, não é economia, não é socialização: é criancismo.

Então, que fazer? Tudo pode ser reciclado, incluindo as bases essenciais da nossa identidade e cultura. Reciclar a criança que há em nós, enquanto indivíduos e enquanto povo, para passarmos ao estádio seguinte da evolução e do progresso, não é nenhuma utopia, ideologia, nem religião: é uma atitude. É uma nova atitude perante a vida, que nasce da observação, da reflexão e da prática de muitos grupos e pessoas, que em todo o mundo se aperceberam que atravessamos uma crise civilizacional grave, para a resolução da qual se torna necessário demolir velhos (pre)conceitos, valores e poderes, bem como definir caminhos alternativos que valorizem a criatividade individual e coletiva que respeite a vida, o ambiente, a natureza, o ecossistema, a atmosfera, a água e a condição humana. Porque a sociedade somos TODOS nós, e esse pronome tem o tamanho da Terra. (Por enquanto!)



III - EVOLUÇÃO É AÇÃO

É significativa a diferença entre agir e reagir: agir é participar; reagir, é sujeitar-se a. E, se cada qual é o sujeito das suas ações, deixa de o ser quando reage, porque nessa circunstância, está somente a (cor)responder às determinações de quem o manipulou. Só quem age é verdadeiramente ( r )evolucionário.

Servindo-nos do progresso científico e desenvolvimento humano, ganhámos uma nova compreensão do mundo e, através do sentido sensitivo, importámos valores e modelos tecnológicos ou comportamentais não-humanos, da natureza, enunciados e circunscritos pelos reinos animais, vegetais, minerais e elementar, passando a ter a polémica expressão NATURE KNOWS a merecer garantido crédito. De entre eles os comportamentos civilizacionais socialmente avançados como a preocupação de reciclar os resíduos sólidos urbanos, de aumentar a produtividade primária líquida, produzir organismos geneticamente modificados, introduzir substâncias químicas no meio ambiente, alimentar os animais selvagens além dos domésticos, de tutelar e promover operações de conservação e restauro de parcelas do território e ecossistemas, delimitámos parques e reservas naturais, reestruturámos o corpo curricular e programático educativo e universitário, reformámos a administração e o planeamento tecnológico, tendo em vista uma melhor integração/ocupação humana do território físico-natural.

Parar, desincentivar ou adormecer essas preocupações, sob o argumento da atual crise socioeconómica, é uma reação que obriga a atirar fora o desenvolvimento e progresso conseguido por milénios de estudo, esforço e atualização. Portanto, deixemos as águas tépidas e lodosas da acomodação e ajamos enquanto o podemos fazer, pois pode muito bem acontecer que quando o queiramos fazer seja já tarde demais.



IV - EQUILÍBRIO OU ETERNIDADE?

Até há poucas dezenas de anos a humanidade, na sua quase generalidade e graças ao concurso das diferentes ideologias, economias e religiões, entendia o ambiente numa perspetiva antropocêntrica, em que a natureza se apresentava apenas como um valor instrumental associado a um leque de potencialidades e benefícios, nomeadamente estético, histórico, científico e económico. Era fonte de estímulo para a criatividade e imaginação, bem como um contributo significativo para o desenvolvimento integral do ser humano.

Mas as mentalidades, em consequência dos progressos no bem-estar e condições de vida, científicos e tecnológicos, evoluíram, e hoje a tendência global edita-se numa compreensão do meio ambiente sob duas perspetivas distintas, embora que simultâneas: o biocentrismo e o ecocentrismo. Isto é, considerando que é a vida ou o ecossistema quem tutelam a narrativa na interpretação essencial do valor atribuído à natureza, enquanto suporte principal do ambiente. Com Copérnico e Galileu a Terra deixou de ser o centro do universo; com o Relatório de Brundtland (1987) findou a era da supremacia humana na Terra. A mudança teve efeitos irreversíveis, e obrigou à reciclagem de todas as teorias de entendimento da casa (eco) de todos nós, de modo a que este não só se demonstrasse mais lúcido, objetivo, rigoroso, lógico, ético e funcional, mas também mais abrangente, de forma a reconhecer que sem a preservação da diversidade das espécies é impossível um equilíbrio sustentável do planeta.


Na perspetiva biocêntrica somos apenas mais uma das estratégias da vida para se tornar eterna. Na perspetiva ecocêntrica, somos tão-só membros de uma espécie que interage com as demais na tentativa de manter equilibrada a sobrevivência do ecossistema terreno. Na prática, as duas se completam e exigem-nos que observemos cuidadosamente a nossa conduta porquanto se fizermos perigar o equilíbrio perdemos o comboio da eternidade, porque na autoestrada da continuidade da vida somos o veículo que melhor a percorre, desde que o façamos com tino, segurança, equilíbrio e sustentabilidade. A escolha a cada qual pertence, mas o que é certo, é que aquela que cada um fizer vai ter consequências (irreversíveis) na vida dos demais.


V - BIODIVERSIDADE E EFEITO BORBOLETA


“Como é evidente, não é preciso dizer que a viabilidade económica limita a margem daquilo que pode ou não ser feito a favor da terra. Sempre foi e há de ser assim. A falácia que os deterministas económicos nos amarraram em volta do pescoço coletivo, e que necessitamos agora de eliminar, é a crença de que a economia determina TODO o uso da terra. Isso simplesmente não é verdade. Uma grande quantidade de ações e atitudes, incluindo talvez a maior parte de todas as relações com a terra, é determinada pelos gostos e predileções dos utilizadores mais do que pela sua bolsa. A maior parte de todas as relações com a terra depende de investimentos de tempo, previsão, capacidade e fé mais do que de investimentos em dinheiro. No que se refere à utilização da terra, somos o que pensamos.” (In ALDO LEOPOLDO, A Ética da Terra)

Havendo inegável valor intrínseco em cada uma das formas de vida conhecidas (biodiversidade), independentemente do interesse que possam ter para a espécie humana, a não instrumentalização das entidades holísticas como os ecossistemas e a ecosfera, cujo equilíbrio exige ponderação no balizar das atividades humanas, porque o que for feito, desfeito, neutralizado, ativado, implantado ou retirado de um local tem, diretas ou indiretas, consequências também noutros lugares (efeito borboleta) mais ou menos distintos do planeta, apresenta-se como a única atitude plausível para manter (e recuperar) a sustentabilidade global. Não só porque o respeito por cada indivíduo é extensivo e acarreta igual respeito pelo ecossistema em que se integra, mas igualmente porque ele é parte integrante de uma organização avançada sócio-biológica-económica (genes, espécimenes, espécies, ecossistemas), que fica inequivocamente alterada tanto com a sua presença, como com a sua ausência, e em (pro)porções similares.

Por conseguinte, pugnar por uma democracia direta, participativa e de base requer o acesso universal à informação e às novas tecnologias da comunicação, à tomada de consciência coletiva dos fatos e problemas de cada qual e de todos, bem como uma diferente responsabilização do cidadão pelo seu habitat, num díspar envolvimento na assunção individual e pública da cidadania, da igualdade de género e do respeito (legalizado) pelos animais, no âmbito de uma mentalidade que não abdica dos seus direitos nem do poder natural de quem é outorgado legítimo herdeiro e proprietário, parece ser a maneira mais racional e eficaz de contemplar (socialmente) a importância essencial pela biodiversidade e os efeitos sistémicos da ação humana. Por milhentas razões e argumentos, mas principalmente porque “somos o que pensamos” e, se é indesmentível que hospedamos um número infinito de seres vivos no nosso corpo, não o é menos que sempre que um deles é molestado, ou adoece, todo o nosso ser é inegavelmente afetado, nomeadamente pelo antídoto que nos for aplicado.

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