7.10.2011


" Olhai! Vou mostrar-vos o ÚLTIMO HOMEM.
«O que é amar? O que é criar? O que é uma estrela?» Assim falará o Último Homem, piscando os olhos.
A terra ter-se-á então tornado exígua, nela se verá saltitar o Último Homem, que apouca todas as coisas. A sua espécie é tão indestrutível como o pulgão; o Último Homem será o que viver mais tempo.
«Descobrimos a felicidade», dirão os Últimos Homens, piscando os olhos.
Terão abandonado as regiões onde a vida é rigorosa; pois o homem precisa de calor. Ainda amará o próximo e se roçará por ele, porque é necessário calor.
A doença, a desconfiança hão de parecer-lhe outros tantos pecados; é só preciso ver onde se põe os pés! Insensato é aquele que ainda tropeça nas pedras e nos homens!
Algum veneno, de vez em quando, coisa que proporcionará sonhos agradáveis. E muito veneno para acabar, a fim de ter uma morte aprazível.
Trabalhar-se-á ainda, porque o trabalho distrai. Mas ter-se-á cuidado para que esta distração nunca se torne fatigante.
A pessoa deixará de ser rica ou pobre; as duas coisas serão demasiado penosas. Quem quererá ainda governar? Quem quererá ainda obedecer? Eis outras duas coisas que serão demasiado penosas.
Nenhum pastor e um só rebanho! Todos quererão a mesma coisas, todos serão iguais; quem quer que tiver um sentimento diferente entrará voluntariamente no manicómio.
«Noutro tempo toda a gente era doida», dirão os mais sagazes, piscando os olhos.
Ser-se-á sagaz, saber-se-á tudo o que antigamente se passou; desta maneira se terá com que zombar sem cessar. Ainda se questionarão, mas depressa surgirá a reconciliação, por medo de estragar a digestão.
Ter-se-á um poucochinho de prazer durante o dia e um poucochinho de prazer durante a noite; mas respeitar-se-á a saúde.
«Descobrimos a felicidade», dirão os Últimos Homens, piscando os olhos.
Aqui terminou o primeiro discurso de Zaratustra, a que também se chama Prólogo; pois neste ponto foi interrompido pelos gritos e pela hilaridade da multidão. «Dá-nos esse Último Homem, Zaratustra – gritavam –, torna-nos semelhantes a esses Últimos Homens! E fica com o teu Super-Homem!» E povo todo exultava e dava estalos com a língua. Mas Zaratustra afligiu-se e disse para consigo:
«Não me compreendem nada, eu não sou a boca que convém a estes ouvidos.
Vivi tempo de mais nas montanhas, ouvi de mais os ribeiros e as árvores; e agora falo-lhes como se fala aos cabreiros.
A minha alma não ficou nada abalada, é clara como a montanha pela manhã. Mas eles julgam-me frio, tomam-me por um sinistro chocarreiro.
E ei-los olhando para mim e troçando; e não contentes em troçar, odeiam-me ainda por cima. Há gelo nos seus risos.»”

In Frederico Nietzche, Assim Falava Zaratustra

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