1.09.2011


Há Bens Que Vêm Por Mal

Já claro vejo bem, já bem conheço
Quanto aumentando vou ao meu tormento;
Pois sei que fundo em água, escrevo em vento,
E que o cordeiro manso ao lobo peço;

Que Aracne (1) [sou], pois já com Palas (2) teço;
Que a tigres em meus males me lamento;
Que reduzir o mar a um vaso intento,
Aspirando a esse Céu que não mereço.

Quero achar paz em um confuso Inferno;
Na noite, no Sol puro da claridade;
E o suave Verão no duro Inverno.

Busco em luzente Olimpo escuridade
E o desejado bem no mal eterno,
Buscando amor em vossa crueldade.

Luís Vaz de Camões

Seja dito, em abono da verdade, que de quanto tem sido afirmado durante esta (pré-)campanha eleitoral para as presidenciais, sobre as razões e negócios das figuras presidenciáveis na sorrelfa da legitimidade, é bem o espelho daquilo que somos, como país e como pessoas: não nos importamos nem surpreendemos com nenhuma esperteza saloia que esses indivíduos possam ter praticado, pois cada um de nós era bem capaz de ter feito o mesmo se tivesse tido oportunidade para isso, o que indicia que todos nós, aqueles que ainda somos honestos e francos, incorruptos e íntegros, é porque nunca estivemos em condições de poder agir conforme esses dois fizeram, ou outros que tais, que vão desde os deputáveis aos presindenciáveis, passando pelos ministeriáveis.


Sabemos agora que o passado não interessa, não possui a mínima importância para as eleições que aí vêm. Aquilo que uns fizeram como professores para depois colherem como primeiros-ministros, e de cujos proventos resultaram diversas «eleições», é lana caprina, bem como o que aqueloutros criaram como escritores seja de somenos se depois vier a ser utilizado como deputados. É extra ética e muito menos legítimo no futuro, do que seja o que for que tenham praticado, ou feito, no presente em relação ao ato dos portugueses quando vierem a decidir sobre o seu futuro – votando. Ou nosso futuro, vetando-o, e vedando-o – qual coutada de caça aos coitados – como território plausível só para aqueles de entre todos e todas as portuguesas que já nem se importam, no mais uma menos uma do tanto lhes faz.
É pedir ao lobo o cordeiro manso… Digamos, pensemos, concluímos, que o que conta é não o que os candidatos foram mas sim aquilo que querem e prometem vir a ser… Então, para que é que a Constituição admite que as pessoas com menos do que uma certa idade não possam concorrer às eleições? Porque não têm cadastro? Porque nunca trambicaram sob os auspícios abonatórios do erário público nem do favorecimento político? Se sim, poderemos concluir, sem qualquer margem de erro, que o melhor político para o mais importante cargo público, de acordo com as exigências de perfil ou habilitações para os órgãos colegiais de um órgão de soberania, é aquele que pior tiver sido no caminho gizado até lá chegar, cujo currículo equivalha ao pior cadastro, enfim, uma espécie de berlusconni para toda a vida!




Suponho que muitos portugueses haverá por esse mundão adentro que também estejam cansados de querer achar paz em um tão confuso Inferno, mas como igualmente devem ser vítimas do seu medo, reféns dessa inquietude que é o receio de perder o pássaro que está em sua mão, pelos dois que a voar vislumbra nesse Céu que não merecem, não mereço, não merece ninguém, que o Céu não foi feito para os comuns mortais, então admitem preferir um mal que conhecem a um bem desconhecido, legítima preferência, aliás perfeita, como nos casamentos disfuncionais e adúlteros a quem o divórcio assusta mais que o sofrimento num estado civil indubitavelmente desgastante – e estigmatizado.
Neste caso as divergências entre esquerda e direita, moderados e radicais, são apenas falácias com a finalidade de ludibriar o cidadão e o eleitorado. O que está em causa não são políticas nem projetos de sociedade, mas a idoneidade de quem nos represente e garanta o cumprimento da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente no capítulo da harmonia entre os restantes órgãos de soberania que, como ninguém esquece, são só mais três: a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais. Ora, refutar as questões sobre as ações lucrativas com inegável favorecimento e elevado teor tóxico para a banca portuguesa, de que isso não interessa e o que importa é o programa eleitoral deste ou daquele candidato, é tapar o Sol com a peneira e pretender a escuridade a enegrecer e conspurcar o puro Olimpo, quer dizer, aquele lugar cimeiro de uma nação onde só devem entrar os mais incorruptíveis, os mais sábios e os mais bem-intencionados dos seus cidadãos.





Além de ser uma forma de esconder a desonestidade que vinga entre as gentes e os agentes do mercado de valores em Portugal, esclarecendo que os acionistas não são todos iguais, e de acordo com o número de ações que disponham, pois uns podem comprar a 1€ aquelas ações a que outros só podem chegar por 2€, o que é, mesmo assim, uma vantagem muito grande em relação ao que os comuns compradores têm acesso, sendo ou não membros da Assembleia Geral, por 3€, no mínimo. Ou seja, há ações para quem emite ações a um preço, para quem aquele que as emite pretender favorecer, seja quem lhe der na gana ou a quem dever favores, e ações para o mercado, todas a preços diferentes e de acordo com o grau de desonestidade de quem integra as operações. É obra!
Mas, se calhar, estou enganado… A oferta de ações baratinhas que alguns gestores fazem aos seus amigos, não passam de presentes envenenados para detonar no futuro, a fim de frustrar e obscurecer a imagem cultivada de pessoa séria, com valores e cumpridora da palavra dada, a quem tentar romper o status quo de pobreza franciscana a que votou os seus contemporâneos, enquanto teve oportunidade de o fazer que, neste caso, vem desde 1987. Afinal, isto de Portugal ser um país onde há de tudo mas não para todos, é uma frase que ficou das palavras de ordem de atrasados e redundantes tempos, que ainda está em vigor, de óptima saúde e com genica suficiente para gerar outros tantos filhos e nobres guerreiros para contra a razão lutar, lutar, lutar!
Ah, calino: E viva a República!


(1) Aracne – imagem arquetípica da aranha, ou aquela que vai laboriosamente tecendo com os fios da sua teia a rede com que apanhar as incautas moscas, seu alimento.
(2) Palas – ou deusa Minerva, precisamente aquela que transformou a bordadeira Aracne em aranha por a ter desafiado, a ter invectivado a tecerem ao desafio.

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