11.04.2005


PERGUNTA


É inalcançável, pequenina, diminuta, como as estrelas das madrugadas de Junho
E tem os cabelos a pingar cachos orvalhados das manhãs de São João
O olhar inquieto e inseguro e fugaz de quem andou perdida na esperança
E a ousadia subtil, a leveza espontânea que acompanha a inocência descuidada.


Queria poder pronunciá-la como se faz às sílabas frágeis e silvestres
Descer pelos seus dedos à procura do horizonte na planura da liberdade
Da sofreguidão de infinito com que nos limitamos a impenetráveis solidões,
Instantâneos, flashs de luz imediata à sombra dos tempos configurativos
Perenes de eternidade condensada quase à flor dos sonhos contraídos
Nos deuses ancestrais que nos emprestaram o amor tornando-nos seus iguais.


Porque é esse mistério das florestas impossíveis que nos arrebata e sustém,
Acicata mas elucida, nos dita que morrer é um falso temor quando se esteve aqui
Aqui, tão perto de nossos corpos insaciados, inventores da impertinência contagiosa
Capazes de cruzar todos os Bojadores, escarnecer de todos os gigantes
Proferir o desconhecido como se fosse um acessório de toilette no desfile dos dias
Qualquer coisa de supérfluo mas sustentável, pouco incomodativo, a escorregar
Para as lagoas da insignificância sempre distraídas no ocaso das searas
A ondular sobre a brisa dos montes e pradarias nas tardes de amenos Maios.


Não digas nada que os teus sustenidos de pronunciar não permitam repetir
A deliciarmo-nos no replay das metáforas selvagens, cabritos irrequietos
A saltitar de boca em boca como beijos que nelas se colam e se deleitam
E soletram despidas de rodeios ou doutras falsidades menos vergonhosas.


Se sois vida, porque te escondes nos silêncios que não abraçam? Diz. Vá, diz.



DEVERAS


Acorda, deixa esvoaçar os cabelos, desce do tropel de silêncios
A que te entregas na longa noite saturada de medos e fantasias.
Não permitas que as vozes da ignorância, as tuas companheiras,
As tuas colegas de escola e residência, te soturnem os quotidianos
Nem se anexem ao teu anseio de futuro e liberdade como uma cochonilha
Que risca e enferruja, asfixia e mata a alegria da planície verdejante.
Selvagem. Salpicada de papoilas, quais bandeiras perenes de insurreição.


Aparece na janela, diz o olhar das madrugadas, soletra a fidelidade de um sorriso
Com teus lábios de princesa africana, teus braços de erguer a aurora.
Assim. Assim. Como quando nos esperamos ao canto da página inocente
A escorrer infinitos das letras rebeldes e perigosas dum orgasmo incandescente
Da manhã, redonda e macia, como teus seios de laranja suculenta e gulosa.



És farinha duma espiga por inventar, pó branco da alma sem cor
Sêmola do meu outeiro a esgueirar-se de esquina em esquina, flor em flor.
Trazes a alvorada do desejo a romper-te do ventre e o grito das azinheiras
Caladas a soltar-se nas colinas do horizonte a quem o sol da tarde pede perdão.


Mas se por acaso ouvires o meu choro de erva daninha não o interrompas nem acalentes
É que ando preocupado com o destino que os homens estão a dar às palavras simples
Como Terra, Rio, Prado, Mar, Rua, Floresta, Animal, Atmosfera, Oceano, e Liberdade.




SEXTA-FEIRA



Quando se parte somos distância que se concretiza em nós como se fosse órgão vital
Vísceras, úlcera, soro, sangue ácido a corroer-nos por dentro forjando esquecimento
Quase incandescente a soletrar-nos solidão, ponto agreste e difuso na planura do ser
Mancha de fogo na planície que abarca horizontes desencontrados, sonhos daninhos
Na monda dos riscos e das formas, intempéries de medo que assolam a seara submissa.


Não me ponhas nos gestos sentimentos que não tive nem nas noites pessoas que não houveram
Quando no silêncio das madrugadas perscruto as ansiedades de outros silêncios fugitivos
Quais felinos domésticos caçando soturnidade e mistério pela calada dos tempos pueris.


Permite apenas que perdure o suficiente para não querer morrer sem choro e voz e canto
No vegetal suspiro de ficar alerta, a palavra à flor da pele, os olhos inquietos
De pardal assustadiço espiado bebendo a água das fontes dos caçadores furtivos e implacáveis.


Tenho na boca a salinidade das ervas de uma açorda que não quis, o aroma dos poejos
Bravos, o judaico amargor no alho duma esperança amassada em alquímico almofariz.
Sou aquele que não pretende, mas pretérito conjugado por mais uma dúvida a amadurecer
Sob a brusquidão de todas as imagens apagadas, de todas as fotografias perdidas.


Cada vez que partes é de mim que te escondes, outra rocha sob a espuma das marés quotidianas
Vaivém ensurdecedor, casquinado, ósseo, terrífico, por todos os fantasmas que não foram
O sentimento de busca no abraço do vento envolvendo teu colo de planície dourada musical
Ondulante, adolescente dançarina, entregando seu ventre ao orvalho das madrugadas de Junho
Num grito de acordar universos, porque se nos mantivermos vigilantes, Deus não adormece...


SAUDADE


Creio que ainda és todas as palavras por proferir,
Metáforas selvagens esquecidas no ocaso da bruma.
As imagens murmuradas de salivar a noite consentida.
Os poemas perdidos nos teus cabelos de searas a serpentear.
Os gestos soltos decididos de quem sabe o que é querer.
As colinas dos seios a eclodir maduras na planície do peito.
O sorriso de espiga silvestre a baloiçar primaveras.
Os dedos imperiosos de medir infinitos na sofreguidão dos corpos.
As colunas das pernas sustentando o átrio do templo da vida
Em que ajoelhado me deponho num beijo de sonho e semente
E me ergo na rebentação de todos os desejos por dizer.

Se partes sempre como outra onda esquecendo a espuma
Dos dias em que olhos nos olhos nos dissemos de frente,
Sob o vaivém semanal das andorinhas que se tornam gente,
Sombras negras de cantar o romance em qualquer tuna.


E para trás fico eu a procurar-te na distância cruel.
A pedir a Deus que abrevie esta elipse de marcar a quente
Que faz de cada hora uma obreira abelha diligente
A encher os cálices minutos de meu ser em favo de fel...


A gritar protestos mudos e parados no desespero da colmeia;
O meu quarto feito inferno que só tua ausência incendeia.



O DIA PROIBIDO



Em cada vez que partes fico assim, de coração à solta
Qual potro bravo a quem tentaram selar o alado dorso
Domar o ânimo, pear o galope, torná-lo sociável e compreensivo.
Tu és silêncio, mas sou eu quem fica desértico de mim...
Ser princesa também não deverá ser nada fácil, se reconheço
Me ensinaste todos os truques da feitiçaria das formas ausentes
Obrigando-me a desenhar-te na tela celestial do azul supremo
Sempre que queria ter-te apenas minha, serena e gloriosa e livre.


Se deste conteúdo a todas as músicas anteriormente por ouvir
Que eram sons e nada mais que sons a pairar na bruma escorial
No cinzento apagado dos silêncios que não escutam, toscos ruídos
Que não sabem o que é a imensidão do cosmos nem o seu pulsar febril
A vibrar dentro das veias, a querer explodir ao ritmo de nós mesmos
De todos os seres, de todas as leis, de todas as luzes e transparências
De todas as palavras inocentes que o tempo ciosamente guardou secretas
Poliu, amadureceu, eternizou, unicamente para que eu te pudesse inventar!...


Se és ar, e eu respiro... E ousadia, e esperança, e planície fecunda
E eu me quedo, e destroçado sucumbo, ao ver-te partir... indiferente...


Então, rebelo-me. Vou buscar o inexorável resquício de forças ao infinito
Ao mais recôndito da exígua ancestralidade, e divinamente vingativo
Determino: Que as sextas-feiras sejam os únicos dias que não têm perdão!!


PORQUÊ DE VÉNUS


Pensar que se pensa doutra maneira!
Que o olhar a distância torna perto
O que o longe separa a vida inteira.

Iludir-se a gente em ser sábio e esperto
Ao querer espreitar a vida doutra seteira...
Perder por segundos a aridez de deserto
A ela dada pela morte derradeira.

Sonhar, ou saber-se dormindo e desperto
Estar, se quando os medos vão partindo
É sempre um regressar à vez primeira
Num gesto de flor... suas pétalas abrindo.


Mas ser igualmente o escravo da fileira
De DNA, como o foram sempre, sempre
Os bichos da terra. Filhos de seu ventre!!


RECUSO


Recuso pensar-te na madrugada, e ao frio.
Recuso imaginar-te doente, sofrida ou sem tesão.
Recuso abandonar-te no silêncio mudo e ímpio
Quando a chuva selvagem fustiga o saguão.

Recuso a família ardilosa que me diz mal de ti.
Recuso o perfume das rosas nos dias em que te não vi.
Mas recuso. E recuso. E voltarei a recusar, enfim
Sempre que algo me distorça ou te afaste de mim.

Recuso a morte, a saudade, a dor, a ansiedade e o medo.
Recuso a voz que se esconde por detrás daquela máquina cruel;
Recuso a pobreza; recuso a fome, o exílio e o degredo,
Assim como recuso a mentira, a intolerância, o ser-te infiel.

Recuso a cidade, a glória, a fama e tudo quanto encerra em si.
Recuso a riqueza, o poder, a sabedoria. Tudo recuso: só te não recuso a ti!


AGUARELA

Tu, que buscas pela janela
A esperança dum horizonte

Lá fora

Há em ti tudo isso que estudas
E esperas quando olhas por ela

Lá fora

Há em ti o ser-se cativante
Como há o ser-se pequena vela

Lá fora

Em nau de oceano te desnudas
Ao fitar o dentro distante

Tão fora

O baço perfil na vítrea tela
Onde se vê que estás e escudas

Lá fora Lá fora
Tão dentro Tão perto

Quando te buscas pela janela






ABSTRACÇÃO



Fitando a chuva tu olhas
Entre nada e coisa nenhuma há;
E perto das cores que desfolhas
Estás, longe de ti, como quem não está.

És um ponto indiscreto de soletrar
Um silêncio a descoser-se na sutura;
E quando te miras, já te não vês murmurar
Quem querias ser, numa emenda futura.

Podias recorrer à insensatez de sonhar.
Podias esperar na imensidão do dizer.
Porém... preferes, simplesmente, olhar.

Podias esconder a franca nudez de ser.
Podias pensar na contradição de pensar.
Mas no contudo porém, queres apenas olhar!


CÉREBRO

Esse vampiro dum quilo e tal
Que teu corpo alimenta
É quem te torna real
E combate o que nos atormenta.


PROMESSA


É quando o sulfuroso da alma
Se entrega ao desmaiado azul,

E as lacrimais águas se fundem
Num só rio em busca da voz

Que tu e eu, meu amor
Ganhamos sentido nesse futuro que caminha
E baloiça sob a pendular força da incerteza,
Mãos nos bolsos,
Cordel do pião a arrastar na areia...

Nunca o esqueças
Sobretudo se os nossos netos o desconhecerem
Quem são – quem foram.


(RE)ENCONTRO


Ninguém adivinha até onde pode chegar
A distância dobrada pela solidez
Do silêncio, pronto, finito à pequenez
Do verbo – amar é sempre ruptura
Ponto de entrelinhamento , sutura
De conjugação propensa ao ansiar
Ambíguo de escrever a sublime doçura
Dos olhares que se perdem em buscar.

Somos ínfimos, é certo, no sentido pleno
De nos dizermos grandiosos
Num mundo tão pequeno.
“ Onde foi que nos vimos pela última vez?!... “
Façamos de conta que foi na imensidão
Da planície ensolarada dos tempos talvez
Há mil anos junto aos rochosos
Desvãos do silêncio dado da mão.

Há mil anos... Quem diria!...
E ainda nos reconhecemos!... Como quando
Ao fim do trabalho de um longo dia
Nos vamos à beira de ser soletrando!

Tivesse sido ontem, ou já agora:
Há tanto, tanto tempo numa hora!!...


PODIA

Um homem e uma mulher sabem
Sempre quem são se os olhos mentem
O que a voz desdiz – e quedos
Murmuram serenos quadros
Dum imperioso desejo que se quis.

Que apagou pétreos medos
Ao corroído silêncio dos segredos
E fez do ser um campo de aventura,
Qual seara ondulante sob a brisa da ternura.

Podia até haver temporal! Podia
Até o sol cair a pique na planície!
Podia até o sonho revulsionado
Naufragar nas escarpas da crendice,
Que o dia seria de constante calmaria
A pairar no olhar apaixonado
Dum homem, duma mulher... Que se queria!


FINALMENTE
As horas passam diluídas
Na espera dum ocaso diferente.
São sinais de morse, pontos ..
Traços - -, .. pontos, a terçar encontros
Nos S O S da gente.


São fazeres de assim,
Olhares de dizer nas vidas:
Até que enfim!





SEM-DOER QUE TANTO DÓI

É sem fim este buscar desencontros.
Este pedir à dor que seja única-
Mente imaginária perdida noutros,
Mas sempre presente, como túnica,
Manto, que descaído me cobre os ombros...

Hei-de ser sem dúvida, o que mais
De amor sofreu sem nunca amar
Ninguém, alguma vez sequer, em tais
Suplícios de palavras por lavrar;
Fingindo-se elas autênticas e reais

Que, contudo, embora o sofrer constante
Feito palavra, a dor é mais cortante
Se das outras simples e corporais
Pretendida esta em órgãos ideais!


MUSA


Olha desconhecida!... O acaso mexe-se
E surpreende-nos com seus tentáculos
Na orla do verbo dos verbos, e esquece-se
De ser o que nunca foi pelos oráculos
Da vida.

São coisas profundas essas!
As paixões carcomidas, as desditas
Com que pedimos meças
Às palavras esquecidas.
Hermafroditas
Pontos de referência na malquerença
Tida;
As bexigas da vida.

Sinais de somenos, asteriscos da diferença
A escorrer do rosto, cruéis, brutais
No acatar da sentença:
Tu és a causa – eu sou a consequência.


DIÁRIA EM CINCO ESTRELAS


Vê a manhã colorida pelas casas
Duma rua de sol, cães vagabundos,
Bolas aos hexágonos escorrendo nas valetas
E bicicletas estacionadas sem ordem nem zelo.

É aí que eu resido e me demoro
Quando tudo aquilo que tenho
A fazer é deveras mais importante.

Nunca obedeço aos imperativos da disciplina
Numa manhã assim sou anarquista
Para almoçar como um nobre burguês
E deitar-me pouco depois de descambar
Na crítica materialista e no socialismo.

Ao adormecer sou sempre comunista
Para que os sonhos madrugadores me libertem
Da opressão de Estado e possa erguer-me
Sem mácula, arrependimento, saudades.

Finalmente kitsch, na manhã soalheira
Os olhos ramelosos mas a alma limpa.

MARI(A)POSA

l.
Guardas a avareza de Israel
A luxúria de Roma – bebe neste sol... bebe!
Vives na aspereza da morte
Da sorte
Em gestos lentos de quem passaja tempo
- Bebe neste sol... Bebe!
A planície lá ao fundo respira ( ainda )
Como quadro crispado se
Sobre sendo.
As horas rompem másculas
O silêncio
Em separata e cuidados.
Receias-te e recompões-te sequencialmente
Sem notar que há mar e fogo e sede.
Sonhas e sondas o hemisfério

Pela sinédoque do arco do arco-íris
- Bebe neste sol... Bebe!

2.
A alva lava está entre mim e ti.
Com ela mergulho – pertenço-te.


GESTO DE CRINA


Tenho um pássaro nesta mão
E um mundo na outra;
Mas só a primeira é que voa.

Faço com ela viagens
Esdrúxulas ou ternas
E penso
E a noite vai.

Faço adornos no teu cabelo
De flores e sonhos
E desejo
E a noite vai.


E quando ainda é noite
E eu já não preciso de ti,
Tu não estás
E, no entanto... Existes.


MURMÚRIO


Na tua rua a lua nua
Voa tão rés que nem soa
O luar a rasar a face tua
Sob o silêncio c’a entoa




ORAÇÃO A S. VALENTIM

( “ What’s in a name? That we call a rose
By any other name would as sweet. “ )


Às vezes perguntamos ao nosso caminho
Quem somos nós
Ou a nós mesmos qual é o nosso caminho.
E não sabemos como sair da baralhação dos sentidos.
Fazemos dos sentimentos um escudo que nos ataca
E não ouvimos distintamente os segredos
Que a vida tem para nos contar.

Mas também às vezes, quando amanhece nebuloso
Ou o sol se nega a repetir que temos em nós tudo
Principalmente aquilo que ele mais ama
Com sua voz de violar-nos a alma pelos olhos
Uma rosa vermelha vem pousar-nos em frente,
E dizer-nos que ainda é possível a ousadia
Que ainda é possível o sonho
Que ainda é possível o sorriso
Que ainda é possível a ternura...


Porque mais do que a voz e a língua
Há o silêncio de um olhar que significa.


SOU NADA SEM TI


Por mil anos que vivêssemos jamais conseguiria
Deixar de sofrer por cada Sexta-feira em que partes,
Como se ficasse amputado de vitais partes
Órgãos essenciais, membros sem os quais não viveria.

Porque sou um morto sem ti... Uma alma penada!
Um registo apagado. Um mutante sem futuro.
Um quasimodo. A elevada potência de nada.
A raiz quadrada de ninguém. Um grafite sem muro!

Porque sou a encarnação do desespero puro...
Gesto tímido de menino abandonado e inseguro.
Uma força escondida sob a esperança decepada

De esperar-te verso a verso, suplício das artes
Em fazer rimar amor com desejo, ou até futuro
Com regresso. E a saudade? É a dor com que me partes.






UM COPO NA TARDE

( Março, Praça da República )


Pôs-se o sol.
Eis que as sombras deslizam
Mais francas,
Menos disfarçadas
Mais macias
Pelo aveludado da cor.


Já sonâmbula, a cerveja
Apetece pela indeterminação
Do ocaso
Submisso
Escorregadio.


Mas sempre silencioso
Na glote que inebria.


ESTRADA FORA


Não há estrada sem chegada
Não há estrada sem partida
Duma tens a vida dada
Doutra tens a vida tida
Não há estrada sem chegada
Nem chegada sem partida


Vai no corpo sem sinal
Foge ao verde e encarnado
Cria o quadro animal
De querer o cativado


VAI VOLTA CONQUISTADO
VAI E SOLTA DERROTADO


Vai no empréstimo animal
A essa estrada sem partida
E faz da chegada um sinal
De quem inventa vida tida


VAI E SOLTA DERROTADO
VAI E VOLTA CONQUISTADO


Atesta o coração na festa
Desta gesta que nos resta
É um gesto que te invisto
É um sonho que t’empresto
Cresta a fresta deste xisto
Nesta estrada em que resto

Dá ao corpo são abraço
Foge ao dever e solidão
Parte pelo contínuo traço
Dum caminho sem senão


VAI E SOLTA DESTINADO
VAI E VOLTA CONQUISTADO


Se não partes neste abraço
Que cresta como a solidão
Tolhe-te o gesto e o traço
E ficas massa de alcatrão


VAI E SOLTA DESTINADO
VAI E SOLTA DERROTADO
VAI E VOLTA CONQUISTADO


RODOVIÁRIA DA PARTIDA COM TRÊS PARAGENS


l.

O desejo é uma flor.
E a saudade? Um regador.

Mas a minha mensagem é o grito
Grito
Grito

O



o
t
i
r
g

O
De não estares aqui...
Pouco a pouco.


Refaz-se a simbiose
Em solid(ão)
A(r)i(e)dade
E o sol... Nascerá em apoteose.


Todavia agora, se algo não entenderes
Olha as árvores que passam.


2.
Parece-me que tudo se pode passar entre nós.
Parece-me que cada um se torna outro quando nos encontramos.
Parece-me ficar doente se nos afastamos.
Parece-me que quando ficamos a sós
Sinto um contentamento contente
Uma alegria alegre
Uma unicidade única
Um fogo
Um gesto
Um brilho
Que me arrebata todo duma vez
E me atira em viagem vertiginosa
Alucinante
E total.


Uma tarde disseste:
- Sou terra.
Fiquei atrapalhado por te não saber capaz
De dizer coisas tão belas.


3.

Ontem, mais tarde ainda, durante a noite
Trocaram todas as letras ao meu poema.
Alguém que por aqui passara
Baralhou-mas.


Ontem, durante a madrugada,
Bebi dum trago os mais lindos olhos do mundo;
Mas alguém por aqui passou
E levou-mos consigo.


Ontem, durante a aurora,
Trabalhei na arquitectónica do universo;
Alguém por aqui passou
E deu-lhe nome de terra.


DIZER DIFÍCIL


Fala-me dessas coisas impossíveis
Como respirar quando nos encontramos,
Os momentos de ser o que nos damos,
Os receios de naufragar indesvendáveis.

Fala-me dos gestos esforçados sobre-
Humanos de pôr alguma razão em ser
Credíveis na indiferença que há em deter
O rio do cais que nos abalroe e dobre.

Fala-me do silêncio que em olhar nos diz
Do tanto que nos queremos manter indizíveis
E sucumbindo vamos ouvindo estalar o verniz,
O vingar das expectativas, os sonhos tidos...
Tão despertos e atentos aos esperados momentos
Que de possíveis crêem impor-se como vividos!

NOME DE MAR E VELA


O meu amor tem o cheiro das brisas do mar azul indomesticável
E os trejeitos simples das papoilas silvestres das searas trigueiras
De quando o vento sussurra intrigas à planície luminosa e fértil
Plena de maresia e sôfrega de meus olhos em si derretidos e desmaiados


E veste os mantos do negro estudantil em que esvoaça liberta
Afinando as horas pelo Abril de balada que ao fado acerta.
E joga comigo ao esconde-esconde de janela em janela, estar e ir,
Essa que eu mil vezes fixo nos fins-de-semana e feriados longos
Como se ela fosse a resolução de todos os meus problemas e hiatos.
Qualquer coisa como a moldura única de todas as minhas narrativas.
Universo ilimitado para o jogo de todas as minhas metáforas e elipses.
Campo de batalha para todas as minhas alegorias, imagens e sinédoques.
E comparações e presopopeias e metonímias e ironias e alucinações.


Que nem ela fosse a revelação dos sonhos das milhares de galáxias
Por descobrir e desvendar à plenitude dos corpos e das planícies
Ao infinito brilho de estrela que há em seus olhos de medir o céu.


Porque transporta consigo a esperança e fulgor dos ancestrais
Os genes que me faltavam para eu resumir a história da humanidade
Num só capítulo, todo ele de ir à escola e brincar pelas veredas.

A SARDANISCA



No granítico muro que delimita o canteiro
Das rosas mais mal afamadas da minha aldeia
Costuma estender-se ao comprido do dia soalheiro
Uma lagartixa sarapintada, por sinal nada feia.


Dá-me até a entender, pela sua atitude pensativa
Que medita em êxtase profundo
Sobre os pecados do mundo.


Ou então que me escuta sem cerimónia restritiva
Enquanto declamo por supetão
Alguma estrofe mais exclamativa.


Sendo como é, infiel aos suplícios da estética,
Da rima com rima em forma atlética,
Sucede-lhe por vezes, porém, inclinar a cabeça
Logo que no recital tropece ou a voz da emoção
Me estremeça.


Atenta, arisca, feminil
Esta réptil figura tem ainda
Aquele retoque especial e primaveril
Que São Martinho ao Outono ensina.


Tem trejeitos inteligentes de gente animada
E, se se coça por mor de alguma areia
Palhiço ou delével teia,
Como quem se enfeita ensimesmada
Mirando-se provavelmente em imaginários vitrais,
Quase parece uma tal outra qu’eu conheço
Cujo nomear tão-pouco mereço
E que mora noutros quintais.


Nas tuas faces jovens e malandrecas
Que quando sorriem são traquinas
Matreiras, ladinas
Mas se serenas... imitam a cera das bonecas.

Sem comentários:

La vida es un tango y el que no baila es un tonto

La vida es un tango y el que no baila es un tonto
Dos calhaus da memória ao empedernido dos tempos

Onde a liquidez da água livre

Onde a liquidez da água livre
Também pode alcançar o céu

Arquivo do blogue

Acerca de mim

A minha foto
Escribalistas é órgão de comunicação oficial de Joaquim Maria Castanho, mentor do escribalismo português