11.08.2003

O grande carnaval

“Pessoa chata é aquela que, quando se lhe pergunta como está, vai contando, contando...”
Bert Taylor

O destino dos portugueses, sabe-se agora, graças à descoberta de alguns génios e talentos antes encerrados no limbo do anonimato, é de natureza cíclica e dependente sobretudo de modas, tal e qual como o mau tempo, as férias em ilhas do terceiro mundo ou a tendência outonal para as tonalidades castanhas e amarelas, não esquecendo as mini-saias em amarelo torrado que assentam muito bem no café-com-leite. Mais ou menos todos os anos, por esta altura, os órgãos de comunicação social repetem a dose das greves, propinas e reivindicações estudantis, os problemas da justiça e as questões orçamentais, Fátima e a divina comédia papal da sucessão, o atraso dos portugueses face ao resto da Europa, a fuga aos impostos e a generalizada corrupção, os nóbeis e as consequências globais do 11 de Setembro, as acções sindicais em torno da legislação laboral, os aumentos salariais e as actualizações das reformas ou pensões. Digamos que é a altura de fazer a cartinha prò Pai Natal a encomendar o presente, visto que o passado não valeu grande coisa e o futuro se avizinha contaminado pela qualidade dos tempos anteriores a ele. Às vezes, mais esporadicamente e à má fila, entrevista-se o presidente da república e aproveita-se a oportunidade para anunciar os próximos candidatos ao cargo!
Vindos de fora, em alguns rasgos periclitantes, repentinos e sincopados das agências noticiosas internacionais, sabe-se que o mundo pula e avança todavia, ressentidos do impasse a que somos obrigados, dizemos que é muito bem-feita e que não temos nada com isso... O que em certa medida é verdade (ou infelizmente verídico), e à semelhança dos governos que quando se propõem a enfrentar as dificuldades a primeira coisa que fazem é atribui-las à oposição, tal como o marido impotente afirma que a culpa do seu fraco desempenho se deve exclusivamente à fealdade da esposa, conformamo-nos com a ideia de que se estamos atrasados em termos científicos, económicos, culturais, de desenvolvimento humano e coesão social, a responsabilidade não é nossa mas sim desses países avançados que não esperam por nós, não nos puxam e acarinham, e ainda por cima disparam a aprovar textos fundamentais para o progresso sem sequer nos perguntarem como redigi-los, a exemplo vivo do que foram os casos do Pacto Para o Desenvolvimento do Milénio, a Carta dos Direitos da Natureza ou a Constituição Europeia.
Alguns, deveras optimistas e crentes nos poderes das águas santas e sulfurosas das nossas safras serranas, cientes de que somos um país de intelectuais e cujos 1300 cursos do sistema hão-de dar frutos sábios, nem que seja por enxerto genético que garanta evidenciada melhoria nas biologias e matemáticas, não duvidam minimamente do nosso poder de remendeiros com engenho e arte, e aceleram a coisa destruindo jardins e derrubando árvores a fim e fazer parques de estacionamento para os seus popós mais dos dos funcionários públicos que os servem, contribuindo assim com outra imaginativa e genuína interpretação de desenvolvimento sustentado para a terminologia da gaia ciência e progresso mundial. Exemplo vivo daquilo que um sistema educativo pode fazer por nós e pelo nosso futuro, eis que se aprontam a obrar catacumbas onde esconder as suas armas de destruição maciça à base de monóxido de carbono, quais apóstolos das grandes certezas universais baseadas no antropocêntrico sentimento comum a quem lida com o erário público, que é o desde que estejamos bem os demais que se lixem!
Por outro lado, e fazendo jus nas medidas de contenção da despesa ou cortes no investimento público, aplicando os respectivos tabefes na cultura e defesa ambiental, pondo de rastos e a pedir por portas iniciativas que valorizavam a região e sensibilizavam a população mundial para os graves problemas da nossa actualidade, como era o caso do Festival Ambiente – Encontros de Imagem e Som do Norte Alentejano, financiam-se e patrocinam-se obras intragáveis de promoção pessoal, teses de doutoramento, palimpsestos de cordel para empalar ceguinhos, que se não fossem os prefácios e introduções a dar-lhe sustância, caíam na gorpelha dos nunca abertos nem desfolhados... Como? Porquê? A quem assiste o direito de tirar o pão da boca e qualidade de vida de aqueloutros que também são homens mas não investem na regra dos dois pesos e duas medidas? Por onde andam a consciência cívica e democrática daqueles que, não por falta de conhecimentos, de estatuto social ou habilitações, deviam ser os primeiros a pugnar e a corrigir as desigualdades ou atropelos de cidadania?...
Eu respondo que não sei, e não serei o único a dar tamanha resposta. Contudo, tenho uma certeza porém: é que o carnaval é só em Fevereiro do ano que vem! É que, acreditem ou não, o calendário e o bom senso não se mudam de um dia para o outro, e se César Augusto o fez quanto aos meses do ano, aumentando-os, teve também que reduzi-los no número de dias... Que o mesmo é dizer, que quando os meios são restritos e as necessidades diversas, as prioridades residem naquilo que é essencial.

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