A Roda do Ano Gira e Chega a Recompensa
"Chamo pela Dama abençoada, rainha da colheita,
dadora da vida e da abundância desde antes de o tempo
começar. Concedei-me a vossa alegria e beleza,
poder e prosperidade, peço-vos."
– Do ritual de celebração do Equinócio de Outono,
a 21 de Setembro.
Talvez que a única coisa que perdure para lá da leitura global das obras seja tão-só o detalhe, o pormenor relevante, aquele peculiar sentimento reservado de quem se achou a fazer a coisa exacta no momento preciso e pouco mais se exigiu, ou permitiu, fazer, uma vez que assim alegremente atingiu o delével êxtase de quem se realizou numa tarefa para a qual estava talhado de há muito. Ler é ver, e ver é interpretar, porquanto é disso que eclode a análise, o veículo de excelência para a comunhão e empatia entre quem se encontra nas margens opostas da comunicação: o codificador e o receptor, o emissor e o descodificador, se para tanto quisermos gizar o X da questão.
Porém, A Sacerdotisa das Águas não é somente mais um livro sobre o ministério da expressão viva do conhecimento milenar, transmitido de tias para sobrinhas que se sucedem atravessando os séculos como anfitriãs do templo da ilha encantada lusitana, onde a Grande Senhora do Ocidente determina a ordem e faz cumprir a tradição e o costume, cujo principal fundamento é servir-nos e não tornar-nos seus incondicionais escravos. É, sobretudo, uma viagem ao nosso consciente e inconsciente colectivo, na tentativa de desbravar o futuro lusitano através da mais antiga das ferramentas que o entendimento humano produziu: a crença. Acreditar que é possível viver o momento presente independentemente daquilo por que passámos como indivíduos ou como povos; acreditar que somos capazes de aceitar a realidade tal como ela é e se nos apresenta no aqui e agora; acreditar que é possível dançar com a vida como se ela fosse o nosso par num tango eterno e imorredoiro; acreditar que somos suficientemente inteligentes e maduros para aceitar o eu-humano que cada um de nós é; e, finalmente, que não obstante todas as falhas e erros que nos identificam e particularizam ainda continuamos a ter confiança em nós mesmos como se apenas, em nossas rascunhadas biografias, tivéssemos testemunhado o êxito e o sucesso. Isto é, traça a rota e o rumo para quem esteja interessado em despertar para o conhecimento através da expressão de si próprio, lendo na água que maioritariamente é, conhecendo-as para conhecer-se.
"Sempre a vida cumpriu o seu ciclo e levou de novo à vida
na eterna cadeia da vida. Em honra das Antigas Deusas,
testemunho a contemplação da minha vida
e a colheita das lições deste ano." – Idem
Não só porque nos transporta entre as diversas dimensões da realidade, nuanças dessa Realidade Maior de que são simples sombras e reflexos, sujeitos à refracção distorcida dos sentidos, como igualmente nos alerta para os conflitos que dilaceram a alma humana, e baseiam as relações interpessoais, estipulam a exigência de abundância e propriedade, veiculam a falta de auto-estima e deterioram a saúde. Dá lições sem o intuito didáctico e a intenção pedagógica explícita, mas possibilitando que cada qual colha da experiência narrativa quanto precise; e mostra escondendo de novo, deixando outro tanto por dizer que é numericamente igual àquilo que ficou dito. Logo, garantindo que não pode provocar qualquer mal (a uns) sob a pretensão de fazer o bem (a outros). O que, no mínimo, é algo suis generis do ponto de vista da funcionalidade da criação literária, porquanto se entrosa numa narrativa mística e fantástica sem ressaibos evangélicos e missionários, ou demais sublinhados das cartilhas e catecismos característicos da romanização como do paganismo plebeu.
E fá-lo poeticamente, relatando a vida de uma mulher, órfã de mãe desde os três anos, que começou a sua instrução de aprendiz de sacerdotisa aos seis, de druidesa aos treze, para sete anos depois se tornar madrasta de sua sobrinha Aurora e rainha-sacerdotisa, culminando no final da vida como Grã-Sacerdotisa no Templo da Ilha, gémea da mítica Albalon, situada nos recessos das terras lusitanas, que todos reconhecemos existir, mas curiosamente ninguém cartografa a localização exacta, porque quem sabe o caminho guarda segredo de qual é ele, e aqueles que não o sabem nem percorreram, o vão inventado e imaginando, dizendo ser ele em qualquer parte, quiçá distraídos, mas tão distraídos, que não se dão conta que "há momentos na vida em que o silêncio são doces palavras que ecoam no coração" (p. 286), sem se atropelarem na pronúncia.
"Às boas estações que se foram e às boas estações que estão para vir.
Abençoadas sejam.
À deusa! Que inspire e renove seu meneio de fábula que envolve e revele o encantamento mundo.
Abençoada seja.
À Deusa! Que traga paz e realização a todos os seus filhos.
Abençoada seja.
À Deus! Que proteja os seus seguidores e me traga prosperidade e felicidade. Que alegres se encontrem, alegres se separem e alegres se reencontrem de novo!
Abençoados sejam."
– Idem