É TARDE DEMAIS
Deolinda Milhano
(155 páginas)
Edições Colibri, 2012
Teresa migrou do campo para a cidade. Contudo, tinha um sonho. E
ele, que é coisa que não pode ser coisificada, mas pela qual as
principais coisas nascem, se desenvolvem e proliferam, sugere-lhe que
deve regressar às origens campesinas para o realizar. Então retorna
à casa dos progenitores – uma casa portuguesa, com certeza –
falecidos já, para assim, não só recuperar as vivências de
infância, mas também esse roteiro e ideário recheado de
linguajares, amizades, peripécias, costumes e tradições, que
forjaram o sal do espaço-quando em que eclodiu para a vida, para o
romance, para a proficuidade criadora, onde as simples e raras
intrigas germinam para se irem, pouco a pouco, do obscuro olvido
libertando.
E quis fazê-lo em carne viva, isto é, na incomodidade de outrora,
e apenas com os recursos domésticos de antanho, evitando recorrer às
novidades da tecnologia que a modernidade disponibilizou, das avançadas TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) aos
menos sofisticados eletrodomésticos. Sem telemóvel nem computador,
sem TV nem máquina de escrever, que lhe facilitasse a tarefa de
erigir da brancura do nada de uma resma de papel A4, uma montanha
mágica de significados e significantes, mais ou menos enfileirados,
coordenados, e de sentires alerta para a exata função de contar. De
narrar. De expor, expondo-se, a fim que as suas amigas e amigos dessa
narrativa pudessem desfrutar, ou melhor se pudessem aperceber de quem
ela é e a faz mover, mostrando-lhes também quem foi e de onde veio.
E nessa viagem, feita em arredondado cursivo de professora primária,
não só porque feminina mas também de costureira e bordadora,
deixar transparecer os termos, os ditos, as modinhas, as modas, as
aventuras no ribeiro, as paisagens, os saber-fazer, os sabores, as
fauna e flora, a que assistiu enquanto usanças comuns à família,
como das demais gentes que estiveram presentes durante o período da
sua formação, não somente de personagem que amadurece paras as
letras, como igualmente de pessoa, visto que entre Teresa e Deolinda
Milhano há um paralelismo evidente, uma nítida convergência de
identidades, transferindo-se a segunda para a primeira através da
palavra escrita, numa transfusão de conteúdos, recordações,
emoções, pensamentos, sentires e reações, anexas à preocupação
literária, no discurso lírico, bucólico, bem como na postura
social, e que assim proporcionam aquela plausibilidade tão
imprescindível quanto necessária a todas as narrativas, sejam elas
contos, novelas, romances, sagas ou simples memórias de viagem, mais
ou menos ficcionadas. O que nos legitima para concluir, considerando
que a autora, não obstante tenha publicado anteriormente diversos
títulos (Cartas Amordaçadas, 2006 – Edições Colibri; Dicionário
de Ditados (Provérbios) e Frases Feitas, 2008 – Edições Colibri;
Portalegre em Momentos de Poesia, 2011 – Edições Colibri;
Sentires da Alma, 2012 – Gráfica Guedelha e Alentejo em Poesia,
2012), é uma estreante nas lides romanescas, inicia com êxito a sua
carreira de escritora e ficcionista, porquanto É TARDE DEMAIS nos
indicia que nunca é demasiado tarde para realizar um sonho, uma vez
que, à semelhança de Teresa, a narradora, também ela realizou o
seu sonho – e ainda bem que o fez, possibilitando consequentemente
a que todos e todas o observássemos de fio a pavio. Obrigado por
isso!