Um Esquecido Dia Pra Esquecer!
"– Nunca lê os livros que queima?
Montag riu.
– É contra a lei.
– Ah, é verdade!
– É um bom trabalho. Segunda-feira queimar Millay, quarta-feira Whitmam, sexta-feira Faulkner, transformá-los em cinzas, e depois queimar as cinzas. É o nosso estribilho oficial."
Ray Bradbury, in Fahrenheit 451
(Tradução de Mário Henrique Leiria)
"– Nunca lê os livros que queima?
Montag riu.
– É contra a lei.
– Ah, é verdade!
– É um bom trabalho. Segunda-feira queimar Millay, quarta-feira Whitmam, sexta-feira Faulkner, transformá-los em cinzas, e depois queimar as cinzas. É o nosso estribilho oficial."
Ray Bradbury, in Fahrenheit 451
(Tradução de Mário Henrique Leiria)
"Para tudo existe uma época." (Idem)
Celebrou-se recentemente, tal como já sucedera com outros Dias que invocam algo valoroso e apreciado pela comunidade humana, ao exemplo do Dia do Pai, do Dia da Mãe, do Dia da Criança, do Dia do Idoso, do Dia de Portugal (e Ilhas Adjacentes), do Dia do Trabalhador, do Dia do Livro, do Dia da Poesia, do Dia Sem Carros, do Dia da Puta Que Os Pariu, etc., na sexta-feira passada, dia 15 de Outubro, aquele que dos Dias menos foi celebrado até hoje, e que ninguém realçou, nem noticiou, sequer mencionou, excepção feita para o EUROCID, precisamente, o denominado Dia dos Utilizadores de Bibliotecas, espelhando bem a condição das mesmas e de como elas "vêem", ou consideram, os seus utilizadores. Porém, quem ouviu falar disso? Em que bibliotecas é que O Dia foi efectivamente celebrado, já que passam o resto do ano a tratá-los – aos utilizadores, precise-se! – abaixo de cão, com menosprezo e sobranceria? Como intrusos que só dão trabalho e inoportunos e inconvenientes ao bom funcionamento da harmonia galhofeira e da retouça funcionária? Como arrevesados atrevidos que interrompem "o alegre conbíbio" aos corporativos da administração local vigente?
Neste Orçamento de Estado, para 2011, que anda agora no baile do boca em boca, entre as muitas "instituições/organizações públicas" que vão ser extintas, fundidas ou anexadas, inclui-se a que tutela o livro e as bibliotecas, a Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas, o que ninguém, em seu juízo, poderá contestar, ou dizer-se surpreendido, porquanto também não há registo de quem saiba ao certo para que servia, ou mesmo o que era, uma vez que o Livro é um bichinho estranho e repulsivo com os dias contados, de pouca monta e menos préstimo, até para quem o armazena, cataloga e empresta, e as Bibliotecas não passam de coutadas (particulares) de inertes com forte handicap de socialização, civilidade e democracia, a considerar pelo exemplo que sobra da celebração deste enunciado (e anunciado) Dia dos Utilizadores das Bibliotecas.
Não há-de, por conseguinte, faltar quem diga sublinhadamente «Boa! É bem-feito, para não andarem a fazer caridade à custa do contribuinte», considerando que a maioria (dos seus serviçais) desconhece os requisitos elementares do acondicionamento, gestão e rentabilidade da informação – livresca, se acrescentará, para contento dos que ainda pensam que tudo o que é informativo não pode ser literário –, assim como os princípios basilares da sociedade para todos, da democracia e partilha de conhecimento, do saber estar e do saber ser, tão profundamente republicanos neste ano centenário, convém salientar!, imprescindíveis aos que executam tarefas adstritas à cultura e à ciência, à arte e aos costumes regionais, ou desempenham funções (ditas públicas) de contacto com os cidadãos – portugueses e europeus, no mínimo –, tanto à esfera local ou nacional, continental como global. E com razão. Principalmente porque para este género de "estabelecimentos", os utilizadores, com direito a ficha e cartão, quiçá informatizado – mas que luxo de modernidade!... – não contam para nada, só estorvam, nem merecem a mínima consideração, nem sequer como "clientes" ou pessoas, a não ser para as estatísticas, com variante no fornecimento dos dados pessoais a estranhos e/ou terceiros, profícuos na coscuvilhice quadrilheira e boateira, para a galhofa costumeira e propícia ao pessoal do "giro", ou para encher vazios de quorum nas iniciativas caganeiróforas de aparecer no boneco dos mass media. Isto, claro está, se nos abstrairmos da teoria (ideológica), considerandos e intenções (beneméritas) dos decretos por sua criação, e nos cingirmos apenas à observância da prática quotidiana, à evidência do dia-a-dia e aos exercícios generalizados, onde os serviços prestados são de má qualidade, pior vontade e abusivamente caros (e sem direito a factura), como é o caso das digitalizações que saem sempre de esguelha e se a cores custam 0,40 €, talvez para contribuir para "amenizar" o custo dos píxeis coloridos, que muito devem ter subido de preço com o aumento e carestia do barril... (Barril de quê?, não se sabe ao certo, mas desde a pólvora prò fósforo ao petróleo, passando pelo da cerveja e vinho verde, todos são contempláveis!)
Ora, visto ser considerado contra a lei ler os livros que "arrumam", põem fora de combate, é de todo em todo possível (ou sugerir) que haja alguns, raros que sejam, cujo conteúdo espelha, reproduz ou reflecte, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, as normas de ética e civismo sobre o viver em sociedade em liberdade e conforme a integridade e dignidade dos demais, nomeadamente daqueles que não recebendo nada nem explorando minimamente os contribuintes, merecem ser respeitados por exercerem o seu direito ao conhecimento e valorização pessoal, mais que não seja, por isso mesmo, uma vez que essa evolução pessoal, se multiplicada produz impreterivelmente uma melhoria, ou subida de nível, dessa dita sociedade em termos de desenvolvimento humano. O que é indesmentivelmente benéfico e desejável à luz de todos os pressupostos locais, nacionais, europeus e universais. Posto isto, é deveras lamentável que o Dia dos Utilizadores de Bibliotecas tenha sido tábua rasa para a grande maioria delas, em Portugal, mas sobretudo, para a do nosso concelho, onde a qualquer hora do dia, dentro do horário de expediente, é óbvio, como se esta fosse um simples "escritório" da administração local!, sempre o número de empregados é maior que o dos utilizadores, sendo que são estes, que rentabilizam a informação existente e garantem a sustentabilidade das instituições, e não os primeiros, que apenas garantem os seus ordenados e sobrevivência própria, ou dos seus familiares, mas que só fazem para o merecerem o estar presentes, marcar pontos, e pavonear-se diluindo água-de-colónia aos quatro cantos do seu batuque simiesco com necessidade de afirmação.
Se não têm a mínima consideração pelos utilizadores porque se queixam tanto de estes não corresponderem à chamada quando organizam eventos de marketing e propaganda municipal? Os livros são produtos culturais, tais como o são os enchidos pata-negra ou a doçaria conventual, mas pensar que basta promover estas duas "iguarias" para que os primeiros apeteçam mais, é tão eficaz como vender Aldeias Velhas a quem quer pastelinhos de bacalhau: resulta enquanto o cliente está bêbado, mas eis que lhe passa o pifo, e a fome volta, com redobrada (co)incidência. Ou seja, foi aliviado o Orçamento de Estado com mais uma Direcção-Geral que não servia para nada, poupando-se na despesa, mas não beneficiando os contribuintes em nada com a medida, porquanto o problema (despesista) do livro e das bibliotecas não está no Orçamento mas nelas próprias e em quem as tutela, administra e nelas trabalha, uma vez que despreza inequivocamente quem as utiliza. E é também por isso, não só pela crise e pelo elevado défice, que a nossa nação está doente. Porque é um rio cujas margens são tão-só penedos rústicos e embrutecidos pelos escaparates medievais e obscurantistas, tão propícios às homenagens dos defuntos da cultura, quão esquecidos da vida que ela é...
Exactamente e apenas esquecendo.
Esquecendo.
Esquecendo.
Esquecendo...
Não fora um MAS que insistia, mesmo fora de sua época, em correr:
"E nas duas margens do rio nascia uma árvore da vida, dando doze vezes frutos e um [por] cada mês; e as folhas dessa árvore servia para curar as nações." (Idem)