5.05.2005

QUADRO DIGITAL


Eternizo cada segundo para encarnar mais a fundo no corpo.
Que possuo, agora? Queria acender uma fogueira
Assustar os bichos hediondos da floresta desta noite fria e escura
E eu tão nua de mãos dadas com a solidão... Apaixonei-me
Fervorosamente outra vez: É a paixão mais estabilizadora que conheci
A que menos promete, a que melhor cumpre.
Oferece-me a bóia do trabalho. Sou feliz aqui. A névoa de meus olhos
Entristece-me e sou feliz. Acendi a fogueira
Mas há sempre outra possibilidade
A dos animais ferozes se insurgirem contra mim na madrugada.
Os comprimidos são aliados e o chá torna-me leve e torneável.
O meu umbigo é fóssil; as minha unhas, os estragos das catástrofes
No globo, como grandes blocos de pedra, de basalto,
Originários do vulcão extinto: Beijo minha mão e não espero ninguém.
Ninguém me poderia consolar nesta noite fria e eu nua
Mas minha fogueira está acesa e meu anjo olha por mim.
Pego na manta aveludada, azul da minha solidão e aconchego-me.
Feliz e nua na noite fria ouço o barulho da floresta e choro
Porque o medo me faz viver. O medo é a agulha que pica meu rabo
Me faz saltar e reflectir. Fecho os olhos e desenho
Um rectângulo com o meu dedo indicador.
Depois, cada dedo meu é dono de uma cor
E adentro do rectângulo, desenho e rabisco, esborrato
Espelho-o com o que é meu mas não me pertence.
Porque tem vida própria e se projecta para além dela
Tal e qual como os movimentos de meus dedos pintantes
Cheios de vontades subjectivas de se erguerem ao sol
Ou quando a lua é pátina do céu. Chegou a hora!
Levanto a perna direita que se move para dentro do rectângulo.
Em seguida, a outra; e olho em redor, a tela onde vivia e recordo-lhe
Todos os traços, todos os cheiros, todo o seu pulsar (in)orgânico.
E saio de cena.

Caio no precipício e grito descontroladamente
Até se extinguir toda a minha voz, e o meu medo.
Continuarei em queda livre, completamente desamparada
Até moldar o meu corpo numa pena a saborear plena a doce queda.
Mas da pluma pode surgir um pássaro... E aí, consegui voar!
A pena mágica transformou-me em ave. Voei só.
Ao início, é difícil manter o equilíbrio e parece-se ave tonta
Tentando mecanizar o voo, a dirigi-lo através da cabeça (erradamente).
Só que voar, voar plenamente e com toda a substância da palavra
Faz-se com a alma, o coração.
Aprendi tanto nesta queda, reactivei tantos poderes escondidos
Soterrados debaixo da pele como sobre ela os sinais espalhados.
Abençoo a noite fria.
Abençoo meu dedo indicador e seu filho rectângulo.
Abençoo todas as cores que se revelaram e imortalizam o universo
O cosmos imagético escondido aqui dentro.
Abençoo minha estrada pela tela fora
E a queda
a queda
queda
que


Ave como ave que sou, e avista o planalto, junto ao mar
Qual plataforma de suporte ao farol,
E voo por cima do azul ondulante dos oceanos
Sobrevoo todos os planaltos para aterrar na minha luz.

Ouço o riso “em cascata” das crianças
O mar e os búzios a chocalhar nas pedras na areia.
É o momento de chegada. É tão real, que só pode ser um sonho.
Ali não há leis. Vive-se o hedonismo. Estou feliz e só. Novamente
O dia amanhecerá e estou segura porque o sol vai raiar.
Aquecerá meu coração...
É que sem ele, não se pode voar!
(conto)
Mas que história mais maluca, não acham?

Olá:
Chamo-me Luísa e tenho 12 anos. A história que vou contar já se passou há algum tempo.
- Luísa, anda; vamos até ao parque comer alguma coisa! - chamou uma amiga minha. Bem... que só amiga não é; é também uma vizinha. Ela tem 12 anos como eu, mas anda um ano mais avançada que eu na escola.
- O lanche está bom, mas apetece-me escrever um pouco mais da nossa história!
- Luísa, não, agora não vamos ficar a escrever. Se queres continuar com a história, encontramo-nos amanhã ás 14 h, na porta da escola para o fazer. Ah, já agora traz alguma coisa para nos sentarmos, que eu trago os rascunhos.
- Está bem. Então, até amanhã!
Fui para casa a pensar no que poderia escrever na história.
Pois é, já me tinha esquecido de vos contar, que eu e Amanda, a minha amiga, estamos a escrever uma história muito engraçada, em que entram todos os personagens de contos de infantis: a Cinderela, o Capuchinho Vermelho, a Alice no País das Maravilhas, etc.
Portanto, no dia seguinte, eu e a Amanda encontrámo-nos no portão da escola, tal como o combinado.
- E agora, para onde vamos? - perguntou Amanda.
- Acho que podemos ir para o parque, mas não para aquele onde fomos ontem. Ao outro, sabes, aquele que tem um riacho no meio?
- Sim, vamos para lá.
Sentámo-nos debaixo de um chorão e ao fim de uma hora de trabalho, decidimos descansar um pouco. Deitei-me de barriga para cima e olhei para o céu límpido, com nuvens muito branquinhas e fofas.
Mas de repente senti as pálpebras pesadas e adormeci.
- Acorda Luísa, acorda! - chamou uma voz desconhecida.
Quando dei por mim estava deitada na relva e em frente tinha um lago com patos. Olhei para o lado e vi uma linda menina, de cabelos de oiro e olhos azuis, que trazia vestida uma túnica azul e um avental de linho branco bordado a doirado como os raios de sol.
Ela logo que me viu abrir os olhos puxo-me para o lago. Achei que ela era maluca, mas não resisti. Afinal, levou-me para um bonito palácio de cristal, onde estava a ser celebrada uma festa.
- Onde estamos? -­ perguntei.
- Sou a Alice e estamos no casamento da Bela e do Monstro, mas não me perguntes mais nada, pois não sei porque estás aqui; provavelmente és a convidada de honra.
- Eu?!... Convidada de honra? – não estava a perceber patavina do que se estava a passar, pois no meu mundo, não existem palácios de cristal no fundo dos lagos...
- Sim. Pelo menos disseram-me para ir buscar uma menina lá fora, e só te vi a ti!
Ela deixou-me ali à sua espera enquanto foi perguntar se era mesmo a convidada de honra... Bem, até que nem me importei de estar ali sozinha, pois queria reflectir sobre o que estava a acontecer. Afinal quem era eu naquilo tudo?
Só havia uma explicação: se aquela rapariga era a Alice e estava no casamento da Bela e do Monstro, só podia estar na história que eu e a Amanda andamos a escrever!
- Luísa, ainda estás aí?
- Sim, porquê?
- É que tens de estar presente na entrega das alianças, visto sempre és a convidada de honra.
- Então vamos lá – disse eu ainda meio atordoada com tudo. E levou-me aos noivos.
- Olá Luísa, sou a Bela e este será o meu marido, o Alfredo.
- Muito prazer. Mas podes chamar-me Monstro – disse o Alfredo apertando-me a mão. – Deves ser uma das meninas que vai à frente com um cestinho de flores, não é?
- Bem, eu pensava que era a convidada de honra...
- Não, não. Porque ela, aliás, está ai a vir – disse a Bela.
De facto, uma amiga deles estava quase à nossa frente, interrogando-se sobre quem seria eu.
- Vês? Esta é que é a nossa convidada de honra. Mas de qualquer modo podes ficar a ver o casamento.
No meio do casamento estava a começar a preocupar-me com a minha saída, mas não me tive que preocupar com isso muito tempo, porque alguém chamou por mim, numa voz que parecia vinda de longe…quando acordei estava a suar sentada em frente da Amanda.
- Já é tarde, acho que devíamos de ir para casa.
- Luísa, não sei como conseguiste dormir a tarde toda.
- Nem eu!!! – disse rindo.
No caminho fui-lhe contando o “sonho” que tivera. Amanda ouviu a minha história, mas acho que ela não acreditou muito no que eu lhe contei.
Também eu achei que aquilo tudo não passava dum belo sonho, mas quando ao chegar em casa e vi um dos sapatos de cristal que a Bela usara na festa, em cima da secretária, em que agora estou a escrever, a história mudou completamente... É que há coisas em que é muito difícil não acreditar!

Fim

Linda Renner

La vida es un tango y el que no baila es un tonto

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Dos calhaus da memória ao empedernido dos tempos

Onde a liquidez da água livre

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Também pode alcançar o céu

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