MUITA CHUVA E POUCA PARRA
Pese
embora, no presente ano, estejamos a
verificar uma pluviosidade acima da média, no que toca ao Alentejo, quero eu
dizer, o que é certo, é que a ONU continua a referir nos seus relatórios
oficiais que existe uma relação direta entre a escassez de água e o
subdesenvolvimento, que o mesmo é dizer, que o desenvolvimento depende em
grande parte da sua fartura, e que a pobreza, a fome e a doença, que afetam boa
parte da humanidade, e que pode vir a afetar cada vez mais pessoas num futuro
não muito longínquo, tem causas enraizadas nas alterações climáticas e dos
impactos destas nos aprovisionamentos hídricos dos povos, mas também, e
principalmente, nos modelos de gestão da água que os governos e governâncias
vão adotando, bem como do planeamento que estipularam para este recurso.
Um
terço da humanidade está ainda com problemas no seu quotidiano devido ao
abastecimento de água potável, e um quinto enfrenta mesmo uma luta permanente
pela própria sobrevivência, ou a do seu agregado familiar, que obriga, em não
raros casos, a deslocações diárias de várias dezenas de quilómetros até ao poço
mais próximo, gastando nelas bastas horas úteis do seu dia solar, às vezes só
para descobrir que esse poço, afinal, secou, e que é preciso ir mais adiante
uns quantos quilómetros, para alcançar outro e conseguir alguns litros de água
que permitam sobreviver mais alguns dias, com inequívoca frugalidade, é óbvio,
e que essa quantidade que para os ditos povos é preciosa, não passa ela,
todavia, para os habitantes dos países desenvolvidos, de uma mera descarga de
autoclismo, sugerindo-nos quão banais podem ser as necessidades dos outros
desde que as nossas estejam satisfeitas.
Porém,
isso é uma mentira de todo o tamanho. No mundo atual, quando uma população está
em dificuldades, no que concerne aos recursos naturais, significa que aquelas,
que o não estão pelas mesmas razões, não estão livres de o virem a estar, antes
pelo contrário, pois a roleta das alterações climáticas pode acertar no seu
número, e a sorte virar azar, com a rapidez característica que concedemos a
tudo o que é inesperado, e de desenvolvidas passarem a subdesenvolvidas, com
agravante de se encontrarem menos resistentes a essa escassez, uma vez que a
fartura seja do que for nunca preparou ninguém para a sua falta. Isto é, não é
pelo fato de ter chovido abundantemente que podemos achar razão para gastar
água a rodos, regando jardins e relvados mesmo quando não precisam de ser
regados, simplesmente porque não queremos dar-nos ao trabalho de alterar/regular
o agendamento/planeamento do aspersor de rega automática, porquanto a dita água
pode ou não vir a faltar, sem dúvida, mas o que também é indubitável é que
autarquia que a desbarata vai ter que a pagar à empresa fornecedora, e que essa
verba desperdiçada podia ser utilizada a suprir necessidades reais dos
munícipes que tutela, sejam eles idosos ou criança, desempregados ou
desabrigados. Principalmente porque se a chuva é para todos, já a água é só
para quem pode. E, como ditam as crises, quem a merece. É que, frequentemente,
a parra fica curta, quando a vergonha é grande… Entendido? É por isto que gosto
tanto da minha gente: só com meia palavrinha, e já a verdade toda veio ao de
cima!