O Discurso de Vergílio Ferreira Como Questionação de Deus
Maria Joaquina Nobre Júlio
350 Páginas
Misturar Deus com análise literária, embora que vernáculo e pré-bíblico, pode também ser ousado. Além de profundo e exímio em cumplicidades, sobretudo terrenas. Portanto, a ideia deste trabalho, que posteriormente virou tese de doutoramento, de escamoteamento das relações dos autores como divino, em geral, mas que em particular é tanto da responsabilidade da autora como de Vergílio Ferreira (VF) que em vida o sugeriu, e leu, subscreve-se plenamente na interpretação da leitura das obras, uma vez que é impossível abstrairmo-nos dela, por ter sido naturalmente ela que a inspirou.
E assim, merece o título escolhido um reparo especial, que reporta não só à prosa daquele que é (nele) analisado, como também à natureza desta tese. Porquanto o termo "questionação" não se emprega aqui como significativo de pôr em causa a existência de, ao caso Deus, nem para vilipendiar, apostrofar, discutir ou contestar uma essência, mas sim na medida em que esta reflecte uma ansiedade de busca, como no sentido que Heidegger lhe dava, ao propor-nos que "todo o questionamento é uma procura", sendo parte integrante dessa procura também a descrição/narrativa do caminho percorrido além do destino alcançado. Neste contexto, que afinal é o preferido (e proferido) pela a autora, o que a obra de VF mais evidencia, na forma como coloca os seus personagens e fantasmagorias perante Deus, e os obriga a um exame de investigação ininterrupta, talvez erigida à custa de muita ansiedade, desejos incontidos, contradições, desabafos, falsos reconhecimento e negativismos duvidosos, não é uma tentativa de se assegurar da existência de Deus através da fé, coisa assaz pouco intelectual e madura, antes uma maneira de o conseguir pela reflexão contínua e continuada, quase obsessiva, que resulta, ou em cujo discurso romanesco sobressai, a notória intenção de demonstrar pela "experiência laboratorial" da narrativa de ficção que as ideias e posições explicitadas, quer nos seus Ensaios, quer no seu Diário, integram um roteiro imagético.
Ao falar do modo de encarar (ou compreender) Deus, tal como o fez VF, que ao longo da sua obra nunca o tratou como uma evidência irrefutável, quiçá uma desfeita ao império racionalista, nem como atalho de mínimo esforço para facilitar a compreensão do Homem, do Mundo e da Vida, mas antes calculadamente com o rigor, precisão e exigência de honestidade intelectual, que um diálogo franco e aberto carecia para, no seu evoluir constante, facilitar uma purificação de posturas e relacionamento "descomprometido" com o divino. O que legitima sem dúvida a pretensão de Maria Joaquina Nobre Júlio, em não entrar em polémica sobre a existência ou não-existência de Deus, isso pertencerá ao foro íntimo de cada um que lê, e que até sua fé dificultaria, e que ao invés preferiu equacionar e interpretar, de forma interdisciplinar, embora que sob a autoridade do texto, a excelsa convivência e interpenetração entre dois discursos tão impermeáveis – o narrativo, ou literário – e o reflexivo – filosófico ou teológico – conseguidas numa obra que também é o espelho (relato) e a memória de uma vida. Ou de muitas, as nossas, já que lendo-o estamos igualmente a participar do seu questionamento e a fazer a nossa própria busca, em aturada e meticulosa questionação. Como VF o fizera. Precisamente, com mente lúcida. E precisa.
Maria Joaquina Nobre Júlio
350 Páginas
Misturar Deus com análise literária, embora que vernáculo e pré-bíblico, pode também ser ousado. Além de profundo e exímio em cumplicidades, sobretudo terrenas. Portanto, a ideia deste trabalho, que posteriormente virou tese de doutoramento, de escamoteamento das relações dos autores como divino, em geral, mas que em particular é tanto da responsabilidade da autora como de Vergílio Ferreira (VF) que em vida o sugeriu, e leu, subscreve-se plenamente na interpretação da leitura das obras, uma vez que é impossível abstrairmo-nos dela, por ter sido naturalmente ela que a inspirou.
E assim, merece o título escolhido um reparo especial, que reporta não só à prosa daquele que é (nele) analisado, como também à natureza desta tese. Porquanto o termo "questionação" não se emprega aqui como significativo de pôr em causa a existência de, ao caso Deus, nem para vilipendiar, apostrofar, discutir ou contestar uma essência, mas sim na medida em que esta reflecte uma ansiedade de busca, como no sentido que Heidegger lhe dava, ao propor-nos que "todo o questionamento é uma procura", sendo parte integrante dessa procura também a descrição/narrativa do caminho percorrido além do destino alcançado. Neste contexto, que afinal é o preferido (e proferido) pela a autora, o que a obra de VF mais evidencia, na forma como coloca os seus personagens e fantasmagorias perante Deus, e os obriga a um exame de investigação ininterrupta, talvez erigida à custa de muita ansiedade, desejos incontidos, contradições, desabafos, falsos reconhecimento e negativismos duvidosos, não é uma tentativa de se assegurar da existência de Deus através da fé, coisa assaz pouco intelectual e madura, antes uma maneira de o conseguir pela reflexão contínua e continuada, quase obsessiva, que resulta, ou em cujo discurso romanesco sobressai, a notória intenção de demonstrar pela "experiência laboratorial" da narrativa de ficção que as ideias e posições explicitadas, quer nos seus Ensaios, quer no seu Diário, integram um roteiro imagético.
Ao falar do modo de encarar (ou compreender) Deus, tal como o fez VF, que ao longo da sua obra nunca o tratou como uma evidência irrefutável, quiçá uma desfeita ao império racionalista, nem como atalho de mínimo esforço para facilitar a compreensão do Homem, do Mundo e da Vida, mas antes calculadamente com o rigor, precisão e exigência de honestidade intelectual, que um diálogo franco e aberto carecia para, no seu evoluir constante, facilitar uma purificação de posturas e relacionamento "descomprometido" com o divino. O que legitima sem dúvida a pretensão de Maria Joaquina Nobre Júlio, em não entrar em polémica sobre a existência ou não-existência de Deus, isso pertencerá ao foro íntimo de cada um que lê, e que até sua fé dificultaria, e que ao invés preferiu equacionar e interpretar, de forma interdisciplinar, embora que sob a autoridade do texto, a excelsa convivência e interpenetração entre dois discursos tão impermeáveis – o narrativo, ou literário – e o reflexivo – filosófico ou teológico – conseguidas numa obra que também é o espelho (relato) e a memória de uma vida. Ou de muitas, as nossas, já que lendo-o estamos igualmente a participar do seu questionamento e a fazer a nossa própria busca, em aturada e meticulosa questionação. Como VF o fizera. Precisamente, com mente lúcida. E precisa.