E AINDA HÁ ALGUÉM QUE SE PERGUNTE PARA QUE SERVE A EUROPA?
Se “a lei pune os funcionários públicos e os titulares de cargos políticos, que, no exercício das suas funções ou por causa delas, solicitarem ou aceitarem, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhes seja devida” (conforme afirma NARCISO MACHADO, juiz desembargador jubilado, no artigo de opinião A lei e ética como limites da acção política, constante do jornal Público nº 9620, do XXVII ano, de 18 de Agosto de 2016), então é, no mínimo, absurdo que ao abrigo dos usos e costumes tal não aconteça, em Portugal, com a regularidade e frequência necessárias e suficientes para sairmos dos lugares cimeiros do ranking dos países mais corruptos da Europa. Principalmente porque a “autorização legisladora” nacional, de acordo com a ordem (constitucional) vigente recai e está centrada na Assembleia da República e no Governo, o que indicia, consequentemente, que foram os políticos, instituições e altos funcionários do Estado, no exercício democrático de que estavam imbuídos, que legislaram para os poderes executivos, igualmente democráticos, e em usufruto de um direito que lhes foi outorgado/consagrado, aplicarem na prática da governancia, quer institucional, quer governativa.
Ou seja, em abono da verdade, ou à luz da sensatez, consciência cívica e ética de um Estado de Direito, que aconselha que sejam exatamente os políticos e funcionários públicos os primeiros a cumprir as leis, não somente para não perderem a autoridade moral que lhes concede o direito (merecido) de as imporem aos demais, mas também para emitirem um sinal de transparência e honestidade democrática aos paisanos do establishment, sociedade civil e tecido económico/empresarial, fazendo a pedagogia do exemplo, eis que são incontornavelmente estes a fugir à lei, a fintar a justiça, a ludibriar as intenções do legislador, fazendo da ordem jurídica letra morta.
O caso voltou a ser verificável hoje, na proposta administrativa governamental para a Caixa Geral de Depósitos (CGD), em que das 19 personalidades que a integravam, só 11 foram aceitadas pela entidade reguladora para o fim em causa, o Banco Central Europeu (BCE), ou, mais rigorosamente 10,5 – uma vez que o próprio presidente da CGD se encontra em estado de exceção, acumulando à presidência do Conselho Administrativo da Caixa também a presidência da Comissão Executiva da mesma CGD, o que nos sugere haver já em ascensão uma nova estirpe de “donos disto tudo”. Digamos que tivemos sorte desta vez, porquanto fomos obrigados a cumprir a nossa lei, não porque fosse vontade expressa dos responsáveis nacionais, mas porque a Europa tutela neste capítulo da área financeira, o que nos deixa com a pulga atrás da orelha, pois se não fosse o BCE a interpretar e aplicar a lei, certamente esta seria cilindrada pelos célebres usos e costumes da tradição do, não obstante ela, a lei, “na terra do bom viver, faz-se como se vê fazer”, filosofia nascida do igualmente tradicional “uma das mãos lava a outra, e com as duas lava-se a cara”, e da cumplicidade pacóvia do “tu que sabes e eu que sei, cala-te tu, que eu me calarei”, tão ao gosto dos brexistas à portuguesa.
É caso para dizermos que, felizmente, ainda vivemos em democracia e ainda integramos a UE – União Europeia… Que remédio!
Joaquim Castanho