Fragmentos do Dizer Fragmentos
1.
Já era quase noite neste dia ainda o mesmo dia
Quando comecei a escrever-te mas é de madrugada
Quando a aurora do odor do teu corpo se mistura
E dilui em brasa no perfume acidulado da rosa canina
E seu fumo evola e dança entre nós urgentes e nus
Que os ventres se requerem desesperados e sôfregos
E se fundem num só fogo de igual fragrância de sangue
Latejante sangue, febril e avassalador de esquecimento
Que cheira tão bem que até dói custoso de acreditar
As folhas a arderem estralejando desde a semente à raiz
Libertando fleumas de convergir na morrinha da manhã.
Eu confesso que também não sei quase nada das horas
Dos dias e do tempo apenas reconheço os minutos que sinto
Na intensidade dos sessenta segundos de pensar em ti em ti
Em ti no analógico desmedido até ferver cachoeiras de DNA
Furnas de lava ácida nucleónica borbulhante nas lagoas cerebrais
Ou desmesuradas quedas de água interior a despencar abruptas
Precipícios líquidos do desejo com que te dissolves em mim.
Há outras coisas que quero igualmente dizer-te sem parar
Claro, mas que podem esperar ainda pelo sacrifício do verbo
Quando o degolarmos na pedra ou altar de todos os silêncios
E o seu latido agonizante raspar o arrepio e sulcar a alma
Com as pontas de diamante das estrelas que anavalham o medo
O rasgam de alto a baixo e esfaqueando-o como cristais cintilantes
Plantam nas telas do céu diamantinos e fulgentes soslaios
Esses teus com que dizes não à morte de nenhum animal
Flor, árvore, ideia, cor, som, gesto, expressão de agora ser
Porque tu preferes que profira a vida em linhas de horizontes
Paralelos sobre a paralelidade como socalcos de aproximação
Palavras sobre palavras a irromper no imo seio das veias
E pulsantes impulsionem as correntes águas a espraiarem-se
Até não podermos mais de tanto ruborizarmos no inconfessável
Vermelho desejo do tumescente segredo no beijo sequestrado.
Porque quando se é julgado por incendiário e ter ateado fogo
À floresta dos sonhos incondicionais e estes em labaredas
Te incendiarem o corpo no suplício da obsessiva possessão
E me possuíres em ti como um crime consumado no imo foro
Então poderei explicar sem as usuais contundências iludórias
Da retórica dos remorsos e rebates dos desejos arrependidos
Que mergulhei na morte abraçado ao meteorito incandescente
Do teu beijo e atravessei-a toda num golpe de adaga imperial
Em voo picado de corvo marinho sobre o oceano do tempo
Separando a eternidade em duas metades como fruto maduro
Cometa acutilante de unha felina a dizer a fresta que nos une.
2.
Ninguém soletra o meu nome assim como tu assim
Ninguém lhe reconhece sentidos novos de dizê-lo
Simplesmente como se ele estivesse à porta e esfinge
Fosse do ARN mensageiro a resposta electrodérmica
A genética dos significados universais que há em cada um
O alfabeto ancestral que nos circunscreve o ritmo circadiano.
Quando dizes Joaquim eu percebo imediata e exactamente
Como pode uma mão tão pequena guardar tantos segredos
Ou quem sou eu para calar o indizível se atómico, nuclear
Dos sentidos a condição sine quoi non da notícia garrafal
A espalhar a ocorrência de um substantivo que desnaufragou!
Sim, quem sou eu para desoxirribonucleizar o silabar da voz
Erigir barragens sucedâneas para os rios e lagos amnióticos
E sereno me quedar fumando cigarro atrás de cigarro na tarde
Enquanto se pratica a traição do verbo estanque intransitivo
Quieto que nem uma bruma branca no gris artificial do modo
Permitindo ao sol depositar seus óvulos de solidão sobreaquecida
Pelos protozoários da incerteza na frigideira da planície afogueada!
Não; não esquecerei jamais as linhas esquerdas da tua mão
Repetindo que há outra vida na própria vida que eterniza a vida
Qual paixão dum girassol celestial a seguir a luz do teu olhar
Cruzando os tempos e distâncias imemoriais apenas na esperança
De rever teu sorriso pleno de mansidão confiada na minha fidelidade
Que já não inventa significados adversos por cada nome que repetes.
Mesmo que às vezes dê comigo a esbracejar enredos prò teu silêncio
Receios nebulosos nos dentritos aferentes dos axiomas da insegurança
Da angústia de não poder despir a molécula do destino com a língua solta
Obrigar as sinapses ao strip-tease profundo da história da espécie
Tecer com elas a malha, a teia, a rede, a cama elástica, o trapézio
Onde as hipérboles e elipses helicoidais do futuro nos balançam...
Ainda que sôfrego consuma cada segundo apressando a tua chegada
Hei-de ser-te fiel até à voz do restolho nas estepes
Quando sussurra seu grito estaladiço sob os pés
E nus desvendam o segredo da raiz na morte inerte
Ali sucumbido ao impudor escaldante do sol abrasador
Aquecerei meu sangue como lagarto na laje dos morouços
A absorver sequioso o secreto sigilo de teus sonhos e gestos.
Indubitavelmente. Ali... Fiel até às palavras que nunca me dirás!
Convite para partilhar caminhos de leitura e uma abertura para os mundos virtuais e virtuososos da escrita sem rede nem receios de censura. Ah, e não esquecer que os e-mails de serviço são osverdes.ptg@gmail.com ou castanhoster@gmail.com FORÇA!!! Digam de vossa justiça!
8.09.2005
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