8.29.2012


PRÉ-HISTÓRIA DO FUTURO

O rapaz levantou-se, abandonando o leito confortável, e olhou em volta.
– Isto não é bonito – disse.
A sala tinha um aspeto bizarro. Muitos objetos partidos estavam amontoados a um canto. O rapaz franqueou a porta, após ter tateado um momento para encontrar o sistema de abertura.
A sala seguinte estava cheia de livros amontoados no chão. O rapaz pegou num, examinou-o e sorriu.
– É uma caixa que fala com os sinais dos deuses – concluiu.
Leu um pouco e não compreendeu grande coisa. Deitou fora aquele e pegou noutro, grande e pesado. Abriu, virou a primeira página e leu: «Dicionário universal enciclopédico. Edição 900 P-R». Depois, passou uma página branca. A página seguinte apresentava um magnífico A.
– A – disse o rapaz, passando o dedo pela letra.
Depois, mais abaixo leu:
– A, a. Primeira letra e primeira vogal do alfabeto humano. O A vem-nos do nosso antepassado homo sapiens terrestre, o animal mais evoluído do seu planeta nos tempos pré-venusianos.
O rapaz virou várias páginas e chegou à palavra alfabeto. Leu atentamente várias vezes, sentindo prazer em reconhecer, todos reunidos, os carateres de que tanto gostava. Depois observou o livro e deu uma alegre risada.
– O rapaz negro percebeu. Todas as coisas estão arrumadas como no alfabeto, primeiro A, depois B, depois C, até ao fim; depois entre A e B, primeiro Aa, depois Ab, depois Ac. E a seguir Aca, Acb, Acc... O rapaz negro compreendeu. Vai procurar o grupo dos sinais que se chama: deus.
«Deus – sentido próprio: superstição grosseira do animal "homo sapiens" preenchendo comodamente todas as falhas do seu saber pela existência de um ser invisível e perfeito, omnisciente, omnipotente, eterno, criador e senhor de todas as coisas. Certos animais de Marte acreditam ainda num Deus. Os Srrebs de Vénus acreditam em vários deuses (ver Srreo). Sentido figurado (familiar): chama-se deus a um personagem ridículo e ignorante que toma ares sapientes».
O rapaz negro abanou a cabeça.
– Estes sinais dizem coisas estranhas!
 
In STEFAN WUL, Pré-História do Futuro, tradução de Mário Henrique Leiria, coleção Argonauta, Edição «Livros do Brasil» Lisboa. Págs. 173/174 

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