Par de Tango/a prà Dança do à Rasca
“Quem lava uma coisa lavada
Ou é burro, ou anda com ela fisgada!”
Provérbio popular casalparadense
Nestas (an)danças, estou convencido que havemos de fazer uma boa parelha, tu e eu, pois assim poderemos arremeter contra as intempéries e agruras do quotidiano como se de uma empresa fizéssemos parte. E como sócios maioritários. De responsabilidade ilimitada, embora que na medida das possibilidades de cada um. Mas não esquecendo nunca que a alma humana não tem fronteiras nem determinações absolutas. É uma unidade coletiva dentro do ramo do para o que-der-e-vier, com atividade (con)centrada na felicidade de lutar, ou cujo essencial motivo reside em proporcionarmos o máximo da felicidade imaginável, uma ao outro, e a outra a um, porque só assim é possível alcançar o maior número de vitórias, êxitos nos empreendimentos, sucessos nas demandas. Todavia, convenhamos, esse objetivo encontrará diversas resistências num ambiente cultural que se caracteriza sobretudo pela ordem inversa da lógica e racional, enfim numa sociedade onde os que têm habilitações para o desempenho das funções inerentes à sua profissão fazem os serviços menores, carregam mobílias e caixotes, fazem biscates de consertos vários, são caixas de hipermercado ou serventes de obras, ou seja, fazem o trabalho indiferenciado, e os que não sabem fazer absolutamente nada ficam a ver e a mandar, são coordenadores ou encarregados disto e daquilo, ou ficam sentados em secretárias, durante o horário de expediente, como se fossem doutores, quadros superiores, mestres e engenheiros. Creio que é necessário errar para avançar seja no que for, mas nada de abusos: insistir na mediocridade atribuindo aos inúteis a valia que cabe aos competentes e eficazes, sob o pretexto da humanidade igualitária, pode trazer enormes dissabores e desmandos, que nos agravarão a crise nas partes (Hui!), instituição a instituição, como no todo, diminuindo a eficiência e eficácia das políticas e planos de estabilidade e crescimento – os célebres QREN’s e PEC’s dos nossos pecados. Num país em que os melhores são os pior tratados, a falência e a banca rota são apenas, como perspectiva, a única possibilidade previsível com larga prioridade nos resultados.
Por outro lado, devemos reconhecer, que o país, a nação, a nossa pátria, não são os outros, nem algo que nos é alheio, nas condições e diagnósticos como nas estratégias e programas: somos nós. Cada qual é um órgão elementar e inalienável desse todo que se quer coeso e histórico. Por isso, seria aconselhável deixar para trás a abdicação e o laxismo. Porque ele, ou ela, a pátria, é a imagem perfeita do povo que a contém. Se somos corruptos, é ela corrupta também. Se somos surrealistas na administração do Estado, então o caos social não nasceu por ordem e graça do espírito santo, fomos nós que o criámos. Mas não por erro, que esse ainda é o único caminho possível para o êxito e desenvolvimento (: só crescemos e nos desenvolvemos por engano, como sucedeu com a descoberta do Brasil e, depois, com a sua independência). Por burrice e corporativismo, que o mesmo é dizer, por comodismo desinteligente e criminoso, sob o explícito fim de trambicar e burlar o próximo. Quando era pequeno – embora nunca tenham sido grande, uma vez que 1,60 m não garante a nenhum adulto chegar à prateleira de cima de qualquer hipermercado ou mijar nos urinóis (públicos) dos homens sem se pôr em bicos dos pés – explicaram-me que estávamos a dirigir-nos para a Utopia, e que isso era mau, era péssimo, pois se lá chegássemos só nos restariam duas formas radicais de tédio: A Cidade do Sol, ou A Ilha da Sociedade Socialista, SS, que por sinal, foi exatamente a sigla da polícia secreta e especial de Hitler, demonstrando bem como os extremos se tocam neste género de definições. E empreendimentos.
A sociedade do futuro não agoirava nada de bom, principalmente se tivermos em conta que os melhores projetos, encabeçados pelos Admirável Mundo Novo (Huxley) e 1984 (Orwell), deixavam muito a desejar, no capítulo das garantias, direitos e liberdades, como no do bem-estar, qualidade de vida e sustentabilidade planetária. E Portugal estava enraizado em ambas, pela rota da agonia sistemática, entre a ditadura e a democracia do assim-assim. Vegetávamos na praia do não-me-comprometas a ver o que dava, e eis no que deu!
Porém, lá rumámos à Europa, ao sabor dos Fundos de coesão e convergência, plantando alcatrão e espalhando CO2 por todos os baldios e charnecas, a que chamávamos crescimento e progresso. Semeámos também algumas catedrais do conhecimento enciclopédico no intuito de criar massa crítica, contudo apenas frutificou em novas oportunidades azedas e muita parra preta nas arruadas da copofonia. Empestámos os lençóis freáticos, os campos e rios com pesticidas, inseticidas e herbicidas, e as praias com lixeiras de garrafas, plásticos, beatas e latas de conserva ou refrigerantes. E as piscinas, e arrozais com buracos de golfe ou estádios para campeonatos de desportos moribundos – e mundiais que não passaram de projetos a concurso.
Então, de acordo com as circunstâncias, e atendendo que é preciso ter coragem para errar, podemos dizer que somos todos uns valentes. Autênticos e olímpicos na manobra do esconder com perícia e da metáfora: para nós nunca nada foi o que pareceu – pois quanto aparentou foi sempre outra coisa, e essa jamais se fundamentou no que era mas no que queríamos ou quiseram que fosse. Progresso foi metáfora de desenvolvimento, mas apenas gerou estagnação surripiadora de fundos e subsídios, visto que em Casal Parado ficou tudo na mesma, e quando falhámos foi só em não conseguirmos fazer ainda pior do que já estava, que é precisamente esse o significado de insustentabilidade. E até na verdade fizemos dumping(1), tendo uma lá para fora e outra cá para dentro, vendendo por depreciação o que se enaltecera anteriormente, umas vezes, ou apresentando como dados estatísticos aquilo que não passava de resultados de estimativas ou sondagens encomendadas, outras.
E se fomos campeões em alguma coisa, não resta agora a mínima dúvida, terá sido unicamente em desperdiçar, edificando prédios sem racionalização energética nem acesso universal, cidades inaptas para pedestres, transportes públicos altamente poluentes e exclusivamente dependentes de combustíveis importados, com promontórios de subida e descida que obstaculizam o acesso a deficientes e idosos, desertificámos o interior e sobrepovoámos os litorais, criando megazonas metropolitanas, contribuindo para o aquecimento global e alterações climáticas valentemente.
Porém, estivemos sempre prontos a crucificar os demais se trabalhassem ou criassem algo, difamando-os em prol da defesa da nossa corporação, clube ou partido, diminuindo quanto fizessem, e sobretudo, com afinco e militância permanente, apelidámo-los de excêntricos e iluminados se não subscreveram ou elogiaram a mediocridade geral, como de exibicionistas ostensivos e se calaram perante o que mostrámos,quanto fizéramos ou pensáramos. Até que finalmente o conseguimos e presentemente estamos todos na merda, corajosamente entranhados nela e heroicamente convictos que a culpa foi da crise. Qual crise? Excelsa e exclusivamente essa: a da nossa identidade. Ou que a culpa foi da oposição, que se negou a colaborar corajosamente no erro até ao colapso final. Ah, valentes! Sim senhora, dignos de um hino que vista com ouros e brocados as armas e brasões [barões?] assinalados que da ocidental praia lusitana foram por défices nunca antes alcançados. Isso. E valentemente! Que agora cá estamos eu e tu, para dançarmos numa roda-viva tentando sobreviver entre a desonra de sermos portugueses e a indignidade sermos vistos pela Europa como incapazes de nos governarmos sem a caridade dos fundos comunitários. Ou pequenos mas infantis!... Que quem derruba um governo que já não governa, quer é esmolas, papas e taberna.
(1)Dumping – (economia) Venda de produtos no estrangeiro a preços mais baixos do que os praticados no mercado interno com o objetivo de dominar o mercado e afastar a concorrência.