8.22.2007

Contra quem?

Há pessoas que só fazem bem a uns desde que com isso possam prejudicar os restantes. Nunca votam a favor de nada mas sempre contra, ou sobretudo naqueles que consideram mais aptos e bem apetrechados para melhor fazer o mal aos seus "odiados preferidos". Se indagados negam, mas o único valor que preservam e defendem é o seu direito a molestar todos aqueles de quem não gostam, prescindindo de qualquer motivo ou causa que o justifique. Não raros, para o conseguirem com maior eficácia e precisão, pedem a ajuda de Deus e auto-intitulam-se seus mandatários, arautos, discípulos e obreiros. E sacerdotes.
Alli Bhathmhumah, muçulmano famoso pela sua habilidade manual, quis um dia apresentar-se perante o seu Anjo como o melhor, mais insigne e ajuizado e fiel dos súbditos de Alá, e, por acrescento ou extensão lógica, de Maomé o seu profeta. Evitara cair na esparrela cristã da confissão dos pecados, para assim renovar a pecação, visto que após o cumprimento da penitência correspondente ficaria puro, virgo e impoluto, que o mesmo é dizer, pronto e disponível para voltar a pecar com idêntico fervor e igual desempenho nos prazeres iniciais, sem incorrer no risco de perder as boas graças do seu Senhor, mas ao contrário recolhera-se em meditação, profunda digo eu, purificando-se pelo jejum num ramadão de abstinência total. E nem sorver sequer o narguilé se permitiu, porquanto desconfiava da inocência e ingenuidade do seu anjinho, que lhe devia vigiar, em laboração contínua, cada um dos seus gestos, pensamentos e emoções, uma vez que há muito descobrira que não haverá ninguém nesta vida, ou na outra, que podendo fazer uma coisa a não faça, simplesmente por pudor angelical ou preceito moral que a isso incite.
Foi tentado por nuvens de estorninhos que lhe abalroaram a figueira, comendo entre grasnidos estridentes os seus mais deliciosos e melados figos, salpicando-lhe as vestes com os fiapos destes, e o tapete de lã de cabra com motivos tribais que sob ela – a figueira – depusera e sobre o qual se sentara em posição de lótus, mais coisa menos coisa, que isso do contorcionismo na asana nunca fora o seu forte, para deambular pelos abespinhados escombros da consciência, afoitando-se até aos seus recantos menos esclarecidos, concentrando-se nos mais ínfimos pormenores e cascalhos vários que lhe trouxessem de volta a retouçada infância; esteve à beira do brusco desfalecimento quando vislumbrou a chuva de cometas despencados dos píncaros do céu de A gosto, convicto de que eram um sinal, muitos sinais, miríades de sinais do seu Anjo, que assim o admoestava contra pruridos, sentimentos e tentações inspirados na samaritana que lhe matava a sede e servia limonadas (ou garrafadas...) na esplanada junto ao lago; quase sucumbiu de vergonha quando um apalpadeiro da judiciária lhe procuro nos bolsos e refegos do corpo a arma de possíveis crimes ainda por praticar; todavia, imbuído de otomanas e imperiais ousadias, almejou o futuro num golpe de asa: levantou-se num aspe, pediu terreno e dinheiro à câmara municipal, pediu mais dinheiro ao governo e às forças internacionais implementadas no terreno, convocou os préstimos da universidade local para arquitectar o projecto, garantiu por protocolo as limpezas, cozinhas e manutenções do equipamento e seus utentes com os mafiosos isabelinos santificados, e criou uma casa de abrigo para solteiros e solteiras, divorciadas e divorciados, com disfunções erécteis ou vaginais. Enfim, à custa do coitado e da coitadinha, lá construiu a sua mansão IPSS, que chamou de "casinha". Os dinheiros eram públicos, os terrenos também, mas "olá" a sua casinha era só sua, muito sua, toda sua e de mais ninguém.
"Esperteza muçulmana e infiel e bárbara", ouvi eu murmurar... "Ciganice à antiga portuguesa", cochicharam os devotos da tradição... Certo. Mas foi apenas ficção!
Agora saiamos dela, e vamos ali a Faro, onde a Junta Diocesana construiu um Centro de Acolhimento Temporário para raparigas em risco, que custou 700 mil euros, dos quais 65% vieram do Instituto de Segurança Social, logo dos "bolsos" da República, do Estado, e 25% da autarquia local, e foi inaugurado com a presença de Sua Excelência, o ministro do Trabalho e da Segurança Social, Vieira da Silva, numa demonstração de clareza intencional, racionalidade de meios, custos e equipamentos, objectivos totalmente definidos e transparência processual, nada mística e muito menos missionária. Sem a mínima propagandação de alcorões ou marketing para venda de tapetes voadores... Na excelsa demonstração de quanto pode a criação na contínua e renovada invenção das árvores das patacas, que permite enriquecer uns à custa dos outros, sob a legalidade das finanças locais e transferência de competências, edificando instalações e equipamentos nos quais apenas se investiu uns míseros 10%, mas que lhe serão pertença incondicional para todo sempre, mesmo depois de já não ter "raparigas" para acolher.
A expensas do Estado e das autarquias, logo de todos nós, as Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS) estão a construir os seus equipamentos, dos quais serão os mui dignos e únicos proprietários, onde colocarão a trabalhar gente oriunda de programas de formação profissional e de combate ao desemprego, em custo zero e com provável compensação subsidiária, sob o pretexto de que vão praticar o bem.
Mas contra quem?
Há re(li)giões em que os anjinhos somos nós. Posto que estes Anjos, não têm nada de muçulmanos.

La vida es un tango y el que no baila es un tonto

La vida es un tango y el que no baila es un tonto
Dos calhaus da memória ao empedernido dos tempos

Onde a liquidez da água livre

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