APONTAMENTOS À MARGEM PARA DESMARGINAR
Eis
a primeira sequência de APONTAMENTOS À MARGEM PARA DESMARGINAR nascidos em
Alínea R) evolução verde ( http://www.facebook.com/evolui.verde
) como
editorial de página, mas traduzindo o evoluir teórico de uma orientação que se
pretende simbiótica entre a ideia de sustentabilidade e a preparação do futuro,
com relevante ênfase nos Direitos Humanos, na Ética da Terra, no progresso e
desenvolvimento.
I - O
TRIGO E O JOIO
A
biodiversidade é a conjugação da fraternidade e da igualdade estendida a todos
os seres do planeta, incluindo-o; porém, a Terra não está só no universo, sendo
apenas mais um dos centros de vida entre as infinitas possibilidades que lhe
assistem, e a miríade de variedades e hipóteses que dela há na nossa e demais
galáxias. “A política e a economia são simbioses avançadas nas quais a
competição original de todos contra todos foi substituída, em parte, por
mecanismos cooperativos dotados de conteúdo ético”, como referiu Aldo Leopoldo
na Ética da Terra. Assim deve continuar a sê-lo, ou mais propriamente, começar
a sê-lo, uma vez que temos desprezado tanto as duas (fraternidade e igualdade)
que omitimos a biodiversidade enquanto valor intrínseco a toda a atividade
humana civilizada. Sobretudo, porque sem ela, a liberdade é uma ironia e a
maneira mais eficaz de manietar os povos, obrigando-os a hipotecar o futuro em
seu nome. Temos um exemplo, de incontornáveis consequências dessa hipoteca,
desse iceberg cuja parte visível se chama Troika.
Se
vamos agir e tomar consciência de nossas responsabilidades de cidadania, ou
continuar a entreter-nos com o fogo-de-artifício brejeiro político-partidário,
é uma questão que importa definir.
II - A
SOCIEDADES SOMOS todos NÓS
Família,
trabalho e felicidade. Disponibilidade, objetividade e lucidez. Iniciativa,
continuidade e avaliação. Cidadania, responsabilidade e emancipação. Amor,
bem-estar e liberdade. Saber estar, saber ser e saber fazer. Afeto, motivação e
conhecimento. Humanidade, sabedoria e progresso. Hipótese, verificação e
conclusão. Eis as diferentes tomadas (de consciência, estádios ou valores) que
desde sempre assistiram à demanda da cultura e civilização sobre a barbárie do
abstrato, da mediocridade, da crendice, do conservadorismo traiçoeiro e
desonesto, do desconhecido, da ignorância mal-intencionada, e da rigidez
fundamental. Porém, os convencidos de suas certezas, continuam a vociferar
contra o outro dizendo que está errado, em vez de provarem eles mesmos que
estão certos. Só que isso não é política, não é economia, não é socialização: é
criancismo.
Então,
que fazer? Tudo pode ser reciclado, incluindo as bases essenciais da nossa
identidade e cultura. Reciclar a criança que há em nós, enquanto indivíduos e
enquanto povo, para passarmos ao estádio seguinte da evolução e do progresso,
não é nenhuma utopia, ideologia, nem religião: é uma atitude. É uma nova
atitude perante a vida, que nasce da observação, da reflexão e da prática de
muitos grupos e pessoas, que em todo o mundo se aperceberam que atravessamos
uma crise civilizacional grave, para a resolução da qual se torna necessário
demolir velhos (pre)conceitos, valores e poderes, bem como definir caminhos
alternativos que valorizem a criatividade individual e coletiva que respeite a
vida, o ambiente, a natureza, o ecossistema, a atmosfera, a água e a condição
humana. Porque a sociedade somos TODOS nós, e esse pronome tem o tamanho da
Terra. (Por enquanto!)
III -
EVOLUÇÃO É AÇÃO
É
significativa a diferença entre agir e reagir: agir é participar; reagir, é
sujeitar-se a. E, se cada qual é o sujeito das suas ações, deixa de o ser
quando reage, porque nessa circunstância, está somente a (cor)responder às
determinações de quem o manipulou. Só quem age é verdadeiramente ( r
)evolucionário.
Servindo-nos
do progresso científico e desenvolvimento humano, ganhámos uma nova compreensão
do mundo e, através do sentido sensitivo, importámos valores e modelos
tecnológicos ou comportamentais não-humanos, da natureza, enunciados e
circunscritos pelos reinos animais, vegetais, minerais e elementar, passando a
ter a polémica expressão NATURE KNOWS a merecer garantido crédito. De entre
eles os comportamentos civilizacionais socialmente avançados como a preocupação
de reciclar os resíduos sólidos urbanos, de aumentar a produtividade primária
líquida, produzir organismos geneticamente modificados, introduzir substâncias
químicas no meio ambiente, alimentar os animais selvagens além dos domésticos,
de tutelar e promover operações de conservação e restauro de parcelas do
território e ecossistemas, delimitámos parques e reservas naturais,
reestruturámos o corpo curricular e programático educativo e universitário,
reformámos a administração e o planeamento tecnológico, tendo em vista uma
melhor integração/ocupação humana do território físico-natural.
Parar,
desincentivar ou adormecer essas preocupações, sob o argumento da atual crise
socioeconómica, é uma reação que obriga a atirar fora o desenvolvimento e
progresso conseguido por milénios de estudo, esforço e atualização. Portanto,
deixemos as águas tépidas e lodosas da acomodação e ajamos enquanto o podemos
fazer, pois pode muito bem acontecer que quando o queiramos fazer seja já tarde
demais.
IV -
EQUILÍBRIO OU ETERNIDADE?
Até há
poucas dezenas de anos a humanidade, na sua quase generalidade e graças ao
concurso das diferentes ideologias, economias e religiões, entendia o ambiente
numa perspetiva antropocêntrica, em que a natureza se apresentava apenas como
um valor instrumental associado a um leque de potencialidades e benefícios,
nomeadamente estético, histórico, científico e económico. Era fonte de estímulo
para a criatividade e imaginação, bem como um contributo significativo para o
desenvolvimento integral do ser humano.
Mas as
mentalidades, em consequência dos progressos no bem-estar e condições de vida,
científicos e tecnológicos, evoluíram, e hoje a tendência global edita-se numa
compreensão do meio ambiente sob duas perspetivas distintas, embora que
simultâneas: o biocentrismo e o ecocentrismo. Isto é, considerando que é a vida
ou o ecossistema quem tutelam a narrativa na interpretação essencial do valor
atribuído à natureza, enquanto suporte principal do ambiente. Com Copérnico e
Galileu a Terra deixou de ser o centro do universo; com o Relatório de
Brundtland (1987) findou a era da supremacia humana na Terra. A mudança teve
efeitos irreversíveis, e obrigou à reciclagem de todas as teorias de
entendimento da casa (eco) de todos nós, de modo a que este não só se demonstrasse
mais lúcido, objetivo, rigoroso, lógico, ético e funcional, mas também mais
abrangente, de forma a reconhecer que sem a preservação da diversidade das
espécies é impossível um equilíbrio sustentável do planeta.
Na
perspetiva biocêntrica somos apenas mais uma das estratégias da vida para se
tornar eterna. Na perspetiva ecocêntrica, somos tão-só membros de uma espécie
que interage com as demais na tentativa de manter equilibrada a sobrevivência
do ecossistema terreno. Na prática, as duas se completam e exigem-nos que
observemos cuidadosamente a nossa conduta porquanto se fizermos perigar o
equilíbrio perdemos o comboio da eternidade, porque na autoestrada da
continuidade da vida somos o veículo que melhor a percorre, desde que o façamos
com tino, segurança, equilíbrio e sustentabilidade. A escolha a cada qual
pertence, mas o que é certo, é que aquela que cada um fizer vai ter
consequências (irreversíveis) na vida dos demais.
V -
BIODIVERSIDADE E EFEITO BORBOLETA
“Como
é evidente, não é preciso dizer que a viabilidade económica limita a margem
daquilo que pode ou não ser feito a favor da terra. Sempre foi e há de ser
assim. A falácia que os deterministas económicos nos amarraram em volta do
pescoço coletivo, e que necessitamos agora de eliminar, é a crença de que a
economia determina TODO o uso da terra. Isso simplesmente não é verdade. Uma
grande quantidade de ações e atitudes, incluindo talvez a maior parte de todas
as relações com a terra, é determinada pelos gostos e predileções dos utilizadores
mais do que pela sua bolsa. A maior parte de todas as relações com a terra
depende de investimentos de tempo, previsão, capacidade e fé mais do que de
investimentos em dinheiro. No que se refere à utilização da terra, somos o que
pensamos.” (In ALDO LEOPOLDO, A Ética da Terra)
Havendo
inegável valor intrínseco em cada uma das formas de vida conhecidas
(biodiversidade), independentemente do interesse que possam ter para a espécie
humana, a não instrumentalização das entidades holísticas como os ecossistemas
e a ecosfera, cujo equilíbrio exige ponderação no balizar das atividades
humanas, porque o que for feito, desfeito, neutralizado, ativado, implantado ou
retirado de um local tem, diretas ou indiretas, consequências também noutros
lugares (efeito borboleta) mais ou menos distintos do planeta, apresenta-se
como a única atitude plausível para manter (e recuperar) a sustentabilidade
global. Não só porque o respeito por cada indivíduo é extensivo e acarreta
igual respeito pelo ecossistema em que se integra, mas igualmente porque ele é
parte integrante de uma organização avançada sócio-biológica-económica (genes,
espécimenes, espécies, ecossistemas), que fica inequivocamente alterada tanto
com a sua presença, como com a sua ausência, e em (pro)porções similares.
Por
conseguinte, pugnar por uma democracia direta, participativa e de base requer o
acesso universal à informação e às novas tecnologias da comunicação, à tomada
de consciência coletiva dos fatos e problemas de cada qual e de todos, bem como
uma diferente responsabilização do cidadão pelo seu habitat, num díspar
envolvimento na assunção individual e pública da cidadania, da igualdade de
género e do respeito (legalizado) pelos animais, no âmbito de uma mentalidade
que não abdica dos seus direitos nem do poder natural de quem é outorgado
legítimo herdeiro e proprietário, parece ser a maneira mais racional e eficaz
de contemplar (socialmente) a importância essencial pela biodiversidade e os
efeitos sistémicos da ação humana. Por milhentas razões e argumentos, mas
principalmente porque “somos o que pensamos” e, se é indesmentível que
hospedamos um número infinito de seres vivos no nosso corpo, não o é menos que
sempre que um deles é molestado, ou adoece, todo o nosso ser é inegavelmente
afetado, nomeadamente pelo antídoto que nos for aplicado.