"O trabalho de recuperação dos sentidos originais é, como se vê, penoso. O sentido superficial tem que ser afastado para deixar lugar às camadas sucessivas de sentidos subjacentes. Como na arqueologia, a escavação do texto tem que progredir por camadas. Os achados de cada uma delas têm que fazer sentido a esse nível. O modo como eles foram posteriormente recuperados pode ser objeto de descrição; mas isso é uma outra história – a história da tradição.
A cada nível, portanto, o esforço é o de recuperar a estranheza, não a familiaridade, do que é dito; o de evitar deixar-se levar por leituras pacíficas; o de ler e reler, pondo-se porquês a cada palavra, a cada conceito, a cada proposição, a cada «evidência» e procurando a resposta, não na nossa lógica, mas na lógica do texto. Até que o implícito deste se tenha tornado explícito e possa ser objeto de descrição. Nessa altura, o banal carrega-se de sentidos novos inesperados. O passado, na sua escandalosa diversidade, é reencontrado."
in ANTÓNIO M. HESPANHA
Panorama Histórico da Cultura Jurídica Europeia
Publicações Europa-América
(Pág. 48)