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:porque o futuro não se recorda, inventa-se
:porque o futuro não se recorda, inventa-se
"«o pobre só vai para a frente quando tropeça»,dizia o meu avô."
Baptista-Bastos, in Cão Velho Entre Flores
As pessoas que lêem são capazes de tudo; eu, até já fui à Turquia! Outros, não contentes com essas aventuras de ir e voltar, foram mais longe ainda, e disseram o indizível e inaudito, por exemplo, Fernando Pessoa teve o desplante e o descaramento de afirmar que a pátria dele era a língua portuguesa, coisa que carece de substância, pois ninguém vai à tropa pela língua, nem trava batalhas de afirmação da soberania e demais patetices que isso acarreta, do género e semelhante quilate, que é para tanto que há pátrias e sentimentos de nacionalidade, bairrismos da futilidade e corporativismos confederados, tipo somos todos brutos e uns bocanas sem emenda mas temos uma bandeira com que espanejar a História e as frustrações derivadas da nossa pequenez e insignificância. Seja, portanto, que o Fernandinho faleceu há muito e às vezes até bebia o seu copinho, coisa que, como todos muito bem sabemos, inspira grandemente essa arte da asneira aqui, asneira ali, nos ziguezagues da vida, porém não vejo desculpa para lhe andarem agora a repetir as boutades, só porque entendem ser esse o melhor caminho para não chegar a lado nenhum que é o marketing intelectual, espécie de diz-que-disse que defende os menos corajosos do banco dos réus e dos critérios de qualidade, de escrita como de pensamento, estéticos como éticos, e do rigor genial, convenhamos, como sustenta Tabucchi ( http://www.elpais.com/articulo/portada/Antonio/Tabucchi/casa/cuestas/elpepuculbab/20091031elpbabpor_2/Tes ) porque O Tempo Envelhece Depressa, para quem a língua, quer dizer, o italiano, não só é a pátria portátil, mas também a casa que pode levar às costas, tipo caracol ronhoso, para onde quer que vá, exactamente essa casa onde pode guardar os milhentos livros da sua biblioteca pessoal toscana, ou o idioma (software) com que processa os seus sonhos, por mais incongruentes que se manifestem, com que escreve e pensa, talvez sob a influência dessa gripe mental, sem vacina nem antídoto à vista, que é produto da sociedade da informação e da comunicação, vulgarmente conhecida por computadoradependência, que vem delapidando as gentes mais toscas e rústicas, nascidas fora da Toscânia, é certo, neste sertão ibérico, por exemplo, que embora reconheçam que não conseguem fazer nada de jeito sem o seu portátil(zinho), não permitem aos alunos nem ao sistema de ensino, que façam do Magalhães o mesmo que Pedro Ramus fez do livro: instituiu-o como instrumento didáctico-pedagógico por excelência, transformando o sistema de ensino e escola naquilo que hoje é, em detrimento da (pari)patética que fora desde a Antiguidade Clássica, por muito generosa e profícua de certos e errados que tivera sido, nos maniqueísmos da (nossa) desgraça ocidental.
Senão, vejamos, de uma vez por todas: José Saramago, alguma vez teria ganho o Prémio Nobel da Literatura, se não usasse para escrever um computador, que inicialmente era simplesmente uma máquina de escrever com mais funções e melhor rendimento, também chamada de processador de texto? Era ó tinhas! Os compêndios escolares algumas vez teriam a qualidade gráfica e a excelente disposição/paginação que hoje apresentam se não fossem compostos, paginados, fixados por meio de computadores? Vai lá vai! As centenas, duas e mais quaisquer sessenta ou setenta mil, para ser mais exacto, de falantes desta língua de trapos que é o portuga, com seus dialectos bem e mal amanhados, crioulos e miscegenações várias, estariam contactáveis, logo unidos, em qualquer parte do globo depois da diáspora que sofreram, se não houvesse a possibilidade de usarmos os computadores em rede, e as comunicações on line, como hoje fazemos? Uma ova, é que podíamos!
Então, se querem armar em intelectuais, fazer popas e franjas de modernice, meus mestres de meninos e meninas a quem a retouça corporativista agrada mais que o trabalho útil, necessário e correctivo de assimetrias e desigualdades, vão chupar caroços de manga e deixem os Magalhães em paz, porque eles fazem parte e são imprescindíveis às navegações do futuro da nossa língua, que não é, nem pode ser pátria nenhuma, mas sim um instrumento de trabalho e entendimento, uma ferramenta da comunicação, uma arte e uma fábrica de símbolos, tanto como a pintura, que dá para casas e muros, bandeiras como quadros, e não é por isso que passa a ser pátria de ninguém com o mínimo de juízo, entre pessoas comuns, normais, que têm mais que fazer do que largar umas asneiras graciosas para dar nas vistas e promover as suas infortunadas criações, que de outra forma, continuariam a cruzar as águas do desconhecimento e do anonimato, como qualquer cacete de boieiro no alto mar e à deriva. Porque se até o tempo envelhece depressa, isso acontece sobretudo, quando a memória para admitir a mudança e o progresso, bem precisa, em vez de pensar o futuro, como seria lógico e desejável, e prefere recordá-lo.
E recordar, seja o que for, se o não tivermos vivido antes nunca será coisa de levar a sério, nem sugestão de temperança, a não ser entre os condutos sem pão da finória latinidade, que confundem cultura e língua com visco de armar aos tolos: há quem caia, sim senhora, mas mal dá pela manha, atira forte gargalhada aos ares, sacode as vestes e vai à vida, que matreirice de literato não enche gorpelha nem mata a fome a viventes. Mesmo a de espírito, que também muitos há que dele andem magros. E anorécticos!