A
ILHA DA PAIXÃO
(a
meus amigos portugueses)
Sempre
que me perguntam: – «Qual o seu livro preferido»? Respondo: «A Ilha dos Demónios»
– Margarida La Rocque. Voltam a perguntar: – «E porquê?»
Sem
hipocrisias ou disfarces, muito comuns entre nós, escritores, enfrento toda a
minha criação literária, a começar por Floradas na Serra e a percorrer contos,
romances, teatro, ficção científica.
–
«Sim, escolho a figura de Margarida La Rocque», porque para mim ela é um
símbolo: o da força da paixão que desencadeia determinadas mulheres que se
transformam em perseguidas-perseguidoras. É a paixão feminina em seu paroxismo.
Eu
não teria a pretensão de dizer, como Flaubert disse de Madame Bovary –
«Margarida Rocque sou eu.» Confesso que A Ilha dos Demónios foi escrito quando
eu vivia em grande sofrimento. Como acontece a muitas pessoas, desci em vida
aos infernos. E Margarida foi, por esse motivo, o livro de maior violência
interior, por mim escrito. Nele analisei a paixão feminina em todo o seu desvario.
Se Madame Bovary deu um tipo de neurose, hoje chamado pelos clínicos de
bovarismo, Margarida é a “neurose da paixão”. Àquela época em que se passa o
romance, a meio do século XVI, as angústias emocionais eram vividas em imagens.
Os demónios de Margarida também afligiam outras personagens do tempo, quando as
mulheres baixavam os véus ao confessionário, para confessar que estavam
grávidas do demónio. Há várias explicações para os duendes que circulam em
torno de Margarida. A lebre falante seria seu subconsciente? A Dama Verde seu
ciúme? O Cabeleira a grande cabeça sem corpo, o desejo oculto de uma escapada
ébria para o sobrenatural, que a livrasse de suas obsessões? São conjeturas
válidas. Mas eu não arriscaria dizer que a interpretação foi minha. Sem dúvida,
escrito em 1948, o livro precedeu, de mais de vinte anos, o realismo fantástico
dos latino-americanos, escritores entre os quais sobressai um Garcia Marquez. Já
era, entretanto, o realismo fantástico em toda a sua plenitude. Com o correr do
tempo, A Ilha dos Demónios – Margarida La Rocque – foi ganhando mundo. Tornou-se
livro traduzido até no Oriente; agora entra no Canadá e na Itália.
Um
dos aspetos curiosos: a discussão entre frades de um convento, no rio:
Margarida La Rocque podia receber a absolvição?
Outro,
também estranho: Às quatro da madrugada o telefone toca, à mesa-de-cabeceira.
–
É Dinah Silveira de Queiroz?
–
Sim… o que quer?
–
Não posso dormir pensando no seu livro. Agora minha vingança é… que a senhora
não dormir também.
Dormi
mansamente. Acho que até sorria, dormindo. Seria má? Não, o primeiro desejo de
um escritor é do que acreditem em seus personagens ou fantasmas.
Ainda
um resto de confissão: se não houvesse escrito este livro, com toda a certeza
iria, sem resultados, frequentar psicanalistas. Todo o amargor que senti se foi
com ele. E dele saí plácida e livre de angústias, para sempre.
Oferecendo-o
ao público português, que tanto estimo e admiro, eu desejo que ele saia da experiência
do romance em paz e ternura. Ternura e paz que muito merece da amiga
DINAH
SILVEIRA DE QUEIROZ
PREFÁCIO
do livro A ILHA DOS DEMÓNIOS (Margarida La Rocque)
Dinah
Silveira de Queiroz
Edição
«Livros do Brasil» Lisboa