10.06.2005

A D U A S M Ã O S
Por Joaquim Castanho e Filipa Ribeiro

O rei vai nu”, disse o rapazito


A engenharia genética condensa, como nenhuma outra tecnologia,
tanto as nossas aspirações quanto as nossas desconfianças

Margarida Silva

Vem este artigo a propósito do lançamento do livro “Alimentos Transgénicos – um guia para consumidores cautelosos”, de Margarida Silva, professora de biotecnologia no Porto e vice-presidente da Quercus, da Universidade Católica Editora. Os Organismos Geneticamente Modificados (OGM) são organismos que adquirem, pelo uso de técnicas modernas de engenharia genética, características de um outro organismo, o qual, em algumas vezes, é bastante distante do ponto de vista evolutivo. Esta é, sumariamente, a sua definição técnica. Em termos de indústria agro-alimentar e da aplicação que fazem dos OGM, estes são, como disse e muito bem Luísa Schmidt, uma “coqueluche” que “é apresentada sedutoramente aos países pobres, a quem se acena com a quimera da abundância e do fim do problema da fome” (Expresso, Dezembro de 1999).
Com efeito, apesar de poucas, erguem-se já algumas vozes do interior da comunidade científica para alertar sobre as implicações dos OGM na saúde humana, sobre os riscos para o ambiente, para a agricultura e para a sociedade. E fazem-no porque, ao contrário do que se possa pensar, os OGM são uma realidade e todos estamos sujeitos a consumi-los sem sequer disso termos consciência. E é para essa tomada de consciência, esclarecida e rigorosa, que este último trabalho de Margarida Silva contribui, dado existirem várias leituras possíveis desta questão transgénica.
É aqui que a comunicação social é importante na tentativa que deve fazer para despertar nos cidadãos a atenção e posicionamento eficazes face a um dos problemas mais actuais para a qualidade de vida no nosso planeta. Infelizmente, isto é o que não se tem feito, porque simplesmente não é possível quando até os media se declaram, impunemente, indisponíveis para darem espaço nas páginas dos jornais, mediação televisiva integrada e não repetida, cobertura diversificada e personalizada na rádio, internet e afins. Porque as questões científicas e ambientais não podem ser atiradas para a geral condição de produto estratégico na imparável senda de mais e diferentes audiências, segundo a qual a comunicação de questões de grande interesse social relativas à saúde pública e ao ambiente sustentado se cinge ao ciclo hermético e/ou apanágio para fins político-económicos pouco sustentáveis pelos custos que comportam à vida do planeta.
Perante aquela que pode ser a mais radical experiência no mundo natural, temos de estar esclarecidos, posto que esse é um esforço mútuo para cientistas, industriais, políticos, empresas, legisladores e consumidores. É neste sentido, portanto, que surge “Alimentos Transgénicos – um guia para consumidores cautelosos”, o qual é desprovido de gíria demasiado técnica e que tenta, deliberadamente, abrir os olhos e o diálogo com o consumidor. E fá-lo dando conta da controvérsia em torno desta questão desde que surgiu a primeira planta transgénica, em 1983. Assim, a autora começa por enumerar as vantagens dos OGM apontadas por diversos grupos científicos, políticos e de cientistas, mas pelo tom usado percebe-se que as vai atacar, ou seja, que a vai dissecar, recorrendo a uma análise cientificamente fundamentada, cada um dos argumentos que são discutidos neste prós e contras dos transgénicos.
Entre os benefícios para quem vende OGM, Margarida Silva indica os seguintes: o aumento da produtividade agrícola (maior resistência a pragas), redução nas aplicações de pesticidas (melhoria ambiental, inúmeras variações especializadas para agradar tanto a agricultor como consumidor e industrial, gestor e necessidades do 3º mundo. Dizem que ainda ninguém morreu por causa dos transgénicos e que os OGM são as plantas mais estudadas do mundo.
Ora, para começar, a nível mundial, apenas 4 países produzem 99% de todos os OGM: EUA (66%), Argentina (23%), Canadá (6%) e China (4%), o que não deixa de ser sintomático do aproveitamento económico e político que apenas visa lutar contra a morte por fome. Pois sim... Além disso, a agricultura insustentável é uma das características da nossa sociedade onde ainda predomina uma cultura alimentar que privilegia as farinhas, os óleos e a distribuição personalizada dos alimentos cuja proveniência e conteúdo são questionáveis. Por outro lado, a estrutura administrativa social fundamentada em representantes que beneficiam grupos económicos em detrimento de valores humanitários básicos, a isenção da responsabilidade pessoal para com a saúde e educação, delegando-a a profissionais formados em perspectiva mercantilista, eliminam o desejável empenho pessoal na vigilância da qualidade dos alimentos. Como é possível que esta esmagadora minoria interessada nos OGMA ignore a perda de equilíbrio ecológico de espaços selvagens e agrícolas, os riscos da introdução na cadeia alimentar animal e humana de substâncias que nunca dela fizeram parte, da contaminação generalizada dos alimentos não transgénicos, da manipulação abusiva e mecanicista da vida e, por fim, do domínio económico do planeta pelas grandes empresas mundiais. Como é possível, que tudo isto se resuma a patentear sementes que sempre foram e deviam continuar a ser um bem comum e de livre acesso? Sim porque a incorporação de um gene significa, que alguma parte do organismo receptor vá produzir uma nova proteína e o aparecimento de uma nova característica, a qual é transmitida de geração em geração? Estão todos cegos perante esta nova “bomba atómica para o mundo natural e humano”? Provavelmente, tal como aconteceu com os resultados da bomba atómica de Nagasaki e Hiroshima, quando se perceber as reais consequências dos OGM, então, dir-se-á que “o rei vai nu”, mas mais uma vez, será tarde demais e poderão não haver trancas para pôr na porta.
Torna-se, pois, claro que os OGM representam para políticos e cientistas uma solução fácil que consiste na interpretação errónea daquilo que a biotecnologia em particular e a ciência, em geral, podem fazer. A acrescentar a isto está o facto de ainda não existirem, até hoje, provas científicas demonstrativas da segurança dos transgénicos na alimentação humana e animal. Mais: porque a circulação comercial dos alimentos transgénicos só começou em 1996, ainda não decorreu o tempo necessário para aferir das consequências dos agrotóxicos nestes. Na altura em que se completam 50 anos desde a descoberta de Watson e Crick, urge analisar o potencial da genética, pois é notório que um simples gene, na sua complexidade, apresenta infindáveis extensões e, como explica Margarida Silva, “um gene fora do ecossistema molecular onde a evolução facilitou a adaptação mútua torna-se imprevisível e, ao ser inserido, num genoma estranho através de um evento fortuito, num local ao acaso, o seu comportamento pode ficar radicalmente alterado”.

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