DEPOIS
DO CARNAVAL
Por
Álvaro Moreyra*
Quando
a Quarta-feira de Cinzas apareceu, fatigada, arisca, um homem sereno, que vai envelhecendo
resignadamente, acrescentou estas palavras ao jornal da sua vida:
–
A beleza das mulheres, quanto mais escondida, mais envolvente é. O que se vê
não dá o prazer que dá o que se imagina… As minhas lindas patrícias, nem à
beira-mar, nas horas do banho, nem nos bailes elegantes, onde mostram segredos
da sua carne, têm o encanto que têm no Carnaval. As fantasias retiram delas a
atualidade. Os loups apagam a data
das fisionomias. Como eu nasci no século XVIII, ao tempo do rei Luís XV, gosto
de andar, sob a graça de Momo, pelos salões de dança, entre serpentinas, em
cima de confetes, no meio de um cheiro doido e bom de lança-perfume… E penso,
então, em Versalhes, em Madame Pompadour, naquelas marquesas e naqueles condes…
A alegria de todos traz à minha solidão uma longa, suave melancolia… Não
importa que, ao fim, retorne à existência real, com as mesmas figuras
transitórias… Alguns instantes de esquecimento e de ilusão consolam para
sempre… Bendito sejas, Carnaval! Eu te bendigo, nesta pobre manhã silenciosa,
eu te bendigo, velho tonto e feliz: pelo prazer que derramas nas criaturas,
pela saudade que deixas… Eu te bendigo, embora sinta daqui os olhos de Voltaire
postos em mim, fixos, irónicos, e talvez um pouco tristes…
Carnaval,
não serás tu o jardim de Cândido?
*
Álvaro Moreyra nasceu em 1888, em Porto Alegre, no Rio Grande do sul. O
presente trecho pertence ao livro O Outro Lado da Vida… Nele, o autor, numa
prosa leve e irónica, refere-se à saudade que acompanha o carnavalesco ao
surgir a Quarta-feira de Cinzas, onde a ilusão e o esquecimento valem a suave
melancolia que vem depois do Carnaval
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