O ROSÁRIO, de Florence Barclay, na perspetiva de LUZIA, escritora portalegrense dos séculos XIX/XX
(…)
Já mais calmo o fogacho, eu me dispunha a utilizar de certa ciência, entre todas preciosa e há muito aprendida, a da renúncia, quando a minha inteligente amiga Dora veio oferecer-me um romance, em que logo encontrei o antídoto que reclamava. Embora escrito nos primeiros anos deste século, o [The] Rosary, de Florence Barclay, está ainda impregnado de toda a deliciosa pieguice, exagero, ia a dizer outra vez… peluche – decididamente não posso pensar nessa época sem que me ocorra a peluche! – do seu antecessor.
Tudo se passa entre duquesas, Ladies, Sirs. As mulheres loiras e brancas – oh! que alívio! – usam rendas antigas no decote, guarnecem de narcisos doirados ou de camélias pálidas, as jarras de cristal. A bíblia e as grandes tiradas líricas alternam. Jane Champion – honourable, já se vê, que sob assaz respeitáveis dimensões, possui uma alma ultrarromântica e uma voz rival da Patti – canta as horas do seu amor, as pérolas do seu rosário… Exatamente o que eu precisava para esquecer Congo(1)e purificador de cocodri! Abençoada Champion!
Por muito dramático que seja o lance, nunca se põem de parte as boas maneiras nem se altera a hora do chá. E desde os bolos, os criados, as salas, os terraços, os jardins, as toilettes, os títulos, até às almas, tudo é de primeira, superfina qualidade!
Oh! Minha doce, sentimental, um nadinha ridícula e, por isso mesmo, ainda mais enternecedora, Florence Barclay, como eu gostei de ti! Sim, fez-me sorrir, de vez em quando, a tua pontinha de snobismo, senti como é absurdo, pueril, todo esse mundo que, num constante deslumbramento – Florence, Florence que fascinação exerciam, em ti, as duquesas! – descreves e, contudo, quanto tenho de agradecer-te! Afastaste o pesadelo com o teu sonho brando. Quanto te invejo! Queria viver como viveste, sempre presa ao teu engano. E quanto te admiro! Porque, tão apaixonada, tão ardente, tão imaginativa aliás, tu só viste o que é puro, bom. Ah! Muito teriam que aprender contigo… Chut! Calei-me a tempo. Você deve estar horripilado, com os cabelos em pé, tal qual um gato a que afagou o pelo em sentido contrário! Mas, querido amigo, a culpa é sua. Porque presume tanto das minhas forças, porque me pede demais?
Monte, Outubro de 1931.
(1) Congo, romance com magia negra e exotismo afro de Paul Morand.
In LUZIA, Impressões de Livros, Almas e Terras Onde Eu Passei, Edições Europa, pág. 270-271. Lisboa, 1936
Convite para partilhar caminhos de leitura e uma abertura para os mundos virtuais e virtuososos da escrita sem rede nem receios de censura. Ah, e não esquecer que os e-mails de serviço são osverdes.ptg@gmail.com ou castanhoster@gmail.com FORÇA!!! Digam de vossa justiça!
2.07.2012
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