2.25.2010

A Aposta


"A escrita, exterior ao dilema, é a «terceira arquitectura», multiplicação das operações de apresentação do inapresentável: experimentação, construção de cenários, de simulações, multiplicação das lentes, das fontes de luz, das velocidades, etc."
Silvina Rodrigues Lopes, In Aprendizagem do Incerto


Embora se tenha perdido o hábito de nomear a fonte ou o autor desta e daquela sentença, mais ou menos grafitável no muro das nossas lamentações, a que concupiscentemente convencionámos chamar «consciência», arrisco citar Rudolf Arnheim, que no seu Film as Art, garantiu que "nos bons filmes todos os planos devem contribuir para a acção", porquanto é inegável que nesta coreografia e montagem do cenário político nacional, a maior parte dos planos aduzidos à problemática da insustentabilidade portuguesa, nomeadamente a que reitera a nossa colagem sócio-económica aos países com maiores dificuldades de crescimento e estabilidade, venha a pílula do PEC dourada com o esfuziante optimismo dos amesendados à távola quadrada do Orçamento de Estado, ou gizada em baixa pelo trauma do cada tiro, cada melro, com que as instâncias do poder (governo, parlamento, tribunais, autarquias) nos têm generosamente brindado nos últimos anos, não só são planos falhos de significação em tomadas de atitude de valorização da biodiversidade, de luta contra a pobreza e de atenuação da exclusão social recorrente do especismo partidário (& corporativista), como evidenciam a histórica indiferença pela degradada portugalidade, desde que com ela não se ganhem «fundos» imediatos, motivos para recorrer a empréstimos, hipotecas e demais dinheiros de multiplicação do défice e endividamento, nem haja cortes radicais nas despesas de governância, incluindo nos chorudos vencimentos dos gestores da coisa pública e seus apaniguados «cúmplices», que são também os mais beneficiados com a suas gestões danosas: os políticos da moderação central, sobretudo aqueles que têm medo de perder o emprego, e que desconfiam que qualquer mudança os vais prejudicar, uma vez que assim é que se está bem, não fazendo nada, saindo cedo, saltitando de comissão em comissão, de tutela em tutela, sem mexer uma palha e armando aqui e ali, aos adversários de tacho, indignos concorrentes, a sua partidinha, com retórico visco e judicial esparrela.
Para o conseguirem, na necessidade de limpar a imagem negativa do «chefe» Sócrates, resolveram sacrificá-lo, atirá-lo à arena pública, qual David acossado, frágil (a governar só com maioria relativa, coitadinho) e incompreendido, para defrontar o colosso mercenário veterano Golias sabidão das lides da inculca, o ciclópico M Sousa T, que devia estar impaciente e ansioso por estraçalhar alguém, viesse ele de onde viesse, e mesmo «nobre» amigo que fosse. Fizeram-se apostas, triplicaram e quadriplicaram-se as notas de cinco € entre os fregueses da quadrilhice brejeira, fizeram-se tertúlias de imperiais e tremoços, cuspiu-se muita congeminação nos mercados municipais e bares de esquina, aventaram-se algumas hipóteses de reconciliação entre eleito e eleitores ainda não arrependidos, apesar de muito envergonhados, lambeu-se basta orelhinha peluda, todavia a moita pariu tão-só duas melgas que andaram à volta da luz, de largo, como as câmaras de serviço, pilares na arquitectura da régie, uma para cada um e outra pròs dois, canha aqui, canha ali, temendo queimar as asas nas lamparinas do insucesso, como nem sequer faria qualquer pernilongo em amazónicos pântanos. Pior: não aqueceu, nem arrefeceu, e muito menos provocou a autoflagelação costumeira aos campistas de paul, as chapadas na própria cara, com a tentativa de matar o bichinho zunidor, que nos inspirou o tal comentário comum entre «profissionais» do mesmo ofício: eis dois grandes amigos – não podem é dizê-lo, na frente das esposas, que há uma temporada lhes têm andado a estranhar o desempenho...
Ora, razão tinha o Zeca, quando pedia mais cinco, de uma assentada, porquanto nessa aposta, embora tenha sido triplicada, o que é certo, mesmo certo, é que se entre entrevistador e entrevistado nenhum deles nada perdeu, de novo nós, as audiências enlutadas pelo desbotado e impreciso das gravatas, também ganhamos absolutamente nada. O que é apenas lamentável, digamos, para nos acautelarmos providencialmente...
E é muito bem-feita, para não andarem a apostar com quaisquer cinco réis, como se supõe dizer-se entre a nossa gente, desde Aquilino – pelo menos! – que era o peso maior que lhe concedia. Principalmente porque cinco é de um muito elevado apreço, é uma mão-cheia travessa de dedos, com o polegar a pedir boleia a Deus, onde cabem tanto mulher e homem, como todo o conhecimento da humanidade.


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