NUNCA DIGAS ADEUS AO VERÃO
João de Mancelos
Edições Colibri
Lisboa, março de 2021
A literatura é uma arte esquiva. Ela nunca reproduz a realidade. Quanto muito, utiliza-a. Usa-a em proveito da poesia, do teatro, do romance, da saga, da epopeia, da novela, do conto, da crónica e da shortstory, sob os mais diversos aspetos e suportes, motivações e estilos. Algumas delas, como as crónicas/conto de Nunca Digas Adeus ao Verão, de João de Mancelos, são tão compactas, que raiam o guião de casos, de situações, que os leitores e leitoras podem observar com considerável distanciamento. E é ele – esse afastamento objetivo – que nos faculta apreciar a palavra elaborada, a cadeia de filigranas (frases curtas), a intrincada teia de significantes e significados através dos quais são geradas. Edificadas. E expostas.
Às vezes o discurso aproxima-se tanto da técnica cinematográfica que as elipses contribuem a olhos vistos para os desfechos inesperados, surpreendentes, a rasar tanto Hitchcock como Edgar Allan Poe, mas sem que tenham sidos pronunciados; outras, fazem-nos lembrar Raymond Carver ou psicologismo de Patricia Highsmith, Ray Bradbury ou Arthur C. Clarke, mostrando todas as cartas em jogo a quem lê, ocultando-as contudo dos jogadores em ação (as personagens vítimas do enredo ou intriga), a quem baralham propositadamente mostrando as secundárias por trunfos e vice-versa, até chegarmos ao ponto de lhes gritar (avisando-as) meio aflitos «Parva, não faças isso, que vais dar-te mal». E isto são as linhas com que se coze, confeciona, o novo neorrealismo.
Este novo neorrealismo que, já dissidente do realismo mágico, tem memórias e perceções seletivas próprias, bem como um fundo sonoro intrínseco, cuja intenção primeira subjacente à elaborada gestão do discurso literário é criar nos leitores, e nas leitoras, emoções e sensações, vivas e pujantes, sem nunca argumentar e concluir, a favor ou contra seja do que for, limitando-se a mostrar, a descrever, através duma imagética e duma narrativa tão nitidamente pictóricas, sugestivas, que inspiram e refletem uma frieza objetiva que nos não atrevemos a contestar, tipo “se ele diz que foi assim, é porque foi”, caraterística da reportagem, mas também da experiência didático-pedagógica.
Ou seja, os dados estão tão claros e evidentes, observáveis e tão bem alinhados, enquanto pressupostos do discurso ficcional, que ficamos a torcer pelo autor para que funcionem na perfeição, e enxerguemos não só o que ele mostrou mas principalmente o que ele quis que sentíssemos, que víssemos. Enfim, o que pretendeu mostrar-nos, numa cumplicidade envolvente.
E sem perdermos muito tempo, uma vez que o livro não tem mais que 88 páginas, e treze histórias, numa média de quatro, cinco páginas por história, economizando quer no recurso, como no discurso e na narrativa. O que, para os tempos que correm, é uma mais-valia significativa.
Joaquim Maria Castanho
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