Palmatórias, cadeados e sepulturas, tudo coisas sem semelhança mas com relação direta na história dos povos…
De bolorentos livros rodeado,
Moro, Senhor, nesta fatal cadeira:
De quinze anos a voraz carreira
Me tem no mesmo posto sempre achado.
Longo tempo em pedir tenho gastado,
E gastarei talvez a vida inteira;
O ponto está em que quem pode queira,
Que tudo o mais é trabalhar errado.
Príncipe augusto, seja vossa a glória,
Fazei que este infeliz ache ventura,
Ajuntai mais um fato à vossa história;
Mas se inda aqui me segue a desventura,
Cedo ao meu fado e vou co'a palmatória
Cavar num canto da aula a sepultura.
(1782)
Nicolau Tolentino, poeta português do século XVIII.
[Nota: O autor, fora nomeado professor de Retórica, em Lisboa, em 1767, e ainda que não houvesse naquele tempo avaliações nem cortes por virtudes orçamentais derivadas da dívida e do défice, a vida docente também não era nada fácil. Este soneto foi dirigido ao príncipe D. José, herdeiro do trono, que faleceu prematuramente em Setembro de 1788. Era um espírito culto, inclinado aos poetas e filósofos. Foi grande amigo do duque de Lafões, que o instruía sobre o que se passava na Europa.]
Permitam que escreva por direito algumas palavras que entortam os sentidos adjacentes ao ser, como ao estar, que sendo essenciais ao viver, muito esforço temos contudo de fazer para que disso se lembrem os demais, ou nós nos venhamos pura e simplesmente a lembrar...
Eu sou do tempo em que nas escolas, se havia bibliotecas, todas tinham os livros em prateleiras (ou armários) com grades de arame grosso e fechadas a cadeado. E a primeira vez que me aventurei a entrar nessa dependência, excentricidade suspeita, segundo observei pela cara dos presentes, e num manifesto favor concedido pela contínua de piso, que sequer teria a terceira classe, escolaridade obrigatória do seu tempo, jurei para nunca mais. Mas era novo, e as juras desse tempo, valem para um dia ou dois se tanto, e se não voltei àquela frequentei então outras que ajudaram a esvanecer o trauma das iniciações dolorosas.
A escola em causa sofreu recentemente notórias melhorias e modernização, porém o sistema e a democracia é que não. Não há palmatória, é óbvio, mas os castigos continuam a ser os únicos meios didático-pedagógicos como reforçamento negativo. Como os aplicam, em que medida, quem o faz, isso é que ainda não está bem esclarecido. Consta que é no final da formação: os educandos querem entrar no mercado de trabalho e dizem-lhe para esperar que a crise passe. Como já estamos em crise desde 1383-85 ninguém duvida da força do determinismo e... desiste. Alguns arriscam e partem. Outros vão dormir prò Rossio e Restelo.
Entretanto, as medidas de contenção e ajustamento recomendadas pelo BCE/CE/FMI admoestam as soberanias, e alguns ministérios fundem-se com outros, havendo mesmo alguns que se evaporam num clique mágico para deslumbramento dos papagaios da “coorte” e do capitão da fragata onde o Tejo lhe ondeia os cascos. Podia ser grave e lamentável, mas “não no é”. Antes sim, conforme reiteram os diplomados pelas novas oportunidades, exemplo vivo e condigno de inovação e empreendedorismo. Vamos enfim descobrir o mar. E a pólvora prò fósforo!
Porque os caminhos dos senhores são infinitos…
Ora, se épocas houve em que os livros de bolorentos e empilhados se tornaram raros, e resistentes, na minha formação tornaram-se intocáveis para se não estragarem, sob o medo de lhes tocar que apenas era superado pelo medo de os ler, quais preciosidades fora do alcance dos brutos iletrados, crianças e alunos em geral, como igualmente (prisioneiros) intocáveis uns porque não seriam adequados à minha idade, outros muito avançados para o meu conhecimento, aqueloutros por os não merecer e ainda os demais por estarem vedados (proibidos) a toda gente por perniciosos e de malvada estirpe. Também “sofrem” agora do efeito gradeamento mas principalmente por estarem fora, fora das salas de aula, fora de uso, fora dos interesses medianos, fora de cuidados estatais, fora de moda, fora de casa, fora da atualidade e do conhecimento, fora de jeito e de lombadas viradas para a vida em geral, porquanto os seus autores em vez de a contemplarem nos seus conteúdos apenas puxam o brilho às doutrinas e às tradições do narcisismo serôdio no marketing personalista. No vira a leiva da fama, que o mesmo é que dizer, da vaidade ao quilo de papel.
Por conseguinte, dificilmente em Portugal haverá algo de novo a não ser alguma velharia recuperada dentro da lamechice do pão com manteiga usual no que à cultura diz respeito, uma vez que é sabida a apetência dos reizinhos do poder para amputarem a massa crítica da sociedade para melhor reinarem, coisa que melhor se faz em reino de cegos, como esclarece o ditado. Exceto, é claro, o cadeado nas estantes (gaiolas) que poderá passar a ser electrónico!
De bolorentos livros rodeado,
Moro, Senhor, nesta fatal cadeira:
De quinze anos a voraz carreira
Me tem no mesmo posto sempre achado.
Longo tempo em pedir tenho gastado,
E gastarei talvez a vida inteira;
O ponto está em que quem pode queira,
Que tudo o mais é trabalhar errado.
Príncipe augusto, seja vossa a glória,
Fazei que este infeliz ache ventura,
Ajuntai mais um fato à vossa história;
Mas se inda aqui me segue a desventura,
Cedo ao meu fado e vou co'a palmatória
Cavar num canto da aula a sepultura.
(1782)
Nicolau Tolentino, poeta português do século XVIII.
[Nota: O autor, fora nomeado professor de Retórica, em Lisboa, em 1767, e ainda que não houvesse naquele tempo avaliações nem cortes por virtudes orçamentais derivadas da dívida e do défice, a vida docente também não era nada fácil. Este soneto foi dirigido ao príncipe D. José, herdeiro do trono, que faleceu prematuramente em Setembro de 1788. Era um espírito culto, inclinado aos poetas e filósofos. Foi grande amigo do duque de Lafões, que o instruía sobre o que se passava na Europa.]
Permitam que escreva por direito algumas palavras que entortam os sentidos adjacentes ao ser, como ao estar, que sendo essenciais ao viver, muito esforço temos contudo de fazer para que disso se lembrem os demais, ou nós nos venhamos pura e simplesmente a lembrar...
Eu sou do tempo em que nas escolas, se havia bibliotecas, todas tinham os livros em prateleiras (ou armários) com grades de arame grosso e fechadas a cadeado. E a primeira vez que me aventurei a entrar nessa dependência, excentricidade suspeita, segundo observei pela cara dos presentes, e num manifesto favor concedido pela contínua de piso, que sequer teria a terceira classe, escolaridade obrigatória do seu tempo, jurei para nunca mais. Mas era novo, e as juras desse tempo, valem para um dia ou dois se tanto, e se não voltei àquela frequentei então outras que ajudaram a esvanecer o trauma das iniciações dolorosas.
A escola em causa sofreu recentemente notórias melhorias e modernização, porém o sistema e a democracia é que não. Não há palmatória, é óbvio, mas os castigos continuam a ser os únicos meios didático-pedagógicos como reforçamento negativo. Como os aplicam, em que medida, quem o faz, isso é que ainda não está bem esclarecido. Consta que é no final da formação: os educandos querem entrar no mercado de trabalho e dizem-lhe para esperar que a crise passe. Como já estamos em crise desde 1383-85 ninguém duvida da força do determinismo e... desiste. Alguns arriscam e partem. Outros vão dormir prò Rossio e Restelo.
Entretanto, as medidas de contenção e ajustamento recomendadas pelo BCE/CE/FMI admoestam as soberanias, e alguns ministérios fundem-se com outros, havendo mesmo alguns que se evaporam num clique mágico para deslumbramento dos papagaios da “coorte” e do capitão da fragata onde o Tejo lhe ondeia os cascos. Podia ser grave e lamentável, mas “não no é”. Antes sim, conforme reiteram os diplomados pelas novas oportunidades, exemplo vivo e condigno de inovação e empreendedorismo. Vamos enfim descobrir o mar. E a pólvora prò fósforo!
Porque os caminhos dos senhores são infinitos…
Ora, se épocas houve em que os livros de bolorentos e empilhados se tornaram raros, e resistentes, na minha formação tornaram-se intocáveis para se não estragarem, sob o medo de lhes tocar que apenas era superado pelo medo de os ler, quais preciosidades fora do alcance dos brutos iletrados, crianças e alunos em geral, como igualmente (prisioneiros) intocáveis uns porque não seriam adequados à minha idade, outros muito avançados para o meu conhecimento, aqueloutros por os não merecer e ainda os demais por estarem vedados (proibidos) a toda gente por perniciosos e de malvada estirpe. Também “sofrem” agora do efeito gradeamento mas principalmente por estarem fora, fora das salas de aula, fora de uso, fora dos interesses medianos, fora de cuidados estatais, fora de moda, fora de casa, fora da atualidade e do conhecimento, fora de jeito e de lombadas viradas para a vida em geral, porquanto os seus autores em vez de a contemplarem nos seus conteúdos apenas puxam o brilho às doutrinas e às tradições do narcisismo serôdio no marketing personalista. No vira a leiva da fama, que o mesmo é que dizer, da vaidade ao quilo de papel.
Por conseguinte, dificilmente em Portugal haverá algo de novo a não ser alguma velharia recuperada dentro da lamechice do pão com manteiga usual no que à cultura diz respeito, uma vez que é sabida a apetência dos reizinhos do poder para amputarem a massa crítica da sociedade para melhor reinarem, coisa que melhor se faz em reino de cegos, como esclarece o ditado. Exceto, é claro, o cadeado nas estantes (gaiolas) que poderá passar a ser electrónico!
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