O Mito de Lylwine
"Acendo três velas à Tripla Deusa-Mãe, a Grande Dama dos três aspectos. Gloriosa Virgem, deusa da juventude e novos inícios, aurora e sempre plantada. Grande Mãe, deusa da magia e da abundância, do amor e do conhecimento. Sombria Idosa, sábia deusa da noite, da morte e do renascimento. Acolho A Deusa em todas as suas formas." – do Ritual da Lua Cheia.
Tal como no Crescente Fértil da antiguidade sumérica, o único critério válido, para definir quem é, ou não, um autêntico escritor, ou escritora, não são os prémios alcançados, as condecorações tribais, os elogios dos clãs organizados e corporações, a divulgação feita pelos mass media da época, mas o reconhecimento daqueles que ao lê-los mantêm actual – e actuante! – o ditado sumérico, que explicita e indicia, que "um escriba cuja mão se move acompanhando a boca / é de facto um escriba" (Samuel Noah Kramer, in A História Começa na Suméria, p. 149). E os ecos dessa novidade podemos efectivamente encontrá-los em A Sacerdotisa das Águas, ao constatar que as druidesas continuam, quando "a roda do ano gira e chega a recompensa", a escolher tudo o que lhes acontece – quiçá, seguindo os conselhos de Adamur!... – aurorescendo para as Luas Cheias depois das serenas conversas de circunstância entre amigas, sobre os temas femininos mais populares (filhos e homens e tarefas do lar), combatendo os eclipses sangrentos, sentindo-se gratas pelo momento que vivem e sem perder tempo a olharem para trás, a não ser que isso lhes propicie a imagem da Deusa enviando-lhes o raio telúrico, para iluminar-lhes "o ventre por dentro numa faiscação de labaredas vermelhas" (p. 147), estipulando assim, é certo, e grosso modo, que nunca em vão há-de acontecer a morte das velhotas mais idosas dos povoados, como a da avó Túlia que "acordara morta" (p. 149) uma manhã, e fora enterrada três dias depois, no cumprimento da regra. Sobretudo porque a autora deste romance, contempla os desígnios e preceitos escribalistas, dando à mão os trejeitos da fala, que nem sempre se conduz pelas normas da conjugação e da gramática, recuperando e improvisando verbos para acções como o exigem os conteúdos, no seu aurescimento do dizer imediato e espontâneo, para expressar, por exemplo, um simples e comum passamento desta para melhor, às personagens, velando-as sim, mas revelando-as igualmente, ficando portanto reforçada a certeza de poder escolher legitimamente ser escritora, além de médica, uma vez que lhe aconteceu ter escrito um livro, cujo interior traduz e revela a essência semântica de quanto o ditado persa, ou sumérico, indica como condição sine qua non de identificação e estilo, o movimento da mão que dá a tonalidade ao discurso. (Lunar, convém salientar!)
O mito, enquanto história tradicional ou lendária, que respeita, geralmente, as entidades sobre-humanas e lida com eventos que não têm uma explicação natural, convicção não provada que é aceite sem espírito crítico, se declara invenção fantástica, procura compreender os fenómenos ou ocorrências estranhas sem se socorrer de razões científicas, nem mesmo das do chamado senso comum. Apela mais para a emoção do que para a razão, e data de tempos bastante remotos em que as explicações racionais não eram ainda possíveis, nem sequer desejadas, e foi veiculado e conservado pela tradição oral, conforme a mitopoese o exige no quadro ou fundo de consciência colectiva. No romance de Jean M. Auel, O Clã do Urso das Cavernas, não lembro bem se seria também órfã de mãe desde os três anos, se começara a instrução com seis anos terminando-a aos treze, sete anos depois, há realmente o protagonismo de uma loira que monta cavalos e leões, e conhece os mistérios da existência com um heroísmo que tem tanto de feminil como de guerreiro. É provavelmente a mesma personagem mitológica que encontramos neste romance, talvez adaptada a mais recentes épocas e noutro contexto ambiental e geográfico, ou, ao contrário, podemos ver nela uma versão da feminilidade céltica retornada dos territórios nórdicos europeus, incluindo os insulares, a que a miscigenação continental não "deturpou" as marcas tipológicas?
Em resumo, a literatura, ainda que esporadicamente reflicta os mitos profundos e ancestrais, provocando o típico ondear cíclico e concêntrico de uma pedrada na água, avivando-os, enobrecendo-os, revelando-os, mistura sempre ervas já conhecidas, conceitos tradicionais, moendo-as (e moendo-os) no graal da fantasia, juntamente com outros novos, a fim de confeccionar novos unguentos para moléstias milenares, das quais, a maior, é a descrença nos princípios fundamentais da vida. É o que este livro faz, e é exactamente nisso que ele se propõe como uma obra essencialmente literária, embora, claro está, a magia lhe solte as peias na cavalgada dos entendimentos... Será?
A apresentação pública do livro A SACERDOTISA DAS ÁGUAS, terá lugar na Sala Polivalente da Biblioteca Municipal de Portalegre, quinta-feira, dia 23 de Setembro, Lua Cheia, pelas 21 horas, com a presença da autora, Placídia Amaral, e Joaquim Castanho.
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