3.20.2010

Lellices!

"A primeira e pior de todas as fraudes é o sujeito enganar-se a si mesmo. Depois disto, todo o pecado é fácil [e está justificado]."
J. Bailey

A infantilidade adulta, no dizer de Natália Correia seria o criancismo, é apenas mais uma das estranhas formas de pretender ser sério pela pecuinhice da sisudez, do melindre e da ofensa gratuita, comum aos casos de narcisismo frustrado, em que se entrincheiram os políticos quando a iniciativa e a imaginação lhes faltam para fazer (ou dizer) algo de útil à nação e a quem os elegeu, escorando a insensatez na intenção de criar moda, porquanto uma coisa que é considerada uma nítida e despropositada birra, desde que seja praticada por muitos até pode parecer, embora nunca o seja realmente, uma espécie de recato e de estilo de afirmação entre os seus pares, quando timbrados pela honestidade e transparência que além de atitudes pessoais, são também valores intrínsecos à democracia, à pluralidade social e à renovação regimental que mantém "acesa e pertinente" a moralidade republicana, pois é à democracia e à República que a comunicação deve servir, não a este ou
àquele partido, por mais republicano, democrata e laico que se (auto)proclame.
No recreio da minha escola (primária), onde frequentemente se fazia a aguerrida futebolada digestiva do almoço, houve igualmente alguns jogadores que eram donos da bola, e que mal o adversário infringisse, não as regras do futebol mas os ditames que o proprietário da pilota impusera, ou os membros da sua equipa não lhe passassem a dita cuja quando achava que o deveriam ter feito, então fechava o computador e acabava com a retouça a todos, perdão, pegava no esférico e levava-o para o seu universo caseiro, não por falta de carácter é certo, pois o quero, posso e mando é antes enunciativo de um carácter forte e possessivo – alguns chamar-lhe-ão paranóico, egocêntrico e maníaco-depressivo –, acabando invariavelmente com o jogo, a não ser que ambas as equipas o apaparicassem com louvaminhas circunstanciais que o levassem a ponderar e inverter o curso da reportagem, enfim, da estória e da história.
Ora, ultimamente tem-se assistido à metamorfose dos políticos em pudicas Dianas paparizadas, mais ou menos por todo o lado, uns fugindo das câmaras e objectivas que tanto buscavam e em frente das quais ostensivamente e amiúde passavam, outros não respondendo às perguntas dos jornalistas quando estas começam "por-ques e porquês", havendo até quem os acuse de maus profissionais se eles não carimbarem com de elevado interesse nacional esta ou aquela iniciativa, este ou aquele discurso, e amaneirar para esconder as manobras e gincanas de contornar a justiça desta ou daquela bancada, bem como das empresas que lhes superintendem na "logística fundamental". Quem não deve não teme, lembra a popular divisa, logo não precisa de esconder nada, nem reivindica o seu direito à privacidade, quando utiliza um bem público, que foi disponibilizado pelo órgão de soberania, não para conspirar, mas para melhor e mais eficazmente desempenhar as funções que lhe foram confiadas, como reza qualquer tomada de posse onde as figuras regimentais são muito além do que simples sons para as cacofonias dos poderosos, igualmente conteúdos e rituais de respeito pelas instituições do Estado que a Constituição da República consagra e consagrou, não permitirá ver dissolvidas nem alienadas, por superiores que se alevantem ou privatizações lhe advenham.
E idem para as prendas que resvalam no tradicional untar de mãos para agilizar processos, rendimento suplementar de funcionários e administradores, que a eito se vão revezando como receptadores de bens/montantes sem imposto nem registo, acerca dos quais há quem exija sensatez na análise adjectivante, dado ter-se – não sei porquê... – que distinguir-se entre prendas e prendas, saber se umas são para colher benefícios ou se pagar favores, se outras são por generosidade e simpatia, desde os repastos às comitivas da comunicação social até aos brindes para os representantes das corporações convidadas, uma vez que todos sabemos muito bem o que é ser-se imparcial e objectivo perante "actos e palavras proferidas" de alguém que nos encheu a pança, quer periódica como frequente ou momentaneamente. Qualquer prenda é sempre um suborno e uma possibilidade de corrupção em aberto, seja ela para consumar ou não.
Portanto, quer-me parecer, que se os poderosos andam a prender o burro e a fazer manguitos à comunicação social, esta também anda a vasculhar mais do que era costume por lhe andarem a mexer nos suplementos alimentares, pondo uns e outros em prática o amor com amor se paga, renunciando (mutuamente) aos pagamentos em género, como forma de limpar os queixos pelos manjares partilhados a expensas do erário público; isto é, quando a verba escasseia todos vão ralhando acerca do quinhão que coube, porque afinal "andamos todos ao mesmo", o que é uma aventura se já não temos mãos a medir para uma crise que se dilata e estende no tempo. Era fácil mas acabou-se... – diremos. O interesse nacional (esse disfarce), a pessoa de bem e o idóneo Estado (essa máscara), as leis e a ética (essas convenções), perante a necessidade de transparência e honestidade (essa tragédia), vão-se diluindo conforme as políticas e os políticos acertam o passo com a modernidade: porém, suborno é sempre corrupção, como esconder dados é sempre manipulação, independentemente do que lhe chamem, e lho chamem apenas quando aos mais poderosos convém. Que por mais que o pecado seja fácil, nenhum almoço é de borla.

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