COM AS FOLHAS SOLTAS DO SENTIDO
A dúvida me desfolha, tortura
E dilacera, que chego a delirar
Às doídas fronteiras da loucura,
E aí te guardo pra lá do guardar.
Não só teu rosto, mas também a voz
Perduram em mim, marcam o dia,
Desatam e desenleiam estes nós
Com que alma à mágoa se prendia…
Doía não te ver, com o doer atroz
Que fomenta essa melancolia,
Que isola e ata, me deixa a sós,
E bloqueia o crer, que já descria
Sentir o quanto à vida se alia
A si mesma e segreda existir,
Ou diz calada que sem ti é nada
Como igualmente eu nada sou,
Ínfimo ponto sem ser nem porvir
Gota que seca no pó da estrada
Tão longe da água que a gerou
Que é lágrima de sangue morto,
Coalho no soalho podre e torto
Do chão irregular, chão contorcido
Moída incerteza sobre teu querer,
Expetativa, papel atribuído
Ao sentir que de mim sabes ter,
Que não sabê-lo me tira o sentido
Se dilacerado meu ser na espera
Corrói o ânimo já tão corroído
Que até o respirar me dilacera…
Tão amargurado, na incerteza
Que é a dor onde fora gerado,
Que se fora flor de rara beleza
Havia de ter pétalas de cuidado
E dúvida, que me traz desfolhado.
Joaquim Maria Castanho
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