LUZIA, pseudónimo literário da portalegrense Luísa Grande, foi uma marca de inegável talento e criatividade cujo rasto não se pode diluir no tempo
É grande loucura essa, a de alguns escritores terem a mania de quererem ser felizes, mesmo quando parece tudo e todos estarem realmente empenhados em não deixar que isso aconteça… Porventura será exatamente por isso que muitas pessoas os admiram tanto, por sentirem que estes anseiam, afinal, o mesmo que elas.
Conseguiu porém LUZIA, sem que sequer alguma vez lhe resvalasse a pena para o casticismo exótico ou para o porreirismo lamechas, gizar quadros de singela e pitoresca beleza acerca do dia-a-dia dos portugueses do princípio do século passado, quer deste quadradinho continental como das ilhas atlânticas, do universo lisboeta como das latitudes alentejanas, da cosmopolita Europa como das rústicas e montanhosas aragens dos Pirenéus, sob a acentuada influência estética do parnasianismo disseminado por Anatole France, por exemplo, bem como sob as matizes simbolistas e fantasiosas da francofonia veiculadas por Jane Cals ou Marguerite Burnat-Provins, entre outros e outras, que lhe timbraram o discurso com aquela peculiar melancolia sonhadora das almas que fizeram da solidão o seu porto-seguro. Se o mundanismo modernista a arrastou consigo esporádicas vezes pela sua condição de mulher de convívio com outras mulheres, nunca porém lhe foi acérrima aficionada, talvez em resultado de suas múltiplas orfandades que desde cedo lhe torceram o destino (de mãe, de pai, de terra, de marido, de ideologia e de saúde), lavrando o choro e riso, num estilo de vincada oralidade fruto inequívoco dos serões familiares alentejanos, onde não lhe seria alheia a paulatina vagabundagem pelos universos imagéticos das Mil e Uma Noites, propícia ao conforto doméstico junto à lareira, ou as demandas shakespearianas adaptadas às circunstâncias pouco exigentes do Teatro Portalegrense, último grito da cultura e da moda numa cidade a braços com a acesa catolicidade que via com maus olhos que os sapateiros intentassem além da sovela, embora o amadorismo fosse o único recurso para lhe animar a plateia, legando-nos ainda assim uma profícua obra, cujos alicerces se implantam nos géneros dramático e bucólico, dispersando-se por epístolas, diários, contos, novelas, bilhetes-postais, crónicas de costumes, artigos de fundo e críticas, peças de teatro, sketches, impressões de viagem, caraterização de tipos, recolhidos da observação direta e da introspeção, com narrativa na primeira pessoa, confirmando quanto é necessário que alguém se insurja contra o olvido através da prevenção, pois “quem se esquece de si próprio é fatalmente esquecido pelos outros”, como muito a propósito faz notar em Flores de Inverno: IV – Margarida, do livro Almas e Terras Onde Eu Passei, Edições Europa, pág. 190.
Teve dissabores, é claro – e quem os não teria numa época em que a mulher era considerada o sexo fraco, falho de vontade e responsabilidade cívica, exceto para as atividades ligadas à procriação da espécie e cultivo da (honra da) família? –, mas contornou-os sob o principal refúgio da leitura e da escrita, instigada imaginação, quiçá inspirada no cavaleiro da fraca figura – como se observa em Almas e Terras Onde Eu Passei, na página 42 – que errou pelas terras da Ibéria comum, aspergindo a perspicaz acutilância observativa e orientação ética de um Cervantes sobre o dorso desse Rocinante apenas prestável para o romantismo das grandes batalhas, precisamente aquelas cujo campo é tão-só e exclusivamente a alma humana.
Pois agora, que ninguém lhe deve nada, nem qualquer ressentimento, pela sua formação e crescimento numa família com etiqueta regeneradora, coisa que à nova república não agradava sobremaneira, creio ter chegado o tempo, não só de lhe lermos a obra como também de recuperar o exemplo, a modernidade e a dignidade de uma mulher que leu os sinais para não perder o sentido da vida. A sua, é óbvio, e igualmente a nossa, enquanto conterrâneos e descendentes de língua e verbo.
Convite para partilhar caminhos de leitura e uma abertura para os mundos virtuais e virtuososos da escrita sem rede nem receios de censura. Ah, e não esquecer que os e-mails de serviço são osverdes.ptg@gmail.com ou castanhoster@gmail.com FORÇA!!! Digam de vossa justiça!
2.09.2012
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
La vida es un tango y el que no baila es un tonto
Onde a liquidez da água livre
Arquivo do blogue
- ► 2019 (152)
- ► 2017 (160)
Links
- A Aliança
- A Cidade e as serras
- A Dobra do Grito
- A Espuma dos Dias
- A Sul
- A Vida Não É Um Sonho
- AMI
- Abrupto
- Ad-Extra
- Aldeia T
- Alentejanos de Todo o Mundo Uni-vos
- Alexandria à Gomes de cá
- Algarve Renovável
- Alguém Me Ouve
- Almocreve das Petas
- AmBio
- Amazónia
- Amigos do Botânico
- An Ordinary Girl
- Ante-Cinema
- Ao Sabor do Toque
- Astronomia 2009
- Aves de Portugal
- Azinheira Gate
- BEDE
- BIBLIOTECÁRIO DE BABEL
- Barros Bar
- Bea
- Bede
- Biblio
- BiblioWiki
- Bibliofeira
- Bibliofeira
- Biblioteca António Botto
- Biblioteca Digital
- Biblioteca Nacional
- Biblioteca Nacional Digital
- Biblioteca Nómada
- Biblioteca do IC
- Bibliotecas Portuguesas
- Bibliotecas Públicas Espanholas
- Bibliotecas-
- Bibliotecário de Babel
- Bibliotecários Sem Fronteiras
- Biodiversidade
- Biosfera
- Blog dos Profs
- Blogs em Bibliotecas
- Blogue de Letras
- Boneca de Porcelana
- Burricadas
- CEAI
- CFMC
- CIBERESCRITAS
- Cachimbo de Magritte
- Caderno de Paris
- Campo de Ideias
- Canil do daniel
- Cantinho das Aromáticas
- Canto do Leitor
- Capas
- Casa da Leitura
- Centenário da República
- Centro Nacional de Cultura
- Centro de Estudos Socialistas
- Cercal da Eira
- Ciberdúvidas
- Circos
- Citador
- Ciência Viva
- Clima 2008
- Clube de Jornalistas
- Coisas Simples e Pequenas
- Coisas da Cristina
- Coisitas do Vitorino
- Comer Peixe
- Cometas e estrelas
- Comissão Europeia Portuguesa
- Companha
- Conjugador de Verbos
- Crescer Com Saúde
- Crítica Literária
- Crónicas do Planalto
- Câmara Clara
- DAR
- Da Literatura
- Da Poesia
- Deixa Arder
- Depois do Desenvolvimento
- Devaneios
- Diagonal do Olhar
- Dias com Árvores
- Dicionário de termos Literários
- Diário da República
- Doce Mistério
- Dona Gata
- Dreams
- Ecologia Urbana
- Ecosfera
- Edit On Web
- Educação Ambiental na Net
- Ellenismos
- Ensayo Pessoa
- Escola Pública
- Escolhas de Sofia
- Escribalistas
- Espiritismo
- Estação Liberdade
- Estudio Raposa
- Eurocid
- Evolução da Espécie
- Extratexto
- Farol de Ideias
- Fauna do Cerrado
- Ferrus
- Ficção
- Floresta do Interior
- Folhas de Poesia
- Fongsoi
- Fonte de Letras
- Fotos da Natureza
- Fotos do Nick Brandt
- Fratal 67
- Frenesi
- Fundo Português do Carbono
- GOSGO
- Google News
- Governo
- Gulbenkian
- HSI
- Habitat Ecológico
- História universal
- IDP Democracia Portuguesa
- Ideotário
- Impressões Literárias
- Incrivelmente Perto
- Infografando
- Instituto Camões
- Jacques Brel
- Jornal das Freguesias
- José Saramago
- Justiça e Cidadania
- Justiça e Democracia
- Kampus de Ideias
- LER
- Leite de Pato
- Leitora Crítica
- Leoa Verde
- Linha de Pesca
- Literatura e-
- Livre Expressão
- Livros e Críticas
- Lumiarte
- Lusa
- Lusitânica
- Luso Borboletas
- Madeja de Palabras
- Malaposta
- Maldita Honey
- Manuela
- Maria Clara
- Missixty
- Movimento Perpétuo
- Movimento Rio Tinto
- Mundo Ecológico
- Mundo de Pessoa
- Mundo dos Golfinhos
- Mutações
- NICK BRANDT
- Nada Niente
- National Geographic
- Natura
- Nick Brandt
- Nobel Prize
- Notas e Apostillas
- Notícias de Castelo de Vide
- Nova Economia
- Nova Floresta
- O Bocas
- O Boomerang
- O Coiso
- O Currupião
- O Escribalista
- O Fingidor
- O Indigente
- O Janesista
- O Parcial
- O Silêncio dos Livros
- OIT
- OREE
- Objectiva Campo Maior
- Oficina de Poesia
- Olho Neles
- Omj
- Ondas 3
- Opinião Socialista
- Os Ribeirinhos
- Os Verdes
- Othersky
- POUS
- POUS Portalegre
- Palavra Criativa
- Pandora e Adrian
- Parlamento
- Parlamento Global
- Partido Pelos Animais
- Pedro Marques
- Per-Tempus
- Photo-a-Trois
- Photos e Scriptos
- Pimenta Negra
- Planeta Azul
- Planeta Azul
- Plano Nacional de Leitura
- Podolatria
- Poemas Diários
- Poesia Ilimitada
- Poesia Saiu à Rua
- Poesia de Gabriela Mistral
- Poesias e Prosas
- Ponto
- Ponto Cinza
- Por Mão Própria
- Por Um Mundo Melhor
- Porbase
- Porosidade Etérea
- Portal da Literatura
- Portal da Língua
- Portalegre On Line
- Português Exacto
- Presidência da República
- Projecto Gutenberg
- Projector do Sótão
- Putas Resolutas
- Pés de Gata
- Qualidade do Ar
- Queridas Bibliotecas
- Quintas Com Livros
- RELEITURAS
- Raquel
- Raízes
- Receitas da Lígia
- Reconstruir a Esperança
- Rede Cultural
- Releituras
- República Laica
- Reservas Naturais
- Retalhos de Leitura
- Revista Diplomática
- Revista Portuguesa
- Rio das Maçãs
- Robot Intergaláctico
- Rouge de Garance
- Rua Nove
- SEVE
- SOS Praia Azul
- SOS Vida
- Sais de Prata
- Sara
- Sara P
- Saumon
- Schmoo-Schmoo
- Schopenhauer
- Selvagens
- Seve
- Sinusite Crónica
- Sob Pressão Não Consigo
- Sociedade Civil
- Sombra Verde
- SonoPoesia
- Stand-Up
- Tempo das Cerejas
- Terra de Encanto
- Todas as Letras
- Tu Indecisa
- UALG
- UNESCO
- Umbigo
- Ursula
- Usina de Letras
- Utopia
- Verduras Factuais
- Verão Verde
- Viagens no Meu Sofá
- Viajarte
- Vida Involuntária
- Vida das Coisas
- Viver Literatura
- Walkyria
- Wild Wonders
- Wildlife
- Y2Y
- Zeariel
- e-cultura
- kARINA
- À Margem
- Árvores do Norte
Acerca de mim
- Joaquim Maria Castanho
- Escribalistas é órgão de comunicação oficial de Joaquim Maria Castanho, mentor do escribalismo português
Sem comentários:
Enviar um comentário