Exemplo que vem de fora
"Em África, cada velho que morre é uma biblioteca que arde."
H. Hampaté Ba
Temos assistido nos últimos dias a um frenesim noticioso em torno do terramoto haitiano, cujo principal efeito é a inquietação que nos tem sobreaquecido os nossos receios e acelerado o stress, motivado pela insegurança adjacente, embora esporadicamente este intenso "repasto factual" nos seja servido com alguma pitada de esperança, não divina, é claro, uma vez que até a igreja sob a qual os fiéis se abrigaram acabou por ruir na sequência de uma réplica mais forte, mas de reforço à busca interrupta e tenaz, quer dos vivos entre os escombros, como da capacidade de mobilização global em prol de causas humanitárias, de socorro e assistência médica e medicamentosa, ou na tentativa de manter a ordem e a lei, num Estado, já bastante refractário quanto a esses factores de justiça e democracia, e insustentável economicamente, tanto quanto nos foi dado observar pelas análises e documentos veiculados, onde se registava viver, mais ou menos, com apenas 1 € diário o grosso da população.
Provavelmente, e à semelhança do que aconteceu com a orquestração informativa acerca da Gripe A, e que finalmente se começa a admitir, pelos resultados como pelo grande impacto financeiro no balanço dos laboratórios que produziram e comercializaram a respectiva vacina, depois da poeira assentar de forma concludente, nos seja então possível reconhecer que a melhor forma de lidar com as catástrofes, não resida, afinal, na ansiedade de mostrar, mas sim na segura e metódica intenção de consciencializar, sem dramatismos nem pieguices, que algo tem de ser pensado e feito para que outros Haitis se não repitam, pois muitos países há actualmente nas mesmas circunstâncias socioeconómicas, sem instituições democráticas credíveis nem estabilidade propensa para o crescimento solidário e seguro conveniente para refortalecer a capacidade de encaixe contra a adversidade, derive ela de condições naturais ou de movimentos sociais.
Isto é, desde o dia 12 que as televisões, as rádios, os jornais e revistas colocam a ênfase das suas grelhas informativas no terramoto haitiano, com breves incursões na polémica do Orçamento de Estado, deixando as questões culturais e da identidade portuguesa em nichos "bairristas" pouco frequentáveis, como as notícias referentes à língua portuguesa e a maneira como ela se reflecte no mundo, tanto interno aos seus 190 milhões de falantes, quer externo a essa lusofonia, esquecendo que face às demais línguas que integram o ranking das 10 mais faladas no globo, anda pelas ruas da amargura e se comparada com a de nuestros hermanos aqui vizinhos, enquanto nós só temos um Prémio Nobel e meio, eles já abicharam prà'i uns 18 (6 espanhóis, 5 argentinos, 2 chilenos, 2 mexicanos, 1 colombiano, 1 guatemalteco e 1 da Costa Rica), o que nos indica que é legítimo ver como param as desgraças lá por fora, mas isso não pode impedir de vermos as nossas e "esquecermo-nos" de fazer tudo quanto estiver ao nosso alcance para as colmatar.
Apetece até contar a tal história do Rapaz e do Lobo, que depois de gritar por socorro diversas vezes por causa de um lobo, sendo mentira, eis que uma vez o dito lobo apareceu mesmo e pondo-se o rapaz a gritar, pedindo socorro, ninguém o socorreu, por pensarem ser mais uma peta das dele… Andamos tão esbaforidos na missão de olhar para fora, chegando a haver quem diga que olharmos para os nossos “terramotos interiores” é um egoísmo desumano sem par, que talvez um dia queiramos, a comunicação social, digo eu, olhar para dentro e ninguém haverá que nos leve a sério, contrapondo que os nossos problemas não são problemas, que se a nossa língua passar a dialecto local (ibérico) sem expressão factual, disso não advirá qualquer mal ao mundo e será somente uma, mais uma, tese política de partidos menores onde abundam todas as desgraças peculiares aos radicalismos serôdios do pós UE.
Ora, o Chile, por exemplo, conta com Gabriela Mistral e Pablo Neruda, como galardoados com o Prémio Nobel da Literatura, e nem se expressa numa língua própria mas sim no castelhano com que foi colonizado, e pese embora apenas tenha mais ou menos quatro milhões de chilenos. Será caso para referir se só temos um Prémio Nobel em Literatura, não obstante os 190 milhões de falantes em português é porque somos demais para tão pequena empresa? Há povos e nações onde se morre de tudo, incluindo miséria, catástrofes, intempéries, genocídios, falta de recursos e escassez de cultura ou civilização: a nós isso nunca aconteceria, porquanto preferimos sempre olhar para fora, onde esse tanto que acontece serve inevitavelmente para esconder o que somos. Supõe-se!
"Em África, cada velho que morre é uma biblioteca que arde."
H. Hampaté Ba
Temos assistido nos últimos dias a um frenesim noticioso em torno do terramoto haitiano, cujo principal efeito é a inquietação que nos tem sobreaquecido os nossos receios e acelerado o stress, motivado pela insegurança adjacente, embora esporadicamente este intenso "repasto factual" nos seja servido com alguma pitada de esperança, não divina, é claro, uma vez que até a igreja sob a qual os fiéis se abrigaram acabou por ruir na sequência de uma réplica mais forte, mas de reforço à busca interrupta e tenaz, quer dos vivos entre os escombros, como da capacidade de mobilização global em prol de causas humanitárias, de socorro e assistência médica e medicamentosa, ou na tentativa de manter a ordem e a lei, num Estado, já bastante refractário quanto a esses factores de justiça e democracia, e insustentável economicamente, tanto quanto nos foi dado observar pelas análises e documentos veiculados, onde se registava viver, mais ou menos, com apenas 1 € diário o grosso da população.
Provavelmente, e à semelhança do que aconteceu com a orquestração informativa acerca da Gripe A, e que finalmente se começa a admitir, pelos resultados como pelo grande impacto financeiro no balanço dos laboratórios que produziram e comercializaram a respectiva vacina, depois da poeira assentar de forma concludente, nos seja então possível reconhecer que a melhor forma de lidar com as catástrofes, não resida, afinal, na ansiedade de mostrar, mas sim na segura e metódica intenção de consciencializar, sem dramatismos nem pieguices, que algo tem de ser pensado e feito para que outros Haitis se não repitam, pois muitos países há actualmente nas mesmas circunstâncias socioeconómicas, sem instituições democráticas credíveis nem estabilidade propensa para o crescimento solidário e seguro conveniente para refortalecer a capacidade de encaixe contra a adversidade, derive ela de condições naturais ou de movimentos sociais.
Isto é, desde o dia 12 que as televisões, as rádios, os jornais e revistas colocam a ênfase das suas grelhas informativas no terramoto haitiano, com breves incursões na polémica do Orçamento de Estado, deixando as questões culturais e da identidade portuguesa em nichos "bairristas" pouco frequentáveis, como as notícias referentes à língua portuguesa e a maneira como ela se reflecte no mundo, tanto interno aos seus 190 milhões de falantes, quer externo a essa lusofonia, esquecendo que face às demais línguas que integram o ranking das 10 mais faladas no globo, anda pelas ruas da amargura e se comparada com a de nuestros hermanos aqui vizinhos, enquanto nós só temos um Prémio Nobel e meio, eles já abicharam prà'i uns 18 (6 espanhóis, 5 argentinos, 2 chilenos, 2 mexicanos, 1 colombiano, 1 guatemalteco e 1 da Costa Rica), o que nos indica que é legítimo ver como param as desgraças lá por fora, mas isso não pode impedir de vermos as nossas e "esquecermo-nos" de fazer tudo quanto estiver ao nosso alcance para as colmatar.
Apetece até contar a tal história do Rapaz e do Lobo, que depois de gritar por socorro diversas vezes por causa de um lobo, sendo mentira, eis que uma vez o dito lobo apareceu mesmo e pondo-se o rapaz a gritar, pedindo socorro, ninguém o socorreu, por pensarem ser mais uma peta das dele… Andamos tão esbaforidos na missão de olhar para fora, chegando a haver quem diga que olharmos para os nossos “terramotos interiores” é um egoísmo desumano sem par, que talvez um dia queiramos, a comunicação social, digo eu, olhar para dentro e ninguém haverá que nos leve a sério, contrapondo que os nossos problemas não são problemas, que se a nossa língua passar a dialecto local (ibérico) sem expressão factual, disso não advirá qualquer mal ao mundo e será somente uma, mais uma, tese política de partidos menores onde abundam todas as desgraças peculiares aos radicalismos serôdios do pós UE.
Ora, o Chile, por exemplo, conta com Gabriela Mistral e Pablo Neruda, como galardoados com o Prémio Nobel da Literatura, e nem se expressa numa língua própria mas sim no castelhano com que foi colonizado, e pese embora apenas tenha mais ou menos quatro milhões de chilenos. Será caso para referir se só temos um Prémio Nobel em Literatura, não obstante os 190 milhões de falantes em português é porque somos demais para tão pequena empresa? Há povos e nações onde se morre de tudo, incluindo miséria, catástrofes, intempéries, genocídios, falta de recursos e escassez de cultura ou civilização: a nós isso nunca aconteceria, porquanto preferimos sempre olhar para fora, onde esse tanto que acontece serve inevitavelmente para esconder o que somos. Supõe-se!
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