5.31.2008

Criminosa ou Inocente?
Margaret Atwood
Trad. Clarisse Tavares
448 Páginas

"Passar fome acalma os nervos"
(Página 36)

"Se uma pessoa tem uma necessidade e eles a descobrem, [então] servem-se dela contra nós. A melhor forma é deixar de precisar das coisas."
(Página 40)

"Disse-lhe que era uma maldade da parte dele dizer aquilo mas limitou-se a rir. Desde que as pessoas levem o que foram buscar, que importância tem isso?, perguntou. Eu dava-lhes tudo o que quisessem. Um pregador sem fé, com boas maneiras e uma boa voz, converte mais gente que um idiota de cara fechada e mãos caídas, por muito que acredite em Deus. Depois fez uma pose solene e entoou, Aqueles cuja fé é poderosa sabem que, nas mãos de Deus, até mesmo os fracos podem ser úteis."
(Páginas 244/245)

Baseado nas circunstâncias, aliás dissolventes, de um caso verídico, mas arredondado e polido por variadas influências ficcionais, este romance de índole psicologista, qual painel, ou estendal, de colchas bordadas interligadas pela cruz do ponto, onde a narrativa gira à volta da vítima de um erro judiciário, pretende elaborar uma trama conjectural sobre a delével e ténue fronteira da dicotomia culpa versus inocência, sobretudo matizada, escalpelizada e devolvida no eco do discurso, por outras não menos pertinentes, como normalidade/loucura, paraíso/inferno, verdade/mentira, ciência/charlatanismo, amor/ódio, castigo/perdão, realidade/sonho, pecado/virtude, etc., etc., desenvolvidas e abordadas, mais ou menos exaustivamente, e à vez.

Redundante aos tempos originários das psicoterapias, investe-se de direitos significativos sobre o método psicanalítico (introspecção por sugestão e associação livre), antecedendo-o na data, pois que grande parte do esmiuçar dos sentimentos culposos e do inconsciente é feita antes da eclosão freudiana, isto é, no terceiro quartel do século XIX. Época de arreigados idealismos e transformações sociais, de consolidação técnica, científica e cultural, prolífera em diversidades deontológicas e/ou moralistas, fundamentalizações e esoterismos, que propícia à autora, na sua utilização romanesca, um autêntico manancial de inquietações, que nos reposicionam face aos valores positivos e essenciais da nossa ocidentalização: o amor à verdade, o apreço pela justiça e a intenção de paz.

Policial de estrutura e condimentos, é todavia peculiar quanto aos meios: o detective é um psicólogo e o erro é redimido por interposta testemunha. Mas apenas policial na medida em que, como terá afirmado Jorge Luís Borges, todo o romance o é. Desde as histórias bíblicas à Odisseia, das Mil e Uma Noites ao Nome da Rosa, que nem de propósito se adivinham nas linhas e entrelinhas, e lhe pintalgam, ou polvilham, o pano de fundo intertextual com a insinuada paleta das discretas descrições.

E quem o perder, é que perde!

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