9.30.2003

Quase todas as estórias, desde que bem contadas, se cruzam. Se tocam. E se propõem como maneira de encarar a vida... No caso destas duas há uma mais valia importantíssima: preparam-nos para construir a afectividade familiar em termos profundamente positivos, ensinamdo-nos o amor como essência dela. Há nelas como que uma linguagem universal que é outro género de música, como que um murmúrio que nos corre nas veias, e nos transmite o intransmissível, a empatia em estado puro, preenchendo-nos a existência momentânea de algo que parece - e se calhar é mesmo - eterno... Que vai para além do nosso estar terreno e nos põe a comungar do cosmos, ou estar entre as estrelas. A ser uma entre elas... E a curiosidade ou o alargamento desta ideia vai desde a astrofísica de Hubert Reeves como até ao "escolhe um desejo" infantil de quando vemos um cometa a cruzar a abóboda celeste!
V. Smith é, inclusive, um humano que veio de Marte, do céu, daquela parte de nós que nos é estranha mas de que somos inseparáveis... Ele é um humano que foi educado por não-homens, seres infísicos, que sabem habitar o vácuo sem presença material. E como? E porquê?
posted by jcastanho

9.29.2003

Há no "A Pérola", independentemente dos efeitos da música da família, que inicialmente leva esta a procurá-la e depois a destrui-la, uma capacidade de arrebatamento que, parece, só terá equivalente em "Um Estranho Numa Terra Estranha" no amor altruísta V. Michael Smith que o atira para a sua própria destruição?... À primeira vista poderá parecer que sim, no entanto, acho bastante suspeito; e complicado... Se admitíssemos que a única saída para a felicidade alheia estava no sacrifício da nossa própria felicidade, esta leitura ajudar-nos-ia muito, muito, muito pouco! A literatura, se acaso tem outra funcionalidade do que aquela que está explícita na sua definição literal, deve e pode estar para além das aspirações humanas mas, embora lhe sejam essenciais, não se pode resumir a elas. Ou pode?
posted by jcastanho

9.27.2003

A ideia de ler dois livros, neste caso "Um Estranho...." e "A Pérola", de autores diferentes e diferentes géneros é simplesmente magistral. São estilos e modos de escrever, filosofias de vida e abordagens à realidade, bestialmente distantes e tão próximas que apetecem de uma jornada! Essa ideia tua, Filipa, foi excepcional! Obrigado.
Principalmente porque faculta a comparação genérica e estilística... É muito bom que existam pontos de referência exteriores à obra que estamos a ler para poder elaborar patamares de significação. Por exemplo, quando se desenham as personagens e os ambientes, é possível ver como um e outro dos autores fizeram, e recolher de imediato, através das diferenças constadas, a relevância das suas mensagens... E essa qualificação, ao invés do que seria de supôr, funciona melhor quando elas se tocam e cruzam! Digamos que se está em sintonia e com transparência objectiva, numa leitura que é essencialmente subjectiva - a da ficção.
posted by jcastanho

9.26.2003

"Era uma vez um marciano chamado Valentine Michael Smith", eis a primeira frase com que começa o romance. Há milhares de contos, romances, poemas, que começam assim, e, no entando, quase não damos pelo facto. Se fosse uma obra dita de "literatura séria" o nosso sentido estético ditar-nos-ia imediatamente: «outra vez o era uma vez?!...» Mas não, não é, é Ficção Científica e, provavelmente por a considerarmos menos perfeita que outros géneros, toleramos e até apreciamos! Penso que é essa imperfeição esperada (ou mesmo desejada) que nos leva a preferi-la... Nós também não somos perfeitos; e esta é uma literatura que nos espelha. Seria possível conseguir tanta empatia com o personagem marciano se fosse diferente a entrada?... Julgo que não. Ser marciano é algo que nos é acessível... Um dia chamaram-me ET (extra terrestre), e, ao contrário de me ofender, fiquei maravilhado - andava a ler Robert Heinlein!
posted by jcastanho
Por outro lado creio que a interioridade afectiva de "A Pérola" se estabelece em termos mais intimistas... Quando, se pensarmos que a literatura é aquela maneira particular com que as pessoas se dizem "amo-te" aos seus semelhantes, às coisas, à natureza ou aos animais, o que para uns se faz com duas palavras mas para os escritores mais inventivos pode chegar às centenas de milhar de páginas, a relação primordial estabelecida entre os personagens principais se estende à humanidade, no caso de "Um Estranho...", em "A Pérola", há um dizer sentimental mais restrito, singularmente nomeado pela música da família. Família esta que está em constante desassossego e posta em risco pela sociedade burguesa e mercantil, pelo capitalismo desenfreado e anárquico... É o mundo dos monopólios, do poder que se dispersa como um polvo e estende os seus tentáculos a todos os cantos rentáveis da mesma, manipulando os canais de escoamento, produção e valorização das pérolas. E creio, também, que estas são metáforas de uma sentimentalidade profunda... Em cada um de nós está sempre aquela pérola, talvez escondida sob a concha da nossa personalidade, onde a esperança e o amor se fundem como algo precioso. Não achas?
Acho inclusive que "A Pérola" é uma óptima aproximação à intimidade essencial e humana que se espelha no "Estranho...", precisamente porque também nela se apresenta e traduz aquela forma interior de grocar a realidade, através das músicas dos sentidos e sentimentos, das emoções e estádios de alma. Quando aos personagens é dado escutar a música da família transmite-se-nos igualmente a sensação de harmonia que ela comporta, por exemplo. Se é o receio, a mesma coisa. Há em ambas as obras o recurso a linguagens que estão para além do texto propriamente dito e que nos facilitam entrar noutras esferas do "enredo"... estimulando-nos a empatia com os personagens e ambiente. Penso eu...
posted by jcastanho
Entretanto, deixo uma outra sugestão de leitura (que também me foi feita a mim): A pérola, de Steinbeck. Apesar de pertencer a um género literário diferente de Um estranho numa terra estranha, penso que, de uma certa forma, as "estórias" tocam-se de uma maneira, diria eu, especial. Mais à frente deixo mais comentários sobre esta obra.
posted by fribeiro

9.25.2003

Da argumentação e estilo desenvolvido por Robert A. Heinlein falaremos mais tarde. Agora e segundo o espírito da nossa leitura o que é preciso é saber como ela está a operar em nós! Como nos faz sentir depois de 20 páginas e como nos preencheu de novas maneiras de experimentar o real... Como opera a FC em nós e porque não temos receio de nos entregarmos a ela de alma aberta? Será que isto acontece por sabermos que de um género menor não advém perigo de influências nefastas ou, por outro lado, nos fechamos por o saber um género menor que não deve ser levado a sério?... Há possibilidade de enquadrarmos as nossas respostas não perdendo o sentido da estranha realidade....
Ainda bem que assim vês esta leitura, Filipa. Realmente eu senti o mesmo acerca de Smith e da sua maneira de grokar, de entender o mundo terreno e, por vezes, se tivesse o poder de assimilar as novidades também o faria de igual jeito. Este é efectivamente um exemplo de como a literatura pode estar viva em nós e de como se revela. Boa continuação. Eu vou agora continuar a leitura dele... Aliás, há uma coisa em mim que resultou desse livro: a careca. É como que uma tentativa de "imitar" o Smith! De identificar-me com ele através da aparência física... A velha questão do hábito e do monge: não é que o primeiro faça o segundo, mas assim que passamos a usar o hábito sentimo-nos mais próximos de ser monges...
Sim, neste momento estou a ler a primeira sugestão literária deste blog- Robert Anson Heinlein com o seu Um estranho numa terra estranha. A literatura de fição científica, em particular, não se pode ler de ânimo leve, mas Heinlein faz, nesta sua obra-prima, com que esse género fique a martelar-nos na cabeça. A história de Smith embrenha-se-nos no pensamento, sendo que Smith torna-se uma companhia no nosso dia-a-dia. Para não ficarmos a pensar sozinhos e reaprendermos sempre... com os marcianos.
post by fribeiro
Por outro lado, as novidades científicas do tempo foram ficando fora do contexto. Avançou-se bastante em diversas áreas do saber, mas esquecemo-nos de evoluir com elas. O homem que gere o conhecimento é o mesmo homem que há muito pouco tempo ainda vivia em cavernas e tinha escassos recursos em matéria de suportes ou criações imaginativas... O efeito moderador religioso era o único veículo acessível na partilha dos conhecimentos profundos do ser humano: a Bíblia executou essa missão durante dois milénios e a maior parte das pessoas do globo ainda se rege pelos seus príncipios...
Estamos em maré de sorte: há muita gente interessada em ler este livro. Poderemos fazer uma sessão da Comunidade de Leitores sobre ele e o autor. Portanto, haja sugestões

9.24.2003

Vamos lá a contar histórias importantes sobre as histórias que lemos... Ninguém precise de cingir-se ao enredo de um romance só porque foi outro a escrevê-lo e a inventar as personagens... Cada pessoa que lê um livro é já de si outra personagem que lhe entra para dentro. E que leva consigo a bagagem da sua experiência, o seu dia a dia e as impressões que os demais nele "inseriram"...
Estamos a atravessar um ligeiro impasse na leitura... Muito pouco tempo, e raras páginas por dia. É difícil gerir solicitações do dia a dia com apetências que podem esperar por melhores dias. A urgência de leitura de um texto que se tem ou a que podemos recorrer sempre que nos der na gana, faz com que descuremos essa nossa prioridade anterior, e lhe atribuamos menor estatuto. Mas não pode ser... É preciso ler todos os dias, sobretudo se é uma obra deste quilate. Robert A. Heinlein é um autor que nos exige dedicação pois também escreveu com entrega total. A quantidade de textos, títulos a que poderíamos chamar segundários, inverte os conceitos e contraria o ditado "que muito e bem não o faz ninguém". Ele escreveu muito, e, embora haja quem considere a ficção científica (FC) um género menor, fê-lo com preocupações literárias e estilísticas. Transformou e recuperou a FC, dignificou-a, deu-lhe uma função que mais nenhum outro género ocupou até aí: tornou-nos objecto científico, nós, os seres humanos, aqueles que ainda mal eram estudos em sociologia e psicologia. Disse-nos que podíamos trabalhar cientificamente o ser e o estar, bem como o sonhar colectivo, para além da medicina e da psicanálise, mas em confronto com outros e estranhos modos de estar e ser na realidade.

9.20.2003

Nada há de mais simples e arrebatador do que a ficção científica, que, afinal, não passa de um (mais um!) laboratório de filosofias de vida sustentadas em teorias cientificamente testadas, embora que noutros campos e áreas de conhecimento. Este "Estranho" contempla as Humanidades. Reinventa a modernidade através de um projecto de sociedade tão plausível quanto a americana, fortemente eivada pelo judaísmo bíblico, mas inverte o ângulo e faz também notória incursão naquilo que apenas neste século se veio a instituir: a globosfera - ou sociedade global. Se pensarmos que naquele tempo os computadores, televisão, telefones andavam ainda de gatinhas, maior é a nossa surpresa pelo poder de antecipação do autor. Haverá alguns reparos de maior quanto a esta afirmação?

9.19.2003

Vamos a ver: quem é o marciano que à em nós? Porque é cada um se sente diferente do outro? Que planeta é esse de que viemos e ao qual nos seguramos sempre que o entendimento da realidade se torna mais difícil? Porque queremos grokar a alma e com ela ela grokar o mundo? Será possível estabelecer vários canais de entendimento para diferentes objectivos e estádios de realidade?

9.18.2003

Para já um livro sobre o qual gostaria de chamar a atenção: "Um estranho numa terra estranha", de Robert A. Heinlein. É uma obra de ficção científica que esteve na base da geração das flores. Os pacifistas anti-vientnam fizeram dele a sua bíblia, e nele se geraram novas formas de fazer o jornalismo. A concentração dos mass media sobre a vida e o dia a dia de personagens da realidade política e social, acompanhando-as diariamente, minuto sobre minuto, sem despegarem, ficou moda a partir da data da sua publicação. A morte em directo, os Big Brothers e seus derivados, também aí beberam a inspiração. Além de que foi a partir dele que a água recuperou o seu sentido de culto: ser irmão de água, partilhar a vida e transparência afectiva, tornou-se uma essencialidade do mundo ocidental com repercussões globais. Mas há muito mais para ser dito...
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La vida es un tango y el que no baila es un tonto

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Onde a liquidez da água livre

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